O café da manhã tinha cheiro de bolo de laranja e pão na chapa. Gabi mexia a colher no copo sem açúcar como quem tentava dissolver o que sentia. Na varanda, Laura falava animadamente com os pais sobre a reforma da casa nova. Miguel ouvia, com aquele ar tranquilo de sempre, e dava um palpite aqui e ali, como se pertencesse àquela família desde sempre. E talvez pertencesse mesmo. Talvez aquele fosse o lugar dele. Não com ela.

Gabi desviava o olhar sempre que ele falava. Sentia um desconforto estranho no peito, como se estivesse sentada sobre cacos de vidro. Era culpa, ela sabia. Mas também era um outro sentimento que não queria nomear.

— Você tá calada hoje — Laura comentou, sentando-se ao lado de Gabi com um pedaço de bolo na mão. — Tá com sono?

Gabi deu um sorriso rápido.

— Dormi mal, só isso.

— Eu também. Miguel ronca — brincou a amiga, rindo.

Gabi forçou outra risada. O nome dele soava pesado agora. Ela odiava isso. Odiava o quanto ele ocupava seus pensamentos, o quanto um gesto ou um olhar dele podia mexer tanto com ela. Odiava ainda mais o fato de que Laura estava feliz. De verdade. Era visível no brilho dos olhos, no jeito que ela falava sobre o casamento, nos planos de futuro. E Gabi… Gabi não queria estragar nada disso. Nunca quis.

Ela tentou participar da conversa, rir das histórias do sogro de Laura, contar alguma lembrança boba da infância. Mas tudo parecia distante. Como se estivesse agindo por controle remoto.

No fim da tarde, os pais de Laura saíram para visitar uma tia, e os três ficaram sozinhos na casa. Laura subiu para o quarto dizendo que ia organizar algumas coisas do enxoval e pediu que Gabi e Miguel guardassem a louça. Ótimo. Exatamente o que ela queria evitar.

A cozinha ficou silenciosa. Gabi secava os pratos com mais força do que o necessário, tentando fingir que aquilo era só mais um momento comum. Miguel organizava os copos no armário, em silêncio.

— Você tá estranha hoje — ele disse, sem olhar pra ela.

Gabi prendeu a respiração por um instante.

— Tô normal.

— Não tá. — Agora ele a olhou. Aqueles olhos castanhos e calmos, que sempre pareciam saber mais do que diziam.

Ela hesitou, depois deu de ombros.

— É impressão sua.

Miguel sorriu de leve, como quem sabe que não adianta insistir. E voltou ao que estava fazendo.

Era isso. Ele não ia perguntar mais. Não ia forçar. Não ia dizer nada. E talvez isso fosse pior. Porque se ele sentisse algo, ele esconderia bem. E Gabi precisava desesperadamente acreditar que estava sozinha nesse sentimento. Era mais fácil lidar com a culpa assim. Pensar que tudo aquilo era unilateral, que só ela estava mergulhada nesse caos interno.

— Laura me contou que vocês marcaram a data do casamento — ela disse, num impulso.

— Foi ideia dela. Tá empolgada — respondeu, sem muita animação.

Gabi sentiu algo estranho no jeito como ele disse aquilo, mas decidiu não alimentar esperanças. Talvez fosse só cansaço. Ou receio. Ou qualquer coisa que não tivesse nada a ver com ela.

— Vai ser lindo — comentou, tentando manter o tom neutro.

Miguel apenas assentiu.

Ela terminou de secar o último prato e saiu da cozinha com o coração apertado. Ele não disse nada. Não deu nenhum sinal. Nenhum olhar prolongado, nenhuma palavra atravessada. E isso a deixava ainda mais confusa. Porque ou ele estava mesmo alheio, ou era muito melhor do que ela em esconder as coisas.

Naquela noite, deitada no colchão de ar no quarto de hóspedes, Gabi encarou o teto por horas. As palavras de Miguel ecoavam na mente, mesmo as mais simples. Cada gesto dele era revisto em câmera lenta pela memória. E ela se odiava por isso.

Ela não sabia o que era pior: sentir algo tão intenso por alguém que não podia ter… ou não saber se esse alguém, por um segundo que fosse, sentia o mesmo.

E o silêncio dele não respondia. Só deixava tudo ainda mais confuso.