Acordei com o sol em meu rosto e me levantei da cama lentamente. Dormir mal é a pior coisa que existe. Eu fico de muito mau humor. Tomei um banho rápido, coloquei o uniforme da escola e fui tomar café da manhã. Assim que cheguei na cozinha, sorri ao ver Maria arrumando a mesa para mim. Ela é a cozinheira e arrumadeira mais legal da face da Terra!
— Bom dia, menina!
— Bom dia! Isso está cheiroso.
— Coma tudo! Você está muito magrinha.
— Você e sua mania de querer me engordar. — Mordi um pedaço de bolo e suspirei. Não existe ninguém nesse mundo que cozinhe como essa mulher!
— Está pele e osso, menina! Tem que comer.
— Estou comendo — falei de boca cheia e ela riu.
Depois de comer até quase explodir, fui para a escola. Uma pequena van vinha me buscar. Moro em um lugar distante e se for a pé, preciso de pelo menos um dia de caminhada. Sim, eu moro no fim do mundo. E não me importo com isso. Gosto de cuidar dos animais da fazenda. Eles pelo menos me entendem.
Me sentei no fundo da van e suspirei. Eu era sempre a primeira a entrar. Depois a van ficava cheia, conforme Arthur pegava as outras pessoas. Minha amiga Michelly era sempre a segunda. Ela é a única amiga que eu tenho nesse lugar. Que foi? Eu sou “roceira”, as pessoas não gostam muito de mim por aqui. E eu não ligo, pois gente chata tem que ficar longe mesmo. Por isso eu sempre digo: prefiro falar com vacas a falar com esses humanos que estudam comigo.
— E aí? Como estão as coisas com esse seu casamento maluco?
— Nem me fale sobre isso! O cara é do jeito que imaginei.
Ela caiu na gargalhada quando falei isso. Sabia muito bem minha imaginação do futuro noivo. E isso não tem graça nenhuma! Resmunguei um palavrão e ela riu mais alto, fazendo as pessoas da van olharem para a gente.
— Se fosse um cara lindo? Você ia reclamar?
— Claro que ia! Eu não sou obrigada a casar!
— Na verdade, é.
Fiquei em silêncio olhando para fora do vidro. Não queria discutir com ela. Essa história de casamento já me tira do sério por existir. Não quero brigar com minha única amiga por causa dessa coisa inútil que meu pai inventou. Sabe-se lá pra que!
Chegamos à escola. Estava no terceiro ano do ensino médio e em uma semana entraria de férias. Eu não era uma aluna ruim, mas minhas notas também não eram as melhores. Estava na média. A primeira aula era de matemática. Eu disse que as pessoas não gostam muito de mim, certo? Elas não gostam no dia a dia, pois na aula de matemática é “Daniela, me ajuda com essa?”, “Daniela, você entendeu?”, “Pode me explicar, Daniela?”. Por isso gosto de animais! Eles não são interesseiros! Sim, sou a melhor da turma em matemática. Muitos dizem que essa matéria é difícil e chata, mas eu não acho. Gosto de números. Pessoas são mais complicadas, números são melhores de decifrar.
— Pronta para aula de educação física?
— Não me lembre dessa droga!
O que tenho de boa em matemática, tenho de péssima em educação física. Geralmente sou massacrada nos jogos e todos odeiam me ter no time. Sempre sou a última a ser escolhida. Mas eu tenho certeza de que se me colocarem em cima de um cavalo, não vai ter para ninguém. É a minha paixão!
Tenho uma égua chamada Teci. Todos cobiçam ela. E sei porque: ela é toda branca e linda. É a melhor égua que temos na fazenda. Uma vez meu pai tentou vendê-la, claro que fiz um escândalo, mas como todas as vezes que meu pai me ignora, ele não me ouviu e um homem a levou. Fiquei três dias sem comer por causa disso, mas felizmente a Teci também é apaixonada por mim e o homem a devolveu, dizendo que ela era selvagem.
Foi o dia mais feliz da minha vida quando ela voltou e nós saímos cavalgando na frente do homem para mostrar que os animais não são produtos de vendas, eles também têm sentimentos! Meu pai não gostou nadinha disso, mas eu não dei ideia para ele. Estava feliz demais para deixar que estragasse tudo.
***
Meu dia foi intenso, vendo que tivemos que jogar vôlei e eu nunca consigo jogar a bola. Sempre pulo cedo demais ou tarde demais para bloquear e o outro time faz ponto. E no saque é melhor nem comentar... Se quiser, pode perguntar à garota que acertei a testa, ela vai dizer como sou boa nisso.
Agora estava na van voltando para casa. Esse é o melhor momento do dia. Depois da escola, eu fico o tempo todo no estábulo. Minha melhor companhia é a Teci. Não sei o que vou fazer quando esse meu noivo vier me buscar. Não quero deixá-la. Ela é muito apegada a mim e pode sofrer se não me ver mais. O que posso fazer?
Assim que desci da van, corri para dentro de casa e troquei de roupa. Segui para o estábulo sem falar com ninguém. Não gosto de encontrar meu pai. Ele começa a falar da minha vida como se fosse uma propriedade dele e fala de um jeito autoritário que me tira do sério. Prefiro ficar longe. Só quando não posso evitar que encontro ele.
Antes mesmo de me ver, escutei a Teci relinchar. Ela sempre sabia quando eu estava chegando, o mais incrível era que só fazia isso comigo.
A história da Teci é meio triste. Encontrei ela ainda um potro, presa em uma armadilha de caçador. Aquilo me irritou tanto! E foi muito difícil tirá-la daquilo, estava muito assustada e tentou me morder várias vezes. Por fim, consegui soltar. Ela tentou fugir, mas não conseguiu, então, com muita calma, me aproximei e mostrei que não ia fazer nada de mau. Teci custou a confiar em mim. Não pense que a trouxe para casa no mesmo dia. Tive que ficar levando comida e remédio para ela por um tempo. Ela não levantava de jeito nenhum. A pata estava machucada e ela não confiava em mim para vir comigo. Aos poucos, fui me aproximando e cuidei de sua pata. Quando ela ficou curada, achei que poderia correr por aí e procurar sua mãe, mas ela me seguiu até em casa e desde aquele dia, não desgrudou mais de mim.
Quando ela me viu relinchou mais forte e sacudiu a cabeça.
— Tudo bem, garota. Já estou aqui — falei esfregando seu focinho.
Entrei no estábulo e fiz carinho no pescoço dela. Teci cheirou meu cabelo, me fazendo rir. Arrumei a sela. Teci não gosta muito disso, mas eu só cavalgo nela sem nada quando estou com raiva e preciso sair de perto do meu pai às pressas, aí vai no pelo mesmo.
Caminhei para fora do estábulo e a Teci veio atrás de mim. Não preciso puxá-la. Assim que solto, ela me segue aonde vou. As terras do meu pai são bem grandes, nisso tenho que elogiar. Porque quando ele me irrita, eu pego a Teci e sumo por entre as árvores e ele não consegue me achar.
Montei nela e corri pelo gramado. Era nesse único e exclusivo momento que me sentia livre. Podia ir aonde quisesse e na melhor companhia de todas. Não tinha meu pai, não tinha noivo, não tinha problemas. Só o vento batendo em meu rosto e bagunçando meu cabelo.
Era a melhor sensação do mundo.
A semana passou rápido demais para o meu gosto. Era o maldito dia que o baixinho voltaria aqui e ainda não tenho certeza para que. Isso ao mesmo tempo que me irrita, me deixa muito nervosa e ansiosa. Meu pai não fala nada! Absolutamente nada! Nem para me dizer o que ele vem fazer, se já está certo ou não essa merda que ele inventou. Que droga!— Ele chegou — disse Maria.Estava sentada no chão do estábulo. Não queria aparecer em casa, mas claro que eu não tinha opção.— Eu tenho que ir agora?— Seu pai disse para te chamar, querida.— Diga que já vou.Maria saiu dali e eu encostei na parede e suspirei profundamente. Queria tanto que minha vida fosse minha! Mas o que posso fazer contra isso? Se não dependesse dos meus pais, poderia sumir daqui.Talvez seja uma boa ideia ir com esse cara. Ele mora na cidade grande e lá posso arrumar um trabalho, sei lá! Qualquer coisa que me dê liberdade e total controle da minha própria vida.Me levantei sem vontade e passei a mão na calça, limpando a s
Demoramos um pouco para chegar no aeroporto. Como eu disse, moro no fim do mundo e tudo é distante. Ainda bem que me despedi de Michelly no dia anterior. Sei que não vou ver ela durante um tempo. Ou talvez nunca mais. Porém, a gente combinou de se falar pela internet.— Chegamos.Olhei para fora da janela do carro. Não era um lugar muito grande e principalmente não tinha cara de aeroporto. Só parecia ser uma pista de pouso. Saí do carro e segui Alessandro, o guarda-costas dele ficou encarregado de pegar as malas. Quando vi no que íamos voar, fiquei paralisada no mesmo lugar.Era um jato particular! Meu Deus!— Já voou alguma vez?— Não.— Vai gostar — disse sorrindo.— Vamos para onde?— Passar uns dias na Itália e depois voltamos.— Você não mora lá?— Não. Tenho muitas propriedades. Vamos para lá encontrar meu filho e voltamos em alguns dias.— Filho? — perguntei engasgada.Era só o que me faltava! Eu não sei lidar com criança! Elas estão sempre pentelhando e deixando as pessoas louc
No dia seguinte, acordei com alguém batendo na porta. Abri e era uma mulher. Era baixinha como Alessandro, porém pele morena e cabelos cacheados. Tinha um sorriso amigável no rosto.— Bom dia, senhorita! Meu nome é Maria e eu sou a cozinheira.— Prazer, Maria.— Vamos descer para tomar café da manhã? Os patrões já estão sentados à mesa.— Desço em dois minutos.— Tudo bem.Ela saiu dali e eu troquei de roupa. Segui até a sala de jantar e quando cheguei, os dois estavam sentados e a mesa estava lotada de comida. O que eu achei um exagero já que pelo visto só nós três que vamos comer.— Bom dia, menina! Sente-se.— Bom dia.— Gui... — Alessandro o olhou sugestivo. Ele revirou os olhos.— Bom dia.— E eu que sou a sem educação — resmunguei alto o suficiente para ele ouvir. Guilherme me encarou com o rosto sério. É impressão minha ou ele está mais bonito hoje?— Dormiu bem? — Alessandro perguntou.— Sim. Obrigada. Eu queria saber uma coisa...— O que?— Como vai buscar a Teci?— O que é Te
Cometa cheirou meu cabelo me fazendo rir. Isso sempre faz cócegas.— Você está muito nervoso. Sabia que os cavalos sentem isso?— Sim, mas ele...— Ele gostou de mim. Pode morrer de ciúmes agora!Guilherme riu quando falei isso e eu sorri.— É a primeira.— Segunda, ele já gosta de você. Não dá para entender isso, mas tudo bem.— Você é implicante mesmo hein!?— Ainda não viu nada — falei sorrindo e ele sorriu. Sorrindo é mais bonito ainda... Para com isso, Daniela! Que droga! Foco no cavalo!— Vou te mostrar o resto.— Tudo bem.Segui Guilherme e ele mostrou os outros cavalos e o lugar onde eles passeiam e pastam. Paramos e ficamos observando o enorme lugar. Subi na cerca e me sentei para observar melhor. Senti que ele me encarava e olhei para o lado. Tinha uma sobrancelha levantada.— O que? Que droga! Por que fica me encarando tanto?— Não é nada demais. — Deu de ombros.— E o que é então?— Você parece bem mais à vontade aqui fora.— E estou mesmo — falei olhando o horizonte.Guilh
Acordei com alguém batendo na porta. Levantei e abri, em seguida, arregalei os olhos ao ver Guilherme ali. Ele sorriu debochado me olhando.Merda! Devo estar igual a uma bruxa!— Resolvi deixar você montá-lo.— Jura? — Sorri largamente e o sorriso dele aumentou.— Sim, mas eu vou ficar do lado.Revirei os olhos.— Quer colocar rodinhas também? — perguntei cínica e ele soltou uma risada.— Você é terrível, garota!Desviei o olhar.— Posso trocar de roupa ou quer que eu vá descabelada mesmo? — Se você quiser espantá-lo, pode ir assim mesmo.O encarei com fúria.— Vou tomar café da manhã. Te espero lá embaixo.— Tá. — Fechei a porta na cara dele e respirei fundo. Consegui ouvir sua risada e logo ficou silêncio do lado de fora.Troquei de roupa e prendi meu cabelo em um rabo de cavalo. Ele estava mesmo rebelde hoje. Assim que cheguei à sala de jantar, vi que só Guilherme estava sentado.— Cadê seu pai?— Teve que sair cedo hoje.— Hum...Me sentei na cadeira em frente a dele e peguei o qu
— Só?— Achou que eu era mais velho?— Na verdade, sim.— E você, tem quinze?— Eu não pareço ter quinze anos! — Fiz careta.— Às vezes, parece.— E você parece ter noventa! — falei irritada.— Por que? — Franziu a testa.— Porque tem momentos que parece um velho resmungão!Guilherme caiu na gargalhada e eu resmunguei contrariada.— Vai querer ir comigo ou não?— Sim.— Então, vamos.Seguimos de volta para a mansão e cada um foi para o seu quarto. E agora eis o dilema: Com que roupa eu vou? Ele disse que é uma lanchonete. Ah! Pode ser qualquer coisa. Fui até a minha mala e procurei algo. Que foi? Eu não vou desfazer a mala se vamos embora daqui uns dias. Encontrei um vestido simples e fiquei encarando-o. Que dúvida... Parei de pensar em roupa e segui até o banheiro. Tomei um banho demorado. Amo água!Então depois do banho coloquei aquele vestido mesmo. Era de cor azul e bem simples. Tinha alça fina e era acima do joelho. Tenho que lembrar de não sentar igual moleque...Penteei meu cabe
Assim que a música começou, as pessoas gritaram incentivando. Que merda! A música era da Taylor Swift, Blank space.Eu comecei a música e ele fez tipo uma segunda voz. Meu pai me obrigou a estudar inglês e sei do que se trata o que estou falando. As pessoas gritavam empolgadas. O amigo de Guilherme parou até de cantar e ficou me olhando com um sorrindo. Continuei sozinha e cantando naturalmente, como se fosse a coisa mais fácil do mundo.Sim, eu canto bem. Michelly disse que eu deveria ser vocalista de uma banda, mas eu não ligo para isso.Olhei para a mesa de Guilherme agora e ele tinha a boca aberta me olhando. Dei uma risada e acompanhei a letra passando na tevê. Todos estavam em pé e agitados agora. A música acabou e todos aplaudiram. Ao mesmo tempo que ria da cara do Guilherme e do amigo dele, eu estava com vergonha. Tinha muita gente ali...— Você sabia que ia arrasar, por isso aceitou! — Me acusou. — Uau, é a primeira vez que alguém arrasa aqui.— Não exagera! — falei descendo d
Maria veio de novo me acordar e chamar para o café da manhã. Desci para comer e os dois estavam sentados à mesa. Sempre sou a última a chegar...— Bom dia, menina! — Alessandro disse alegre.— Bom dia.— Bom dia, Daniela.Olhei para o Guilherme e engoli uma ofensa. Sorri falsamente.— Bom dia.— O que vão fazer hoje? É o último dia aqui. Vamos voltar à noite.— Vamos voltar antes? — disse Guilherme.— Sim.— Teci já está na sua casa?Alessandro sorriu.— Sim. Ela é meio bravinha, não é?— É sim. — Dei uma risada.— Dizem que os animais se parecem com os donos... — Guilherme murmurou e bebeu seu café.— Por isso você disse que o Cometa é antissocial, não é? — perguntei, cínica.— Ele não é antissocial. É indomesticado.— Dá no mesmo. Ele não respeita as pessoas — falei amarga e ele me encarou sério. Deve ter entendido o duplo sentido no que eu disse.— Vocês não vão parar com isso nunca? — Alessandro perguntou com uma sobrancelha levantada. — Por Deus! Vamos começar a se entender melhor