A família de Cerberus

Cerberus resolveu ir mais longe, sairia da floresta para a cidade, buscaria refúgio entre os homens, homens esses que ele odiava, pois só lembrava da maldade causada por eles.

Ele pensou se alguém o reconheceria, se reencontraria alguém de seu sangue, sua mãe, pai ou talvez quem ele mais amava, seu irmão. O irmão mais velho, era seu exemplo, Cerberus desejava ser como Hades quando crescesse, não esperava ser afastado dele por tanto tempo.

Cerberus chegou a parte mais movimentada da cidade, era na verdade um pequeno vilarejo, onde as pessoas passeavam pelo centro da cidade.

Parecia improvável alguém o socorrer, mas ele precisava de ajuda e aprendeu a acreditar no improvável... Pois também era improvável que conseguisse fugir, mas ali estava ele.

Cerberus perambulou pela cidade até o anoitecer, com o cair da noite, ele estava com fome e frio, precisava se alimentar, e de um lugar para deixar a égua que lhe ajudou na fuga.

Ele passava na frente de um restaurante muito elegante, as pessoas comiam e bebiam, riam animadas enquanto o estômago de Cerberus dava voltas e mais voltas de fome.

Um cliente se incomodou com o homem, alto, forte, com os cabelos e barba por fazer, roupas sujas e desalinhadas ali os olhando, ele pediu a um garçom que o espantasse dali.

O garçom se dirigiu a Cerberus com medo, pois o homem era grande e poderia ser perigoso.

— Senhor, não pode ficar aí, os clientes estão reclamando. — Disse o garçom.

— Comida... — A voz rouca e grave de Cerberus disse.

Ele nem mesmo se lembrava da última vez que falou, sabia que gritara, que emitia sons de dor, rosnava para os que queriam machucá-lo, mas falar, isso realmente fazia muito tempo. Até mesmo com Helena, ele falava pouco, dava respostas curtas, como se não soubesse mais usar as cordas vocais.

— Não tem comida aqui para você, saia! — O garçom gritou.

Ele estalou os dedos e um segurança apareceu, eles tentavam tirar Cerberus dali, mas ele não se mexia, na verdade, a insistência estava o deixando mais nervoso.

— Comida! Comida! — Ele repetia sem parar. A cada palavra, sua voz ficava mais alta e imponente, chamando ainda mais atenção.

De repente, uma senhora elegante foi de encontro a ele, estava no restaurante e direcionou seu olhar para porta, movida pelo pequeno alvoroço que a presença de Cerberus causara ali.

Ela o abraçou e ele parou no lugar, aquele homem grande e rústico, ficou imóvel por alguns minutos enquanto a senhora o abraçava.

— Filho, meu filho! — Ela disse para o espanto de todos.

Um senhor de igual elegância saiu do restaurante, ele olhou a fisionomia de Cerberus e colocou a mão na boca incrédulo.

— Senhora, tem certeza? — O garçom perguntou, aquilo parecia uma cena de novela, nunca em toda sua vida ele havia visto algo assim acontecer.

— A cicatriz em seu rosto, você ganhou quando tinha 10 anos, caiu no jardim, no meio das roseiras e os espinhos lhe causaram esse ferimento.

As roseiras... Cerberus gostava de rosas, de flores e não sabia o porquê, sempre esticava os olhos pela janela pequena do lugar escuro que ficava preso e sorria quando conseguia ver alguma flor.

— Mamãe, o que está...? — O irmão de Cerberus paralisou, ele ficou pálido como uma folha de papel. — Cerberus, é você mesmo? — A voz de Hades era um fio,ele não se moveu, mas recebeu um abraço caloroso de Cerberus.

— Irmão, irmão... — Cerberus disse abraçado a Hades, que ainda não acreditava em seus olhos.

— Meu filho, vamos para casa, vou cuidar de você! — A mãe disse secando as lágrimas, Cerberus a acompanhou, não que se lembrasse dela, mas se lembrava do irmão, e se ele ia junto, era algo bom. Pelo menos era o que ele pensava.

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Cerberus recebeu todo cuidado e amor que não teve a vida toda, a mãe fez questão de mimá-lo, comprar tudo que ele precisava, de trazer médicos até em casa, tudo para garantir que ele tivesse sua vida se volta, ou que pelo menos tivesse uma vida.

Ele agora tinha roupas, mesmo não gostando de usar, teve seu cabelo aparado, mas conseguiu deixá-lo grande a barba estava bem feita, bastava agora aprender como fazer isso todos os dias.

Por fim, faltava o psicológico, Cerberus era um homem de 23 anos, que não falava quase nada, comia como um animal e preferia o chão, a cama quente e confortável.

— O senhor o viu, não viu? Ele vive no jardim, vive olhando as flores, viu também que ele não socializa, quase não fala. Tenho medo que ele saia e se perca novamente, acabei de reencontrar meu filho, não posso perdê-lo outra vez. — A mãe dizia aflita.

— Senhora Hera, seu filho tem traumas, ele passou por sessões de tortura física e psicológica, precisa de tempo e de um tratamento adequado. Entendi o cargo e aceito, mas trabalharei com ele do meu jeito.

Apollo era um psicólogo e um homem treinado, ele tinha sangue nas mãos, sangue inocente, uma culpa que ele não tinha como apagar e sangue de muitos culpados, e desses ele até mesmo achava graça se lembrar o que fez.

Ele tinha um perfil atraente, forte e muito bonito, era um homem de 40 anos aproximadamente, viril e sedutor, mas acima de tudo era competente, seu perfil e experiência servia para ser um segurança, mas sua formação era como psicólogo.

Apollo agora era o terapeuta de Cerberus, mas ele mesmo não sabia disso, assim como a família. Claro, apenas sua mãe sabia, para os outros ele era o segurança, sua função era seguir Cerberus e evitar que ele se metesse em confusão.

Nos primeiros dias, Cerberus estranhou, rosnava para ele e até ameaçava avançar, depois passou a procurar pela companhia de Apollo.

A confiança veio quando Cerberus viu Apollo dar uma cenoura a égua agora colocada nos fundos da propriedade, ela comia da mão de Apollo tranquila, enquanto ele escovava sua crina. Cerberus pensou que se a égua confiava em Apollo, ele também poderia confiar.

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Era uma sexta-feira ensolarada. Cerberus estava inquieto, andava pela casa só de bermuda, isso irritava o pai, Teseu dizia que aquele não era o filho que partiu, que era um animal, uma carcaça humana com alma de animal.

— Cerberus, coloque uma roupa, você não mora sozinho. — O pai dizia sem muito êxito, pois Cerberus rosnava para ele e não obedecia.

— Cerberus, meu irmão... Coloque ao menos uma camisa. — Hades disse e Cerberus prontamente atendeu. Ele foi ao quarto designado como dele e saiu vestido.

Apollo observava tudo intrigado, o amor, o carinho de Cerberus pelo irmão era tanto que o fazia obedecer, mas Apollo sentia que Hades não tinha a mesma consideração por Cerberus.

— Bom dia. — A mãe cumprimentou a todos, ela beijou o rosto de Cerberus que sorriu, sim... Para a mãe, Cerberus chegava a sorrir.

— Mamãe, quero sair. — Cerberus sentia-se prisioneiro, pois estava ali fazia uma semana e não pôde fazer nada, ir a lugar nenhum.

Sua voz fez todos pararem o que estavam fazendo. Hades estava lendo o jornal, ele abaixou o papel e olhou para o pai, parecia uma conversa silenciosa. Mas que não passou despercebida por Apollo.

— Meu menino, e se você se perder novamente? A mamãe morreria sem você. — Hera disse carinhosa, era ela que proibia Cerberus de sair, julgava que ele não sabia mais como viver em sociedade, então o manteria preso em casa, para que estivesse sempre seguro.

— Mãe, o deixe ir... Será bom para ele e Apollo pode cuidar dele, certo? — O irmão disse e encarou Apollo que estava parado em pé no canto da sala.

O segurança concordou com a cabeça. E Hades sorriu, por mais que Apollo fosse um homem forte, ele ainda estava pegando a confiança de Cerberus, se o irmão quisesse fugir, Apollo dificilmente conseguiria o trazer de volta, pelo menos, era isso que Hades pensava.

— Está bem. — A mãe aceitou vencida. — Mas não saia de perto do Apollo, não fuja e não se meta em confusão.

Cerberus abraçou a mãe e a girou no ar. A mulher até se assustou, pois a aproximação rápida dele, parecia que iria avançar, mas não, era o jeito dele demonstrar carinho, mesmo bruto, mesmo com um jeito quase animal, Cerberus sabia ser bom.

Apollo caminhou ao lado dele, que parou ao lado do carro.

— Quer ir longe é isso? — Apollo perguntou.

Apollo nos primeiros dias apenas observou Cerberus, como ele se alimentava, que tinha dificuldade em se vestir, a interação com o restante da família, e o cuidado com o cavalo.

Cerberus ao entrar no carro indo para casa dos pais, falava no cavalo, a mãe prontamente mandou buscar o animal e mandou construir um pequeno estábulo para que ele estivesse sempre por perto.

Apollo entrou no banco do motorista e saiu com Cerberus, primeiro o levou para o centro da pequena cidade, mas aquilo parecia não o agradar, pois Cerberus rosnava para qualquer um que olhasse para o carro.

— Cerberus, vejo que não queria apenas sair, você quer ir a um lugar, específico, terá que dizer, terá que encontrar uma forma de dizer. Pense que sou teu amigo, que vou te acompanhar, te proteger e se desejar, não vou contar a sua mãe onde fomos.

Cerberus pensou que tudo era suspeito, mas Apollo parecia gentil. Se lembrou que a égua confiou ele, era hora de confiar também.

— Quero chegar até a entrada da cidade. — Cerberus disse com a voz grossa, e aquilo era bom, em breve ele poderia falar do que sente ou sentiu durante sua infância.

Apollo dirigiu até quase sair da cidade, quando estava perto dos limites da rua principal, Cerberus abruptamente abriu a porta do carro e desceu. Apollo não teve outra alternativa a não ser segui-lo.

Cerberus entrou na pequena floresta do acostamento. E Apollo foi atrás dele, pensou que talvez Cerberus tivesse crescido em meio a natureza e por isso estava ali, sentia falta de estar ao ar livre, do verde, dos cheiros, de uma vida mais campestre.

— Onde estamos indo? — Apolo perguntou.

— Helena... — Foi a resposta de Cerberus.

Não fazia sentido, não para Apollo, mas o que ele poderia fazer, além de acompanhá-lo. De repente Cerberus parou, se abaixou entre as árvores e esperou. Apollo fez o mesmo, se abaixou com Cerberus que olhava a clareira com uma pedra grande.

Os minutos se tornaram horas de espera, mas finalmente algo aconteceu.

Uma moça de cabelos claros chegou, montada em um cavalo, ela olhou para os lados e desceu do animal.

— Helena... — Cerberus disse em um sussurro.

Helena amarrou o cavalo em uma árvore, ela tirou da bolsa um sanduíche e uma maçã, sentou na pedra e aguardou, estava aguardando Cerberus aparecer.

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