Reflexos no Abismo

Reflexos no abismo

Stella Ferreira

— A Sra. Ferreira, o Sr. Moretti a aguarda no escritório.

Respirei fundo, sentindo o peso do meu vestido de noiva trocado por um chemise de seda que a governanta havia providenciado.

Não trouxe roupas, não trouxe documentos, somente a mim e ao meu bebê. Aí meu Deus! Ainda tinha o fruto de um amor que era somente da minha parte.

"O que vai ser de nós, bebê?"

Eu estava indo para a sala de um homem que sabia todos os meus segredos e, ao contrário do meu ex-noivo, usaria esse conhecimento para me proteger e me usar.

Entrei no escritório. Dante estava de pé, imponente e pronto.

O escritório de Dante era uma representação sombria e poderosa dele: madeira escura, aço escovado e uma mesa imensa, livre de papéis desnecessários. Ele estava ali, de pé, observando a cidade. Ele vestia um terno cinza-chumbo, impecável, e parecia pronto para dominar o mundo. Seu terno não deixava dúvidas que a vida não parava em um domingo pela manhã. Não havia mais espaço para fraquezas ou recordações dolorosas, eu tinha que ser forte, firme e rocha do meu filho.

Ele me convidou a sentar com um gesto, e a seriedade de seu rosto me disse que a hora da conversa mole havia acabado.

— Bom dia, Stella. — Sua voz era seca, profissional. — Vamos aos fatos. – Direto, sem me dar chance de sentir pena, acho que é exatamente isso que eu preciso.

Eu respirei fundo, meu olhar agora firme. Eu estava pronta. Não mais a noiva ingênua. Eu era a arma de Dante Moretti, e a minha munição era o meu ódio transformado.

— Em uma semana, estaremos oficialmente noivos. Em um mês, casados. A imprensa será notificada hoje à tarde. Você será fotografada sorrindo, usando o anel que comprei na viagem de volta para casa...

Eu engoli em seco. — O anel...

Será que era o anel que a Bianca rejeitaria?

— É um diamante grande o suficiente para ofuscar o de Bianca. — Ele respondeu, sem humor e parecendo ouvir meus pensamentos. — Você precisa de credibilidade. Eu também. Este casamento é um negócio, Stella. Meu objetivo é a aliança com os Ferreira. O seu é a segurança e a vingança.

— Vingança? – Testei a palavra, dita em voz alta, parece diferente do que é marcada em tinta vermelha na minha cabeça.

— Sim. Você vai parar de se comportar como a vítima. Você é a noiva de Dante Moretti. A partir de hoje, a única coisa que você mostrará para Bianca, Gabriel e seus pais será força. Eles te descartaram; agora eles vão te desejar de volta.

Parece que ele sabia de descarte melhor que qualquer outra pessoa, como se tivesse passado pela mesma coisa que venho enfrentando.

Ele caminhou e se apoiou na mesa, seus olhos me penetrando, um arrepio discreto começou na base da minha coluna e foi subindo pelo meu corpo, aqueles olhos pareciam ler a minha alma.

O seu cheiro invadiu as minhas narinas, envolvida, me via pensando em como eu fui capaz de fazer tudo que esse homem mandou apenas com poucas palavras.

Engulo em seco, não era hora de ficar analisando e pensando no meu noivo por contrato.

Ele deslizou um documento sobre a mesa, a caneta dourada já estava me aguardando.

Quando meus olhos se fixam nas linhas que estão naquele documento detalhando, eu percebo que esse homem estava a dez passos à frente de qualquer um.

— Você tem que entender as regras... - Diz mais rouco, como se sentisse a confusão como eu estava enfrentando.

* * O Contrato: Este é um casamento de fachada.

* O Bebê: O filho é nosso. Na frente do público, ele será o meu herdeiro, e eu o protegerei com meu nome. A paternidade de Gabriel é um segredo que morre aqui. Qualquer ameaça ao bebê será tratada por mim.

* O Jogo Social: Você será a anfitriã perfeita. Você fará aparições ao meu lado, sempre impecável. Você fará com que Bianca se arrependa de ter trocado seu lugar por uma vida medíocre com um homem fraco.

As palavras inundaram a minha mente, a língua agiu mais rápido que o raciocínio.

— E qual é o seu ganho nisso? — ousei perguntar. — Por que me dar proteção e arriscar seu nome por uma noiva que não estava no contrato?

Dante sorriu, e o sorriso não alcançou seus olhos. Era o sorriso de um predador. Ele deu a volta na mesa, perto demais, intenso demais... o cheiro dele era diferente, não parecia em nada com os perfumes caros de Gabriel, mas que nos últimos dias estava me deixando mais sensível.

— Minha intenção é simples, Stella. Eu sempre quero o que é mais valioso. Você é a filha mais inteligente, a mais forte. A peça mais preciosa. E agora, você é minha.

“Minha”

A palavra saiu com tanta devoção que quase me enganou em seu sentido real.

Ele estava me reivindicando através de um contrato, não por outros motivos, ou podia cogitar que era?

Olhei em seus olhos, o rosto dele estava tão próximo...

Ele bateu na mesa como um aviso, ou para me trazer a realidade.

- Assine aqui... - Apontou para o lugar que eu iria confirmar essa loucura.

Peguei a caneta novamente, olhei para ele, seus olhos estavam fixos, intensos e como se desejasse desesperadamente a minha rubrica naquele papel. Será que era para me deixar distante dele?

Assinei, ele estava próximo demais, quando pegou a caneta, seus dedos encostaram nos meus. Não era possível que somente eu senti um choque, um calor que eu já não sentia a muito tempo?

Dante engole seco, se afasta.

Sinto falta do seu calor, Deus! Devem ser os hormônios falando mais alto.

— Comece hoje. Vista-se. Vamos buscar as suas coisas em seu apartamento. Vamos fazer esse plano dar certo. Amanhã, eu a levarei à empresa da sua família. Você vai retomar seu cargo e mostrar a todos que o sucesso não foi para a porta da igreja. Ele saiu dela comigo.

Eu senti um arrepio, como se ele tivesse me jogado naquele momento novamente para me falar o verdadeiro motivo de estar ali. A humilhação de ontem estava se transformando em uma armadura. Eu não era uma vítima. Eu era uma arma, agora empunhada por Dante Moretti.

Saí do escritório de Dante Moretti com uma nova armadura. Não era mais a seda branca do meu vestido de madrinha às pressas, mas algo mais frio e resistente: a certeza da minha nova missão. Eu tinha ordens. Eu tinha um propósito. E, pela primeira vez desde que Bianca sussurrou sua confissão cruel, eu me senti capaz de respirar.

Eu seria forte. Seria a noiva perfeita. Seria a arma que ele precisava. E a vingança seria o meu combustível.

Encontrei Dante esperando-me no hall, onde o sol da manhã entrava pelos painéis de vidro. Ele me avaliou de cima a baixo, a aprovação silenciosa em seu olhar era mais poderosa que qualquer elogio.

— Vamos. — Ele ordenou, sem preâmbulos. — Primeiro, ao seu apartamento.

Ouvir aquilo me trouxe a primeira pontada de uma nova realidade. Eu não voltaria para a casa dos meus pais. Eu iria morar com Dante antes do casamento.

— Ao meu apartamento? Para buscar... minhas coisas? — perguntei, sentindo um nó na garganta.

— Sim. Você não terá condições de voltar a viver sozinha, Stella. — Ele respondeu, lendo meus pensamentos com aquela facilidade assustadora. — Não agora. Grávida, emocionalmente instável e sob a mira da sua família e da imprensa. É melhor aqui. Você fica sob minha proteção e controle, focada em cuidar do nosso bebê e em se preparar para o nosso casamento.

Eu podia sentir o turbilhão de sentimentos conflitantes. Estar sozinha, naquela montanha-russa de raiva e frustração, seria catastrófico para mim e para o bebê. O controle de Dante, por mais opressor que fosse, era um refúgio. Ele me oferecia estabilidade em meio ao caos que a minha própria família havia criado.

— Entendo. — Aceitei, resignada, mas com uma nova frieza na voz. A patética e ingênua Stella morrerá no hall da igreja.

Ele me conduziu ao mesmo SUV blindado, e desta vez, eu me assenti ereta. Não havia mais espaço para desmaios ou histeria. Eu precisava coletar minhas roupas, meus pertences e, principalmente, tudo o que eu precisaria para o trabalho na empresa.

O cheiro dele me invadiu novamente, porque ele tinha que ser tão cheiroso?

Com seu óculos moderno, seu terno impecável, ele olhava para a janela, mas eu tinha certeza que eu escaneava seu rosto, tentava ler a sua alma, descobrir se tudo isso era por vingança mesmo, ou se tinha algo a mais.

No caminho, Dante discou um número no telefone e o colocou no viva-voz, ignorando completamente minha presença.

— Avise a minha equipe jurídica para iniciar a notificação de noivado à imprensa. Quero um comunicado breve, direto, focado na união das empresas. E informe ao Sr. Ferreira que a Sra. Stella Moretti — ele enfatizou meu nome com o sobrenome dele — estará na sede da Ferreira Business às quatorze horas para retomar suas funções.

Seu tom de voz não permitia contestações. Aquele era o meu primeiro ato público como sua noiva, sua propriedade, sua arma. E era dirigido, sem dúvida, a uma plateia muito específica: Gabriel, Bianca e, claro, meus pais, que pensaram que eu voltaria para casa deprimida e derrotada.

O jogo de Dante era arriscado, implacável e público.

E pela primeira vez, sorri. Um sorriso fino, sem alegria, mas cheio da sede de vingança que ele havia me encorajado a abraçar. Se ele estivesse disposto a ir à guerra por mim, eu lutaria ao seu lado. Meu primeiro passo seria olhar para Gabriel e Bianca e mostrar que eles não haviam me destruído. Apenas me entregaram a um poder muito maior.

Horas depois, na Coletiva de Imprensa.

O saguão do prédio da Moretti Corp estava irreconhecível. Lanternas, microfones, câmeras de TV e uma multidão de jornalistas formavam uma muralha de curiosidade. Dante havia anunciado um comunicado de emergência sobre "uma importante reestruturação de alianças", e a imprensa já farejava sangue e poder.

Eu estava ao lado dele, em um vestido de seda azul-marinho, com a cor da confiança e da frieza. Meu rosto estava impassível, a maquiagem impecável ocultando o rastro das lágrimas de ontem. Em meu dedo, o diamante de Dante Moretti brilhava com um fogo frio, grande o suficiente para ser visto da última fileira.

A poucos metros de nós, escondidos entre os repórteres, eu podia sentir o olhar furioso e inacreditável de Gabriel e Bianca, que provavelmente vieram esperando um escândalo, não um casamento.

Dante se adiantou ao microfone, sua postura de aço, controlando a multidão.

— Boa tarde a todos. Fui breve porque a notícia é direta. — Sua voz era um trovão de confiança. — Em breve, as empresas Moretti e Ferreira serão unidas, não apenas em uma aliança comercial, mas através do casamento.

Um burburinho de choque percorreu o salão.

— Tenho a honra de anunciar meu noivado com a Stella Ferreira. — Ele fez uma pausa e virou-se para mim, seu braço poderoso circulando minha cintura. O toque era possessivo, público e totalmente ensaiado.

— A cerimônia será em um mês. Stella e eu já estamos vivendo juntos e estamos extremamente felizes.

Ele não me deu tempo de respirar. Em um movimento rápido e calculado, Dante inclinou a cabeça, forçando a minha, e seus lábios encontraram os meus em um beijo que não era de paixão, mas de domínio.

Foi um choque. Seus lábios eram firmes e frios, mas a intensidade era avassaladora. Ele estava beijando o ódio, a vingança, a dor e a determinação que me guiavam. O flash das câmeras explodiu, capturando o momento, o diamante e a união.

O beijo durou apenas um segundo a mais do que o necessário, um segundo a mais para deixar uma marca indelével na mente de quem assistia.

Quando ele se afastou, seus olhos, antes frios, pareciam ter uma faísca. Ele olhou para mim, sua noiva de contrato, com a mais perfeita expressão de orgulho.

— Agora, se me dão licença. Minha noiva e eu temos muito o que planejar.

Ele me conduziu para fora do palco sob um coro de perguntas abafadas. Eu não senti mais raiva ou humilhação, apenas o sabor residual da mentira e do poder em meus lábios.

Olhei por cima do ombro e vi Gabriel com o rosto pálido e Bianca, que parecia ter engolido uma pedra.

O jogo havia começado, e eu estava do lado mais forte.

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