Aquele breve momento de paz compartilhada no salão, o calor do chá de camomila e a vulnerabilidade inesperada nos olhos de Luigi Calegari, tornaram-se um bálsamo para a alma de Jessica Souza. Nos dias seguintes, ela flutuou em uma nuvem de esperança frágil. Talvez, apenas talvez, houvesse uma rachadura naquela armadura de CEO implacável. Talvez ele a visse como mais do que apenas uma funcionária. Ela se pegava sorrindo discretamente enquanto lustrava a prataria, o coração um pouco mais leve, antecipando, mesmo que secretamente, outro vislumbre do homem por trás do nome.
Mas a realidade do mundo Calegari era um choque térmico, e ele veio rápido e brutal.
Luigi parecia ter acordado no dia seguinte lamentando profundamente qualquer lapso de controle. A porta que ele entreabriu na noite anterior foi fechada, trancada e barricada. A mudança foi tão abrupta que deixou Jessica desnorteada. Onde antes havia olhares prolongados e interações carregadas de subtexto, agora havia um muro de gelo.
Ele passou a evitá-la com uma determinação quase ostensiva. Se entrava em um cômodo onde ela estava, saía imediatamente sob algum pretexto. As ordens, antes por vezes dadas diretamente com aquela formalidade tensa, agora vinham invariavelmente através de Dona Matilde. Nos raros momentos em que um encontro era inevitável – um corredor estreito, a entrada principal –, ele passava por ela como se ela fosse transparente, o rosto uma máscara impenetrável de frieza profissional, os olhos focados em algum ponto distante. Nem mesmo um aceno formal. Nada.
O golpe foi doloroso. A esperança murchou rapidamente, substituída por uma confusão lancinante. O que havia mudado? Teria ela dito ou feito algo errado? Aquele momento de conexão teria sido apenas fruto de sua imaginação, um delírio causado pelo cansaço dele e pela própria carência dela? A dúvida corroía sua confiança, e a leveza que sentira deu lugar a um peso incômodo no peito. Ela se sentia tola, ingênua.
"Será que ele se arrependeu de ter... conversado comigo?", perguntava-se enquanto esfregava o chão do hall com uma força desnecessária, tentando afastar as lágrimas teimosas que ardiam em seus olhos. "Será que ele achou que fui atrevida?" A incerteza era uma tortura silenciosa.
A resposta, ou pelo menos parte dela, começou a se desenhar numa tarde ensolarada, quando a matriarca da família Calegari, Dona Eleonora, fez uma de suas visitas imponentes à mansão. Jessica já a tinha visto de relance antes – uma mulher elegante, de porte aristocrático e um olhar tão cortante quanto o do filho, envolta em joias discretas e roupas de grife.
Dona Eleonora e uma amiga, outra senhora da alta sociedade cujo nome Jessica não captou, estavam tomando chá na sala de visitas envidraçada que dava para os jardins. Luigi juntou-se a elas, a postura rígida, o sorriso forçado nos lábios. Dona Matilde instruiu Jessica a servir os chás e alguns petits fours, uma tarefa que a colocou, desconfortavelmente, na órbita daquela conversa.
Enquanto reabastecia as xícaras com a maior discrição possível, fingindo total concentração na tarefa, seus ouvidos captaram fragmentos da conversa que fizeram seu sangue gelar.
"...absolutamente essencial, Luigi. O baile de caridade da fundação Moretti é na próxima semana", dizia Dona Eleonora, a voz suave, mas com um fio de aço. "É o evento do ano. Toda a sociedade estará lá. Você precisa ser visto. E bem acompanhado."
"Mãe, já discutimos isso. Tenho estado muito ocupado com a fusão..." Luigi começou, a voz tensa.
"Ocupado demais para o futuro da família?", interrompeu a amiga de Dona Eleonora, com um risinho afetado. "Ora, Luigi, um Calegari nunca está ocupado demais para um bom casamento. E os Moretti... que família! O velho Giovanni Moretti controla metade do setor financeiro. Uma aliança seria... extremamente vantajosa."
Jessica quase deixou uma xícara cair. Moretti. O nome pairou no ar, carregado de significado.
"E a filha deles, Isabella...", continuou Dona Eleonora, ignorando o desconforto evidente do filho. "Uma jovem encantadora. Linda, educada na Suíça, de família impecável. Seria a companhia perfeita para você no baile. Já conversei com a mãe dela, Antonella. Estão esperando um gesto seu."
Luigi ficou em silêncio, o maxilar trincado. Ele tamborilava os dedos na mesa, um sinal de impaciência que Jessica já aprendera a reconhecer.
"Não se trata apenas de negócios, querido", suavizou Dona Eleonora, percebendo a resistência do filho. "Trata-se de estabilidade, de imagem. De dar continuidade ao nosso legado. Já passou da hora de você assentar a cabeça com alguém do nosso nível. Alguém que entenda as responsabilidades que vêm com o nome Calegari."
Jessica sentiu um nó se formar em sua garganta. Alguém do nosso nível. As palavras ecoaram em sua mente, dolorosas e cruas. Ali estava a resposta para a frieza repentina de Luigi. Aquele momento de conexão no salão, a vulnerabilidade que ele mostrou... foram apenas um lapso, uma fraqueza momentânea que ele agora se esforçava para corrigir, pressionado pelo peso esmagador de seu nome e das expectativas de sua família.
Ela terminou de servir em silêncio, o coração pesado como chumbo. Recolheu-se rapidamente, mas a imagem de Luigi, preso entre as expectativas da mãe e sua própria relutância, ficou gravada em sua mente. E o nome "Isabella Moretti" ressoava como um sino fúnebre para qualquer fantasia boba que ela pudesse ter nutrido.
Mais tarde, enquanto limpava o corredor do andar de cima, Dona Matilde parou ao seu lado, observando-a trabalhar por um instante. A governanta tinha um radar infalível para as tensões da casa.
"O mundo do Sr. Luigi é muito diferente do nosso, menina", disse ela, a voz neutra, mas o olhar significativo. "Ele tem obrigações que nós nem imaginamos. O melhor é cada um se manter no seu quadrado, sem criar fantasias." Ela ajeitou o coque impecável. "Foque no seu trabalho. É o mais seguro." E continuou seu caminho, deixando Jessica com as palavras pairando no ar como uma sentença.
Naquela noite, Jessica viu Luigi por acaso, através da porta entreaberta da biblioteca. Ele estava parado diante da janela, olhando para a escuridão lá fora, a mesma postura cansada da noite do chá. Por um momento fugaz, seus olhos se encontraram através do corredor. Jessica viu um lampejo de algo em seu olhar – seria arrependimento? Tristeza? – antes que ele se virasse bruscamente, fechando a porta com um clique definitivo que pareceu selar a distância entre eles.
Aquele breve vislumbre da luta interna dele não diminuiu a dor de Jessica, mas acrescentou uma camada de compreensão amarga. Ele não era apenas cruel; ele estava preso. Preso pelo nome, pela família, pelas expectativas de um mundo que exigia dele um casamento estratégico e uma vida de aparências.
O nome "Isabella Moretti" ecoava em sua cabeça. Provavelmente era linda, rica, sofisticada. Tudo o que Jessica não era. Tudo o que Luigi Calegari precisava ao seu lado para o baile de caridade e, quem sabe, para a vida.
A realidade de seus mundos opostos nunca pareceu tão vasta, tão intransponível. Aquele chá de camomila, aquele momento de silêncio compartilhado, pareceram uma miragem distante e dolorosa. Luigi estava se fechando, e as muralhas ao redor dele pareciam mais altas e mais fortes do que nunca. Jessica sentiu o coração apertar. A faísca de esperança havia se extinguido, deixando para trás apenas as cinzas frias da realidade e a sombra crescente de uma rival que ela nem conhecia, mas que já representava tudo o que os separava. O peso do nome Calegari era, de fato, esmagador. E parecia estar esmagando qualquer possibilidade de um futuro que Jessica, em sua ingenuidade, ousara imaginar.
A semana que antecedeu o famoso baile de caridade da Fundação Moretti envolveu a mansão Calegari numa atmosfera de tensão contida. Dona Matilde, normalmente a personificação da calma eficiente, parecia ter um nó extra de severidade em seu coque habitual. Cada superfície tinha que brilhar com um esplendor ainda maior, cada almofada devia estar perfeitamente alinhada. O nome "Moretti" era sussurrado nos cantos pelos poucos funcionários com quem Jessica tinha alguma interação, sempre acompanhado de olhares significativos na direção do escritório de Luigi.Jessica sentia a aproximação do evento como uma nuvem de tempestade pessoal. O nome "Isabella Moretti", ouvido naquela conversa na sala de visitas, ecoava em sua mente como um prenúncio de algo que ela não queria enfrentar. Tentava se concentrar em suas tarefas, polindo a mesma peça de prata repetidas vezes, mas sua imaginação desenhava o rosto da mulher que, segundo Dona Eleonora, era a "companhia perfeita" para Luigi. Linda, rica, sof
Os meses que se seguiram ao baile da Fundação Moretti solidificaram o relacionamento de Luigi Calegari e Isabella Moretti aos olhos do público e, aparentemente, dentro das paredes da mansão. Isabella era uma presença constante, suas visitas tornaram-se rotina, seus pertences começaram a ocupar discretamente espaços nos aposentos de Luigi – um lenço de seda esquecido sobre uma poltrona, um perfume floral caro que se misturava ao amadeirado de Luigi, criando uma combinação que embrulhava o estômago de Jessica.Jessica, por sua vez, havia construído uma muralha ao redor de seu próprio coração. A dor ainda estava lá, uma brasa latejante sob as cinzas da resignação, mas ela se concentrava ferozmente em seu trabalho, em manter a discrição e a eficiência que lhe garantiam o emprego. Observava Luigi de longe, notando as olheiras mais escuras sob seus olhos, a tensão permanente em seus ombros que nem mesmo a presença constante da "noiva perfeita" parecia aliviar. Ele continuava distante, profi
A suspeita, uma vez plantada, fincou raízes profundas na mente de Jessica. A imagem de Luigi, tenso e preocupado com os negócios da "Innovare Participações" e com a família Moretti, assombrava seus pensamentos. A dor de seu próprio coração ferido começou a ceder espaço para um novo tipo de angústia – o medo de que o homem que ela, apesar de tudo, ainda amava em segredo, estivesse caminhando para uma armadilha.Com uma determinação recém-descoberta, Jessica transformou sua rotina de trabalho em uma discreta operação de vigilância. Seus olhos, antes focados em evitar o patrão e sua noiva, agora estavam mais alertas do que nunca, captando detalhes que antes passariam despercebidos. A limpeza do escritório de Luigi, dos quartos de hóspedes que Isabella por vezes utilizava, ou das áreas comuns após as visitas da família Moretti, tornou-se uma oportunidade para observar, para escutar, para tentar encontrar qualquer peça que se encaixasse no quebra-cabeça perturbador que se formava em sua ca
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A noite em que Jessica ouviu a conversa incriminadora entre Isabella e Giovanni Moretti foi a mais longa de sua vida. O sono foi uma miragem distante, substituído por um turbilhão de medo, raiva e uma urgência desesperada. As palavras deles – "fase três da Vértice", "transferências", "Calegari não poderá fazer nada" – ecoavam em sua mente como um sino fúnebre. Luigi estava sendo metodicamente enganado, e ela, uma simples empregada, era a portadora solitária daquela verdade explosiva.Ao amanhecer, a exaustão se misturava com a ansiedade. Não podia ficar parada. Precisava, de alguma forma, alertar Luigi, mesmo que isso significasse arriscar tudo. Mas como? Chegar para o grande empresário Luigi Calegari e dizer "Sua noiva e o pai dela são golpistas" era impensável. Ele a esmagaria como um inseto, influenciado por Isabella, que certamente a pintaria como uma louca mentirosa e invejosa. Precisava de algo mais, uma fagulha de prova, por menor que fosse, para dar peso às suas palavras.Lembr
O som estridente do despertador rasgou o silêncio da madrugada, ainda escura e fria. Jessica tateou a mesinha de cabeceira gasta, os dedos encontrando o botão que silenciaria o aparelho barulhento. Cinco da manhã, e a batalha diária estava apenas começando. Sentou-se na cama, o corpo ainda pesado de sono, e esfregou os olhos. Um suspiro escapou de seus lábios enquanto encarava o pequeno quarto alugado, as paredes descascadas testemunhas silenciosas de seus sonhos e dificuldades.“Hoje é o dia. O primeiro dia de verdade”, pensou, um frio percorrendo sua espinha, mistura de ansiedade e uma fagulha de esperança. Esperança de um salário melhor, de poder finalmente ajudar a mãe no interior, talvez até guardar um dinheirinho para... bem, para um futuro que ela mal poderia imaginar.O emprego na mansão do Sr. Luigi Calegari havia caído como uma bênção inesperada. Uma indicação de Dona Lourdes, uma antiga patroa que sempre elogiou sua dedicação. “Ele é exigente, Jessica, muito exigente. Um h
As semanas seguintes ao primeiro e turbulento encontro com Luigi se desenrolaram numa rotina cuidadosamente orquestrada por Dona Matilde. Jessica aprendeu rapidamente os meandros daquela mansão gigantesca, que mais parecia um palácio silencioso e frio. Sua eficiência e discrição logo lhe renderam um aceno de aprovação da rígida governanta, o que, no universo daquela casa, equivalia a um grande elogio.Jessica se esforçava ao máximo para seguir o conselho principal de Dona Matilde: ser invisível. Movia-se pelos corredores como uma sombra, focada em suas tarefas, evitando cruzar o caminho do patrão. Mas Luigi era o sol em torno do qual aquele pequeno universo girava; evitar sua presença por completo era impossível.Os encontros eram breves, fortuitos, mas carregados de uma tensão que deixava Jessica com o coração aos pulos e as mãos úmidas. Um cruzar de olhares no corredor principal – ele a caminho de seu escritório, o rosto fechado em preocupações que pareciam pesar toneladas, ela
A imagem das mãos fortes de Luigi amparando sua cintura, o calor daquele toque inesperado na sala de música, tornou-se uma constante nos pensamentos de Jessica . Os dias que se seguiram foram marcados por uma hiperconsciência da presença um do outro. O ar entre eles vibrava com uma eletricidade contida, uma pergunta silenciosa que nenhum dos dois ousava fazer, muito menos responder.Jessica redobrou os seus esforços para ser a funcionária perfeita e invisível que Dona Matilde tanto prezava. Mantinha os olhos baixos quando cruzava com o patrão nos corredores, respondia às suas raras perguntas com monossílabos profissionais e focava obsessivamente na limpeza de cada canto daquela mansão fria e imponente. Mas era uma batalha perdida. Cada vez que ele entrava em um cômodo onde ela estava, o seu corpo reagia antes que a sua mente pudesse comandar: o coração acelerava, as mãos ficavam úmidas, a respiração prendia na garganta. Era desesperador. Era perigoso.Luigi, por sua vez, parecia trava