2º Capítulo

Acordei com o sol em meu rosto e me levantei da cama lentamente. Dormir mal é a pior coisa que existe. Eu fico de muito mau humor. Tomei um banho rápido, coloquei o uniforme da escola e fui tomar café da manhã. Assim que cheguei na cozinha, sorri ao ver Maria arrumando a mesa para mim. Ela é a cozinheira e arrumadeira mais legal da face da Terra!

— Bom dia, menina!

— Bom dia! Isso está cheiroso.

— Coma tudo! Você está muito magrinha.

— Você e sua mania de querer me engordar. — Mordi um pedaço de bolo e suspirei. Não existe ninguém nesse mundo que cozinhe como essa mulher!

— Está pele e osso, menina! Tem que comer.

— Estou comendo — falei de boca cheia e ela riu.

Depois de comer até quase explodir, fui para a escola. Uma pequena van vinha me buscar. Moro em um lugar distante e se for a pé, preciso de pelo menos um dia de caminhada. Sim, eu moro no fim do mundo. E não me importo com isso. Gosto de cuidar dos animais da fazenda. Eles pelo menos me entendem.

Me sentei no fundo da van e suspirei. Eu era sempre a primeira a entrar. Depois a van ficava cheia, conforme Arthur pegava as outras pessoas. Minha amiga Michelly era sempre a segunda. Ela é a única amiga que eu tenho nesse lugar. Que foi? Eu sou “roceira”, as pessoas não gostam muito de mim por aqui. E eu não ligo, pois gente chata tem que ficar longe mesmo. Por isso eu sempre digo: prefiro falar com vacas a falar com esses humanos que estudam comigo.

— E aí? Como estão as coisas com esse seu casamento maluco?

— Nem me fale sobre isso! O cara é do jeito que imaginei.

Ela caiu na gargalhada quando falei isso. Sabia muito bem minha imaginação do futuro noivo. E isso não tem graça nenhuma! Resmunguei um palavrão e ela riu mais alto, fazendo as pessoas da van olharem para a gente.

— Se fosse um cara lindo? Você ia reclamar?

— Claro que ia! Eu não sou obrigada a casar!

— Na verdade, é.

Fiquei em silêncio olhando para fora do vidro. Não queria discutir com ela. Essa história de casamento já me tira do sério por existir. Não quero brigar com minha única amiga por causa dessa coisa inútil que meu pai inventou. Sabe-se lá pra que!

Chegamos à escola. Estava no terceiro ano do ensino médio e em uma semana entraria de férias. Eu não era uma aluna ruim, mas minhas notas também não eram as melhores. Estava na média. A primeira aula era de matemática. Eu disse que as pessoas não gostam muito de mim, certo? Elas não gostam no dia a dia, pois na aula de matemática é “Daniela, me ajuda com essa?”, “Daniela, você entendeu?”, “Pode me explicar, Daniela?”. Por isso gosto de animais! Eles não são interesseiros! Sim, sou a melhor da turma em matemática. Muitos dizem que essa matéria é difícil e chata, mas eu não acho. Gosto de números. Pessoas são mais complicadas, números são melhores de decifrar.

— Pronta para aula de educação física?

— Não me lembre dessa droga!

O que tenho de boa em matemática, tenho de péssima em educação física. Geralmente sou massacrada nos jogos e todos odeiam me ter no time. Sempre sou a última a ser escolhida. Mas eu tenho certeza de que se me colocarem em cima de um cavalo, não vai ter para ninguém. É a minha paixão!

Tenho uma égua chamada Teci. Todos cobiçam ela. E sei porque: ela é toda branca e linda. É a melhor égua que temos na fazenda. Uma vez meu pai tentou vendê-la, claro que fiz um escândalo, mas como todas as vezes que meu pai me ignora, ele não me ouviu e um homem a levou. Fiquei três dias sem comer por causa disso, mas felizmente a Teci também é apaixonada por mim e o homem a devolveu, dizendo que ela era selvagem.

Foi o dia mais feliz da minha vida quando ela voltou e nós saímos cavalgando na frente do homem para mostrar que os animais não são produtos de vendas, eles também têm sentimentos! Meu pai não gostou nadinha disso, mas eu não dei ideia para ele. Estava feliz demais para deixar que estragasse tudo.

***

Meu dia foi intenso, vendo que tivemos que jogar vôlei e eu nunca consigo jogar a bola. Sempre pulo cedo demais ou tarde demais para bloquear e o outro time faz ponto. E no saque é melhor nem comentar... Se quiser, pode perguntar à garota que acertei a testa, ela vai dizer como sou boa nisso.

Agora estava na van voltando para casa. Esse é o melhor momento do dia. Depois da escola, eu fico o tempo todo no estábulo. Minha melhor companhia é a Teci. Não sei o que vou fazer quando esse meu noivo vier me buscar. Não quero deixá-la. Ela é muito apegada a mim e pode sofrer se não me ver mais. O que posso fazer?

Assim que desci da van, corri para dentro de casa e troquei de roupa. Segui para o estábulo sem falar com ninguém. Não gosto de encontrar meu pai. Ele começa a falar da minha vida como se fosse uma propriedade dele e fala de um jeito autoritário que me tira do sério. Prefiro ficar longe. Só quando não posso evitar que encontro ele.

Antes mesmo de me ver, escutei a Teci relinchar. Ela sempre sabia quando eu estava chegando, o mais incrível era que só fazia isso comigo.

A história da Teci é meio triste. Encontrei ela ainda um potro, presa em uma armadilha de caçador. Aquilo me irritou tanto! E foi muito difícil tirá-la daquilo, estava muito assustada e tentou me morder várias vezes. Por fim, consegui soltar. Ela tentou fugir, mas não conseguiu, então, com muita calma, me aproximei e mostrei que não ia fazer nada de mau. Teci custou a confiar em mim. Não pense que a trouxe para casa no mesmo dia. Tive que ficar levando comida e remédio para ela por um tempo. Ela não levantava de jeito nenhum. A pata estava machucada e ela não confiava em mim para vir comigo. Aos poucos, fui me aproximando e cuidei de sua pata. Quando ela ficou curada, achei que poderia correr por aí e procurar sua mãe, mas ela me seguiu até em casa e desde aquele dia, não desgrudou mais de mim.

Quando ela me viu relinchou mais forte e sacudiu a cabeça.

— Tudo bem, garota. Já estou aqui — falei esfregando seu focinho.

Entrei no estábulo e fiz carinho no pescoço dela. Teci cheirou meu cabelo, me fazendo rir. Arrumei a sela. Teci não gosta muito disso, mas eu só cavalgo nela sem nada quando estou com raiva e preciso sair de perto do meu pai às pressas, aí vai no pelo mesmo.

Caminhei para fora do estábulo e a Teci veio atrás de mim. Não preciso puxá-la. Assim que solto, ela me segue aonde vou. As terras do meu pai são bem grandes, nisso tenho que elogiar. Porque quando ele me irrita, eu pego a Teci e sumo por entre as árvores e ele não consegue me achar.

Montei nela e corri pelo gramado. Era nesse único e exclusivo momento que me sentia livre. Podia ir aonde quisesse e na melhor companhia de todas. Não tinha meu pai, não tinha noivo, não tinha problemas. Só o vento batendo em meu rosto e bagunçando meu cabelo.

Era a melhor sensação do mundo.

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