O Olhar do Predador
Dante Moretti Eu não estava em meu elemento. Cerimônias e tapetes vermelhos eram o palco da futilidade humana, e eu os desprezava. No entanto, minha presença era exigida. O acordo de fusão que eu negociava envolvia, indiretamente, o futuro da família Ferreira, e minha união com a caçula, Bianca, deveria selar a confiança. Mas o que eu vi, ao atravessar o portal de mármore e encontrar o pandemônio na saleta do padre, foi muito melhor do que qualquer cláusula de contrato. Foi o caos total. E o caos, para um homem como eu, é sinônimo de oportunidade. O cerimonialista patético implorou por ajuda, dizendo que "houve uma crise com a noiva e um caso de família". Eu mal o ouvi. A minha atenção estava inteiramente focada na dinâmica da sala: o Sr. Ferreira em pânico, a Sra. Carvalho chocada, o noivo, Gabriel, parecendo um rato encurralado, e a causa de tudo, Bianca, com um sorriso de cobra venenosa. E então, meus olhos encontraram Stella. Ela era o contraste perfeito do drama. Não era histérica como a mãe, nem manipuladora como a irmã. Estava ali, vestida para ser a noiva, com uma dignidade quebrada, mas ainda assim, uma dignidade. Eu sempre a observei de longe. A Stella era a peça mais valiosa e, paradoxalmente, a mais negligenciada daquele império familiar. Eu sabia da existência da bomba. Eu a tinha em mãos há semanas, pronta para detonar o escândalo de traição de Gabriel e Bianca, para assim forçar o rompimento do casamento e criar as condições perfeitas para renegociar minha posição. Eu queria o controle dos Ferreira, e o caminho mais limpo era através do casamento. Mas o universo havia me presenteado com um atalho muito mais interessante. Quando ouvi a mãe Ferreira declarar, com a voz esganiçada, que Stella se casaria comigo, senti um tremor de satisfação crua. Ela, a mulher que eu observava secretamente em reuniões e jantares, a única que me despertava um interesse que ia além dos negócios, estava sendo atirada em meus braços. Eu não podia perder tempo. Tive que agir como o empresário frio que eu era. "A noiva, pelo que entendi, foi trocada. A qual das senhoritas eu devo me dirigir como minha futura esposa agora?" Minha declaração não foi uma pergunta; foi uma reivindicação. O protesto do idiota, Gabriel, foi a minha deixa perfeita. Se ele tivesse ficado em silêncio, talvez eu o tivesse tolerado. Mas ele me deu a oportunidade de marcá-lo. — E quem é você para protestar, Gabriel Carvalho? O homem que engravidou a irmã da sua noiva no meio dos arranjos do casamento? Fique quieto. Concentre-se no seu novo papel de pai e marido. E jamais, jamais, ouse se dirigir a Stella com a falsa intimidade de um covarde. Ela está noiva de outro homem agora. E eu não sou você. A ameaça era real. A sala tremeu. Eu queria que todos soubessem: Stella Ferreira não era mais dele. Ela era minha, um fato que eu havia desejado no silêncio dos meus pensamentos há mais tempo do que ela imaginava. O fato de ela estar grávida de Gabriel era um detalhe inconveniente, mas controlável. Sua dor era tangível, mas o seu corpo, a sua honra, agora me pertenciam, e eu os protegeria com a mesma eficiência que protegia meus segredos obscuros. Eu a observei na festa, aquela recepção que ela planejaram. Ela estava linda, ferida e perdida. O drama de novela mexicana era insuportável, mas minha presença era essencial. Eu a mantive sob meu braço, um lembrete silencioso para todos os abutres — especialmente para Gabriel e Bianca, que se casavam sob meu olhar vigilante — de que ela estava reservada. O sorriso forçado que ela me ofereceu, depois do meu aviso, foi um gesto de desafio desesperado. Bom. Eu preferia a Stella desafiadora à Stella quebrada. Ela ainda me via como o monstro, o preço que ela tinha que pagar. Ela não tinha ideia de que este era o meu jogo há muito tempo. Eu queria. E o caos desta manhã na igreja me entregou o que eu sempre desejei. Minha noiva e futura mulher. A noite arrastava-se na opulência roubada do salão de festas. Eu mantive Stella sob minha guarda. Não por obrigação social, mas porque a via oscilar. A palidez sob a maquiagem, os olhos fixos na pista de dança onde sua irmã e seu ex-noivo celebraram a traição. Ela estava à beira de um colapso, e eu não permitiria que o meu futuro peão desmoronasse em público. Eu a observei beber a taça de champanhe, os lábios tremendo. Era hora de agir. Aproximei-me, mantendo a voz baixa, o tom de comando inconfundível. — Chega, Stella. - Aquilo poderia fazer mal ao bebê. Ela piscou, me encarando com a visão turva da exaustão. — Eu não posso ir. Meu pai... — Sua voz era um sussurro rouco, o medo da repreensão familiar superando a dor da traição. — Seu pai não é minha preocupação. — Eu a puxei de leve pelo cotovelo. Meu toque não era íntimo, mas era firme, irrefutável. — Você vai desmaiar. Eu a tiro daqui. Seus olhos se arregalaram. Ela ainda me via como o homem frio do contrato, mas naquele momento, o frio era um alívio em meio ao fogo da humilhação. Ela ainda não sabia que havia trocado um verme por um predador. Eu queria viva e sob meu controle. — Venha comigo. Eu cuido de você. Era o convite mais perigoso que ela receberia na vida. O pacto final. O atestado de que ela estava entregando sua vida nas mãos do diabo. E ela, exausta e desesperada, estava pronta para assinar. No entanto, a saída não seria fácil. Como eu previra, o Sr. Ferreira interceptou-nos perto da porta, com a Sra. Ferreira logo atrás. — Aonde pensam que vão? — O Sr. Ferreira exigiu, a raiva do controle perdido superando sua diplomacia. — Stella, volte imediatamente! O que as pessoas vão dizer? Vão pensar que você está chocada ou fugindo! É a nossa imagem que está em jogo! O cinismo do meu futuro sogro era revoltante. Ele mal conseguia olhar para o rosto da filha, mas se preocupava com a foto nos jornais. A repulsa que senti me deu o impulso necessário para aniquilá-lo com palavras. Eu dei um passo à frente, cobrindo Stella com meu corpo. Minha voz desceu para um tom de gelo líquido, que fez meus sogros recuarem. — O que as pessoas vão dizer, Sr. Ferreira? Vão dizer que a filha mais velha foi traída e trocada no altar pela irmã. Vão dizer que a família Ferreira é um circo. O estrago na imagem já é irremediável. Eu não dei tempo para que ele processasse. — Parem de ser desumanos. — Minha voz ganhou uma inflexão de desprezo. — Vocês estão dispostos a manter sua filha em um espetáculo de tortura emocional, celebrando o casamento do ex-noivo com a irmã dela, para salvar uma imagem que já está manchada. Pelo menos, tenham a decência de se preocuparem com o colapso dela. Stella também é filha de vocês, mas parecem só se preocupar com Bianca. A bofetada nas palavras foi brutal. O Sr. Ferreira ficou sem ar. A Sra. Ferreira, chocada, abriu a boca sem conseguir articular uma defesa. Eles não esperavam que eu, o noivo da aliança, defendesse Stella. Eu os havia subjugado. Senti a mão dela deslizar do meu cotovelo para o centro da minha palma. Levantei meus olhos para Stella. Pela primeira vez em todo o dia, ela não me olhava com medo ou desespero. Seus olhos, vermelhos e inchados, estavam cheios de gratidão. Naquele instante, todo o meu plano de negócios, toda a minha estratégia para tomar o controle do império Ferreira, pareceu secundário. Eu não era um empresário frio naquele momento. Eu era um homem que desejava proteger e tirar aquela mulher daquele pesadelo. Apertei sua mão. Era um laço silencioso, mas poderoso. — Nós estamos de saída. — Declarei, cortando qualquer possibilidade de debate. — Amanhã, cuidamos dos anúncios do nosso noivado. Puxei Stella para a saída, deixando para trás o salão de luxo, a música alta e os sussurros que nos perseguiam. Naquele instante, só importava que ela estava comigo. Eu a tiraria dali. Eu a protegeria. O diabo estava pronto para levá-la para casa.