Mundo de ficçãoIniciar sessãoRefúgio na Escuridão
Stella Ferreira Minha cabeça latejava com o eco da Marcha Nupcial, dos risos de Bianca e, acima de tudo, da voz fria do meu pai exigindo que eu priorizasse a "imagem". A humilhação me sugava a vida, e eu estava tão esgotada que me permiti ser conduzida. Deixei que Dante Moretti me arrastasse para fora daquele inferno dourado. Eu estava nas mãos do homem que todos pintavam como o próprio Diabo. Bianca tremia só de pronunciar o nome dele. Ela dizia que se casar com Dante seria a sua ruína, a sua morte social e corporativa. Todos na alta sociedade falavam dele em sussurros. Um empresário sem coração. Um estrategista implacável. Alguém que os CEOs temiam encontrar em reuniões, eventos e até mesmo no mesmo restaurante. E, no entanto, em poucas horas, esse mesmo homem me priorizou. Ele me defendeu dos meus próprios pais, usou sua autoridade temida para me proteger do espetáculo, e me olhou com uma seriedade que me deu mais valor do que toda a minha família junta. O olhar de gratidão que eu lhe dei no salão foi a minha rendição. Ele havia me oferecido uma âncora em meio ao naufrágio. A mão dele ainda estava na minha, guiando-me pela saída dos fundos, onde o caos da festa dava lugar a um silêncio tenso. E então, vi a sua realidade. Fomos escoltados para uma SUV preta blindada, vasta e escura como uma caverna de luxo. Não havia apenas um motorista; havia um time de seguranças em ternos discretos, posicionados ao redor do veículo como sentinelas. O poder não era exibido em gritos ou ouro; era sentido na discrição, na eficiência e na escala da proteção. Ao entrar no conforto sombrio do carro, afundando no estofado de couro, a exaustão finalmente me atingiu. Fechei os olhos, e o silêncio era tão pesado quanto ouro. Eu podia ouvir a respiração controlada de Dante ao meu lado. — Onde... onde estamos indo? — perguntei, minha voz fraca. — Para a minha residência. — A voz dele era baixa, profunda, sem margem para debate. — Você não vai voltar para a casa dos seus pais hoje à noite. Eu arregalei os olhos, a lembrança de que ele era o noivo da minha irmã — o noivo do contrato de Bianca — me atingindo. Eu ainda não conseguia entender suas intenções. Ele não se casaria comigo. Ele estava apenas... limpando a bagunça? — Mas, Dante, o seu casamento era... era com a Bianca. Por que está me levando para sua casa? Sei que agiu daquele forma por causa do escândalo, mas... - Dante levanta a mão, eu ainda tinha esperanças dele estar fazendo tudo isso por causa do seu sobrenome estar entrelaçado ao da minha família. Ele não me olhou. Apenas estendeu a mão e pegou uma manta de cashmere do compartimento central, envolvendo-a cuidadosamente ao meu redor. O gesto era surpreendentemente gentil, quase paternal. — A noiva foi trocada, Stella. — Ele respondeu, a voz voltando ao seu tom frio de CEO. — Seus pais acabaram de me entregar o único bem que têm valor neste jogo. E eu já declarei: você é minha futura esposa. Você não voltará para um ambiente onde é humilhada. Por enquanto, você está sob a minha custódia. Eu estava na mão do Diabo, e o conforto da sua SUV era apenas a cela de luxo onde ele me guardava. Não havia escapatória, nem volta. A troca de noivas foi apenas o primeiro lance dele, e eu já estava totalmente jogada no seu tabuleiro. A viagem pela escuridão de São Paulo foi breve, mas a chegada... a chegada foi a minha verdadeira iniciação no mundo de Dante Moretti. Entramos no condomínio de luxo mais exclusivo da cidade. Meu pai era rico, vivíamos bem, mas nossa casa era uma mansão de família. A residência de Dante era um complexo. O portão de ferro forjado parecia se curvar em respeito, abrindo-se para revelar uma propriedade que não era apenas grande: era colossal, envolta em jardins meticulosamente esculpidos e luzes indiretas. Era uma fortaleza, uma declaração de poder que zombava da nossa modesta opulência. Ali, eu tive a fria certeza de que não estava preparada para a magnitude do que eu acabara de entrar. Ele parou a SUV em frente a uma entrada de mármore que mais parecia o lobby de um hotel seis estrelas. Dante abriu a porta para mim, mas eu estava tão fraca, tão paralisada pela escala de seu domínio, que não consegui sair sozinha. Sem pedir permissão, ele simplesmente me ergueu. Fui carregada em seus braços fortes, o cheiro limpo e caro de seu perfume invadindo minhas narinas. O toque era inesperado, quase íntimo, mas seus olhos permaneciam em algum ponto acima da minha cabeça, focados no destino. A sala principal era de tirar o fôlego: um pé-direito duplo, obras de arte que pareciam valer mais do que nosso patrimônio familiar, e uma vista panorâmica que engolia a cidade. Era linda, fria e absolutamente impessoal. A jaula de ouro. — Sarah. — A voz de Dante ecoou na vastidão. — Prepare um chá e algo leve. A Sra. Ferreira precisa descansar. Uma mulher de meia-idade, com a postura impecável de quem gerencia um império doméstico, apareceu. A governanta. Seus olhos me esquadrinharam com a eficiência de um sistema de segurança, mas ela apenas assentiu. — Sim, Sr. Moretti. Dante me depositou suavemente em um sofá de couro macio e recuou, quebrando o contato físico. Ele me observou por um momento, e viu o que meus pais haviam ignorado: o buraco negro de autopiedade e choque em que eu estava prestes a cair. Ele não me ofereceu palavras doces. Não me deu um ombro para chorar. Ele foi direto, reto, sem hesitação. — Pare. — O comando era inegociável. — Chega de lágrimas e autopiedade. Meu queixo tremeu, pronto para protestar. Ele me cortou. — Você tem um trabalho a fazer, Stella. Olhe para a sua barriga. — Ele apontou para mim, com um gesto frio. — Não estou falando de mim, de Gabriel ou de sua irmã. Estou falando de você e da vida que está carregando. O choque me silenciou. Ele sabia. Ele sabia da minha gravidez. Mas como? — Você precisa se acalmar. Precisa ser forte, não por você, mas pela criança. Aquele bebê... — Ele respirou fundo, e o brilho gélido em seus olhos se intensificou. — Esse bebê não tem nada a ver com os seus problemas, com a covardia de Gabriel ou com o circo que seus pais armaram. Ele se inclinou, a intensidade de seu olhar perfurando minha alma. — A partir de agora, este bebê é nosso. Você vai parar de se humilhar pelo pai de merda, e vai se alimentar e descansar para o nosso filho. Eu cuido do resto. Entendido? A palavra "nosso" me atingiu como um trovão. Não era uma declaração de amor, mas de posse. Ele estava reivindicando meu filho para garantir o pacto. Naquele momento, eu soube: o preço do resgate era total, e o diabo havia acabado de dar a primeira ordem. A palavra "nosso" ainda ecoava na sala, sufocando-me mais do que a falta de ar no corredor da igreja. Eu estava exausta, humilhada, mas a menção de Dante ao bebê e a convicção com que ele o chamou de "nosso" despertaram a última fagulha de energia em mim. — Como você sabe? — perguntei, a voz embargada, mal reconhecendo o som. — Como descobriu que eu estou grávida? Meu pai nem sequer se deu ao trabalho de me ouvir, de confirmar... - O pânico estava presente agora. Dante me olhou. Sua expressão não se suavizou, mas havia uma intensidade penetrante, quase condescendente. — Seus pais estavam muito ocupados com a narrativa do escândalo e a imagem pública, Stella. — Ele respondeu, a crítica era dirigida a eles, não a mim. — Eles são mestres em ignorar o que não lhes convém. Eu, por outro lado, sou um homem que precisa de todas as informações. Ele fez uma pausa calculada, e seus lábios se curvaram em um meio sorriso que era mais ameaçador do que acolhedor. — Eu sou Dante Moretti. Sei de muito mais coisas que você não faz ideia. Inclusive que a sua irmã usou o seu exame positivo como incentivo para adiantar o próprio jogo. Fiquei em choque. Ele sabia que Bianca tinha visto meu exame. Ele sabia que tudo havia sido um plano, uma encenação cruel. E ele sabia disso antes mesmo de me tirar daquele inferno. Ele não era apenas um resgatador; era um observador onisciente. Ele se levantou, indicando com um gesto para a governanta Sarah, que trazia uma xícara de chá. — Não é hora para questionamentos. Você precisa de sono e paz. Esqueça Gabriel, esqueça Bianca. Esqueça a cerimônia de hoje. O que aconteceu com você não a define. Ele caminhou até a janela, observando as luzes distantes da cidade, e sua voz se tornou mais suave, mas carregada de instruções. — Eu vou precisar de você, Stella. Preciso de sua força na empresa, de sua presença no nosso noivado e de sua dignidade no nosso casamento. Você tem que reunir todas as suas forças para ser grande. Não para ficar dando munição a Bianca. Deixe que pensem que venceram. Ele se virou, e seus olhos me prenderam novamente. — Sua irmã roubou um casamento de conto de fadas. Ela ainda não percebeu que eu sou o Grande Prêmio. Você fará com que ela se arrependa de ter te poupado de mim. Dante falava tudo e nada ao mesmo tempo. Ele falava de vingança, de negócios, de destino, de um bebê que era "nosso", e de uma grandeza que eu deveria cultivar. Ele me enchia de mistério, de promessas veladas e de comandos duros. E, incrivelmente, aquilo me consumia mais que a própria traição. Eu não entendia o homem ao meu lado, mas pela primeira vez em horas, senti que a minha dor não era a única coisa que me definia. — Agora, descanse. Sarah irá acompanhá-la. Amanhã, começamos o nosso jogo. Ele me deu um último olhar e saiu da sala, me deixando sozinha com a governanta, a manta quente e a certeza aterrorizante de que minha vida não havia acabado. Havia apenas começado, nas mãos do homem mais perigoso de São Paulo. (...) Eu acordei no quarto de hóspedes que era maior do que meu primeiro apartamento, mas não conseguia me concentrar no luxo. Minha mente era um campo de batalha, e o silêncio da mansão de Dante era perturbador. Não sei que horas eu vou dormir, mas tenho certeza que foi depois de tanto chorar. A governanta, Sarah, tem algumas peças de roupas, mantendo um silêncio respeitoso. O sol da manhã iluminava a vista espetacular de São Paulo. A dor da humilhação ainda estava ali, mas estava sob controle, abafada pela segurança desta fortaleza. Enquanto Sarah, a governanta, me servia o café da manhã, meus pensamentos voltaram para os últimos meses, tentando costurar os retalhos da traição. Como eu pude ser tão cega? O amor. Aquele sentimento por Gabriel, que eu cultivava desde a adolescência, que me parecia sólido como uma montanha, se desfez tão rápido quanto o casamento que planejei por dois anos. Naquele corredor da igreja, ele evaporou, deixando para trás um vazio horrível. Mas o sentimento não desapareceu. Ele se transformou em algo pior, mais denso. “Raiva”. Uma frustração intensa por ter sido feita de idiota. E uma “sede de vingança” que eu, Stella Ferreira, a filha ajuizada e perfeita, jamais pensei em sentir. Naquele café silencioso, comecei a rebobinar a fita. Os sinais sutis. Eles estavam lá, eu só não queria vê-los. Lembrei-me de quando Gabriel começou a ficar distante. As ligações rápidas, os cancelamentos de jantares de última hora. Ele dizia que estava estressado com a empresa, mas a verdade era que estava ocupado em minha própria casa, nos braços da minha irmã. E Bianca. Ah, Bianca. Nos últimos seis meses, ela tinha mudado repentinamente. Antes, era a irmã mimada e fria, sempre com inveja das minhas conquistas. De repente, ela se tornou mais próxima, dócil, e até queria "ajudar" nos preparativos do casamento. “— Mana, este vestido de noiva é lindo! Deixe-me ver como ele ficaria em mim, só por diversidade.” “— Stella, deixe-me provar aquele bolo com o Gabriel, para garantir que o sabor está perfeito. Você está muito ocupada!” Ela estava se infiltrando. Eu via a solicitude dela como um milagre tardio de irmandade. Na verdade, ela estava mapeando o meu futuro para ser roubado, usando a ajuda como desculpa para se aproximar de Gabriel. E eu, na minha ingenuidade ridícula, permiti. O quão podia ser tão inocente? Aquele conhecimento “o de ter sido enganado de forma tão metódica e cruel” alimentava a chama da minha nova fúria. Aquele sentimento transformado não era apenas raiva; era a determinação fria de fazê-los pagar pela minha humilhação. Fui tirada dos meus pensamentos pela batida discreta de Sarah. Eu sabia que o dia não começaria de verdade sem Dante Moretti. Não precisei esperar muito. Cerca de uma hora depois, uma batida discreta na porta anunciou Sarah, que me convidou para descer para o escritório dele. Teria que encarar meu futuro de uma vez por todas.






