O segredo carregado

A imagem das mãos fortes de Luigi amparando sua cintura, o calor daquele toque inesperado na sala de música, tornou-se uma constante nos pensamentos de Jessica . Os dias que se seguiram foram marcados por uma hiperconsciência da presença um do outro. O ar entre eles vibrava com uma eletricidade contida, uma pergunta silenciosa que nenhum dos dois ousava fazer, muito menos responder.

Jessica redobrou os seus esforços para ser a funcionária perfeita e invisível que Dona Matilde tanto prezava. Mantinha os olhos baixos quando cruzava com o patrão nos corredores, respondia às suas raras perguntas com monossílabos profissionais e focava obsessivamente na limpeza de cada canto daquela mansão fria e imponente. Mas era uma batalha perdida. Cada vez que ele entrava em um cômodo onde ela estava, o seu corpo reagia antes que a sua mente pudesse comandar: o coração acelerava, as mãos ficavam úmidas, a respiração prendia na garganta. Era desesperador. Era perigoso.

Luigi, por sua vez, parecia travado no seu próprio conflito. Se antes ele mal parecia notar a presença dela, agora os seus olhares pareciam encontrá-la com uma frequência desconcertante. Eram olhares rápidos, muitas vezes disfarçados de análise do ambiente ou de impaciência, mas Jessica sentia o peso deles sobre si. Ele parecia... observá-la. Havia uma curiosidade nos seus olhos castanhos que não existia antes, uma intensidade que ia além da simples relação patrão-empregada.

Ele começou a criar pretextos, quase infantis, para interagir. Certo dia, enquanto Jessica tirava o pó dos livros na biblioteca – o mesmo local do primeiro encontro tenso –, ele entrou subitamente, procurando por um relatório que, segundo ele, só ela saberia onde estava arquivado (embora fosse uma tarefa administrativa que normalmente não caberia a ela). Jessica localizou o documento rapidamente, entregando-o em silêncio.

"Ah... obrigado, Jessica", ele murmurou, a voz ligeiramente hesitante, os dedos roçando os dela por um instante a mais que o necessário ao pegar a pasta. Jessica sentiu um choque percorrer seu braço e recuou instintivamente, o rosto corando. Ele percebeu, a sombra de um sorriso quase culpado (ou seria divertido?) cruzando seus lábios antes que ele se virasse e saísse apressado.

Em outra ocasião, encontrou-a na copa, preparando o próprio café antes de iniciar o turno. Ele entrou, serviu-se de água e, em vez de sair imediatamente como de costume, encostou-se na bancada, observando-a em silêncio por um momento.

"Gosta do café daqui, Jessica?", ele perguntou de repente, o que a deixou momentaneamente sem fala.

"S-sim, senhor. É muito bom", gaguejou, surpresa pela pergunta trivial e pela informalidade inesperada.

"Hmm", ele murmurou, os olhos fixos na xícara que ela segurava. "Prefiro chá pela manhã. Mas cada um com seus vícios." Ele deu um meio sorriso enigmático e saiu, deixando-a com o coração aos pulos e a mente girando. O que significavam aquelas pequenas interações? Estaria ele... brincando com ela? Ou estaria tão confuso quanto ela própria se sentia?

Jessica tentava se convencer de que era apenas sua imaginação fértil, a carência de uma jovem simples deslumbrada pelo poder e pela atenção mínima de um homem como Luigi Calegari. “Acorda, Jessica! Ele vive em outro universo. Para ele, você é só mais uma peça na engrenagem da mansão. Não se iluda!”, repreendia-se mentalmente, esfregando um vaso de prata com força excessiva.

Mas era difícil ignorar a crescente sensação de conexão. Ela começou a notar padrões nele: a maneira como massageava as têmporas quando estava sob estresse extremo, o jeito quase imperceptível como seu ombro relaxava quando tomava o primeiro gole do café que ela agora fazia questão de preparar exatamente como sabia que ele gostava (forte, sem açúcar, na xícara preta favorita), a forma como às vezes parava por um segundo para observar a chuva pela janela, uma melancolia passageira em seu olhar. Eram detalhes íntimos, observados à distância, que a faziam sentir uma proximidade perigosa e proibida.

Numa noite particularmente longa, Jessica estava terminando de limpar o salão principal. A maioria dos funcionários já havia ido embora, e a mansão estava mergulhada naquele silêncio pesado que ela já começava a conhecer bem. Ouviu o som da porta do escritório de Luigi se abrir e fechar, seguido por seus passos lentos no corredor. Ele não foi em direção à escada principal, como de costume, mas parou na entrada do salão, observando-a trabalhar.

Jessica sentiu um arrepio percorrer sua espinha, mas continuou limpando uma mesinha de canto, fingindo não tê-lo notado.

"Boa noite, Senhor", murmurou, sem encará-lo diretamente.

Ele não respondeu imediatamente. Aproximou-se em silêncio, parando a poucos metros dela. Jessica podia sentir o olhar dele em suas costas.

"Trabalhando até tarde, Jessica?", a voz dele soou mais baixa, menos formal que o habitual.

"Sim, senhor. Apenas terminando." Ela se virou lentamente, mantendo uma distância segura. Ele parecia incrivelmente cansado. Havia olheiras sob seus olhos e uma tensão nos ombros que nem o terno caro conseguia disfarçar.

"Eu também", ele suspirou, passando a mão pelo rosto. "Reuniões intermináveis. Parece que nunca acaba."

Era a primeira vez que ele desabafava, mesmo que minimamente, sobre o seu trabalho com ela. Jessica sentiu uma pontada de empatia. "O senhor parece precisar de uma pausa", ela disse suavemente, quase sem pensar.

Luigi a encarou, surpreso pela observação direta, mas sem a irritação que ela esperaria. Ele deu um sorriso pequeno e cansado. "Você é muito observadora."

"Faz parte do meu trabalho observar os detalhes, senhor", ela respondeu, tentando manter a linha profissional, embora o seu coração estivesse batendo forte em seu peito.

"Alguns detalhes passam despercebidos pela maioria", ele disse, o olhar fixo no dela. "Mas não por você, ao que parece."

O silêncio se estendeu entre eles, mas desta vez não era um silêncio vazio. Era carregado de compreensão mútua, de uma vulnerabilidade inesperada que pairava no ar. Ele parecia ver além do uniforme dela, e ela via além da fachada de poder dele. Era uma conexão deicada, frágil, mas inegavelmente presente.

"Gostaria... gostaria de um chá, Senhor? Ouvi Dona Matilde dizer que o chá de camomila ajuda a relaxar", Jessica ofereceu, sentindo o rosto esquentar pela própria ousadia.

Luigi pareceu ponderar a oferta por um momento. A resposta óbvia seria recusar, dispensá-la. Mas ele não o fez.

"Acho que... sim, Jessica. Eu aceito. Obrigado." A formalidade havia quase desaparecido de sua voz.

Enquanto ela ia apressada até a cozinha preparar o chá, sentindo um misto de pânico e euforia, Luigi ficou no salão, observando a figura dela se afastar. O que estava fazendo? Conversando trivialidades com uma empregada no meio da noite? Compartilhando um fragmento de seu cansaço? Ele, que construíra muralhas impenetráveis ao redor de si. Havia algo naquela moça... uma calma, uma sinceridade, uma falta de artifício que o desarmava completamente. E isso o assustava mais do que qualquer negociação hostil no mundo dos negócios.

Quando Jessica voltou com a bandeja, as mãos ligeiramente trêmulas, ele ainda estava lá, contemplando um quadro abstrato na parede. Ela colocou a bandeja sobre a mesinha que acabara de limpar.

"Aqui está, Senhor."

Ele se virou, pegou a xícara fumegante e inalou o aroma suave. "Obrigado", repetiu, e desta vez, o agradecimento pareceu genuíno, vindo de um lugar mais profundo.

Ficaram ali por mais alguns instantes, em um silêncio compartilhado que era estranhamente confortável. A tempestade emocional dentro de cada um deles parecia momentaneamente acalmada pela simplicidade daquele momento inesperado de quase camaradagem.

"Bem, preciso ir agora, Senhor. Boa noite", Jessica disse por fim, quebrando o encanto antes que se tornasse perigoso demais.

"Boa noite, Jessica. E... obrigado novamente. Pelo chá." O olhar dele acompanhou-a enquanto ela saía do salão, deixando-o sozinho com seus pensamentos confusos e a xícara de camomila nas mãos.

No caminho para casa, no ônibus sacolejante, Jessica não conseguia parar de pensar naquele momento. Não houve toque, não houve beijo, mas a intimidade daquela troca silenciosa, daquela vulnerabilidade compartilhada, pareceu tão ou mais significativa. A linha tênue entre patrão e empregada estava se esgarçando perigosamente. A atração crescia, alimentada não por faíscas explosivas, mas por um fogo lento, uma conexão que se aprofundava a cada olhar, a cada palavra não dita, a cada pequeno gesto.

Ela sabia que estava entrando em um território proibido, um labirinto emocional sem saída aparente. O medo ainda estava lá, forte e presente, mas agora misturado a uma esperança teimosa e a uma curiosidade crescente sobre o homem por trás da máscara de Luigi Calegari. Esse encanto, que poderia ser paixão, amor ... já era uma semente que estava germinando, e as raízes já estavam fincadas profundamente no coração assustado e expectante de Jessica. E ela tinha a sensação de que, mais cedo ou mais tarde, algo teria que florescer daquela semente perigosa. A questão era: seria uma flor ou um espinho?

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