O som estridente do despertador rasgou o silêncio da madrugada, ainda escura e fria. Jessica tateou a mesinha de cabeceira gasta, os dedos encontrando o botão que silenciaria o aparelho barulhento. Cinco da manhã, e a batalha diária estava apenas começando. Sentou-se na cama, o corpo ainda pesado de sono, e esfregou os olhos. Um suspiro escapou de seus lábios enquanto encarava o pequeno quarto alugado, as paredes descascadas testemunhas silenciosas de seus sonhos e dificuldades.
“Hoje é o dia. O primeiro dia de verdade”, pensou, um frio percorrendo sua espinha, mistura de ansiedade e uma fagulha de esperança. Esperança de um salário melhor, de poder finalmente ajudar a mãe no interior, talvez até guardar um dinheirinho para... bem, para um futuro que ela mal poderia imaginar.
O emprego na mansão do Sr. Luigi Calegari havia caído como uma bênção inesperada. Uma indicação de Dona Lourdes, uma antiga patroa que sempre elogiou sua dedicação. “Ele é exigente, Jessica, muito exigente. Um homem importante, desses que não têm tempo a perder. Mas paga bem, muito bem. E você é caprichosa, menina. Vai dar conta.” As palavras de Dona Lourdes ecoavam em sua mente enquanto se vestia apressadamente com o uniforme simples, porém impecavelmente limpo e passado: uma calça preta e uma blusa branca e discreta.
O trajeto de ônibus foi longo, sacolejante, cansativo , atravessando a cidade em direção aos bairros ricos, um mundo completamente diferente do seu. Pela janela embaçada, via os prédios modestos darem lugar a ruas arborizadas, casas enormes e, por fim, verdadeiras fortalezas cercadas por muros altos e câmeras de segurança. O ônibus parou no ponto indicado, e Jessica desceu, sentindo o ar da manhã, mais puro naquela região, mas também carregado de uma opulência que a fazia sentir-se pequena, quase invisível.
Caminhou poucos metros até chegar ao endereço. Os portões de ferro trabalhado, altos e imponentes, ostentavam um brasão discreto, mas que emanava poder e riqueza. Respirou fundo, apertando a alça da bolsa simples contra o corpo, e tocou o interfone.
“Identifique-se”, uma voz metálica soou.
“Jessica Souza. Vim para a vaga de auxiliar de limpeza. É meu primeiro dia.” Sua própria voz tremeu um pouco. Estava nervosa e com medo de gaguejar.
Um instante de silêncio, e então o pesado portão rangeu, deslizando para o lado e revelando uma entrada ladeada por jardins meticulosamente cuidados, cuja beleza parecia quase artificial de tão perfeita. Jessica entrou, sentindo os olhos eletrônicos das câmeras sobre si, e seguiu a alameda de pedras que levava à entrada de serviço. Era como entrar em outro planeta.
Foi recebida por Dona Matilde, a governanta. Uma senhora de postura rígida, cabelos grisalhos presos num coque apertado e um olhar que parecia avaliar cada centímetro de Jessica. Não havia calor em sua recepção, apenas eficiência.
“Jessica Souza, certo? Dona Lourdes falou bem de você. Espero que corresponda.” A voz dela era firme, sem rodeios. “Esta casa funciona como um relógio. O Sr. Luigi detesta atrasos, desordem e, principalmente, barulho desnecessário. Discrição é a palavra de ordem aqui. Você está aqui para limpar, não para ser vista ou ouvida. Entendido?”
“Sim, senhora. Entendido.” Jessica assentiu, engolindo em seco. A pressão já começava a pesar sobre seus ombros.
Dona Matilde passou as primeiras horas mostrando as áreas de serviço, a cozinha gigantesca e moderna, a lavanderia equipada com máquinas que Ana nunca tinha visto. Explicou as rotinas, os produtos específicos para cada superfície – mármore italiano, madeiras nobres, cristais delicados. A lista de tarefas parecia interminável, e a responsabilidade, esmagadora. Cada objeto naquela casa parecia valer mais do que ela ganharia em anos.
“Hoje você ficará responsável pela biblioteca e pelo escritório principal no térreo. O Sr. Luigi raramente os usa pela manhã, mas hoje ele tem uma reunião importante fora e já saiu. Mesmo assim, quero tudo impecável. Use o produto específico para os móveis de jacarandá e muito cuidado com os livros. São a paixão do patrão.” Dona Matilde entregou a ela os panos e produtos, o olhar severo reforçando a advertência.
Jessica assentiu novamente e seguiu para a biblioteca. Ao abrir a porta dupla de madeira maciça, prendeu a respiração. Era o cômodo mais incrível que já vira. Paredes cobertas de livros do chão ao teto altíssimo, poltronas de couro que pareciam abraçar quem sentasse nelas, um tapete persa de cores sóbrias e uma enorme janela de vidro que dava para o jardim. O cheiro de livros antigos misturado ao leve aroma de madeira e couro pairava no ar. Era um santuário de silêncio e conhecimento.
Com muito cuidado e zelo, Jessica começou a trabalhar. Tirou o pó das prateleiras mais baixas, lustrou a imponente mesa de trabalho, organizou alguns papéis que pareciam fora do lugar com extremo cuidado para não alterar a ordem. Sentia-se um grão de areia naquele universo de luxo e poder, mas estava determinada a fazer o seu melhor. Aquele emprego era sua chance.
Estava concentrada em lustrar um pequeno detalhe de metal em um abajur antigo sobre a mesa quando ouviu o som. Passos. Firmes, rápidos, sobre o piso de mármore do corredor que levava à biblioteca. Seu coração gelou. Dona Matilde havia dito que o patrão saíra! Será que era a governanta vindo verificar seu trabalho?
Virou-se rapidamente, o pano de limpeza ainda na mão, e seus olhos encontraram a figura parada na soleira da porta. Congelou.
Não era Dona Matilde.
Era ele. Luigi Calegari.
Alto, muito mais imponente do que nas poucas fotos que vira em revistas de negócios. Vestia um terno escuro, cortado sob medida, que exalava poder e dinheiro. Os cabelos negros estavam penteados para trás, revelando uma testa larga e traços fortes, quase duros. Ele segurava uma pasta de couro na mão e parecia irritado, os olhos de um castanho profundo varrendo o ambiente com impaciência, como se procurasse algo.
Jessica sentiu o sangue fugir de seu rosto. Ficou paralisada, sem saber o que fazer. Deveria sair? Pedir desculpas? Fingir que era invisível, como Dona Matilde aconselhara?
Luigi franziu o cenho, seus olhos finalmente pousando sobre ela, parada ali como uma estátua assustada no meio de sua biblioteca. Não houve reconhecimento, apenas uma leve surpresa, rapidamente substituída por irritação. Ele claramente não esperava encontrar ninguém ali.
“Onde está? Não consigo encontrar a maldita pasta azul!” A voz dele era grave, ríspida, não dirigida a ela especificamente, mas ao ar, à frustração do momento.
Antes que Jessica pudesse pensar em responder (ou fugir), ele deu um passo largo para dentro da biblioteca, em direção à mesa. Seus olhos varreram a superfície e ele soltou um grunhido de impaciência. No movimento brusco, seu cotovelo esbarrou numa pequena pilha de documentos que Jessica havia cuidadosamente alinhado na borda da mesa. Os papéis esvoaçaram, espalhando-se pelo chão como folhas secas.
“Droga!” ele praguejou, passando a mão pelos cabelos, a irritação transformando-se em fúria contida.
Num impulso, sem pensar nas ordens de Dona Matilde sobre invisibilidade, Jessica se abaixou rapidamente para ajudar a recolher os papéis. Era seu instinto – ajudar, consertar. Seus dedos ágeis juntavam as folhas espalhadas pelo tapete persa.
Luigi, surpreendido pela ação inesperada da empregada, também se abaixou. Por um instante fugaz, seus rostos ficaram próximos, muito próximos. Jessica ergueu os olhos assustados e encontrou o olhar dele. E então, algo aconteceu. A irritação nos olhos castanhos pareceu vacilar, dando lugar a uma faísca de... surpresa? Curiosidade? Ele pareceu notá-la de verdade pela primeira vez – não a funcionária, mas a mulher, o rosto corado, os olhos grandes e expressivos, a respiração suspensa.
O tempo pareceu congelar naquele milésimo de segundo. O cheiro do perfume caro dele misturou-se ao cheiro suave do produto de limpeza nas mãos dela. O coração de Jessica batia descompassado , um misto de medo e algo totalmente novo e desconcertante.
Os dedos deles se roçaram enquanto ambos alcançavam a mesma folha de papel. Um toque mínimo, quase imperceptível, mas que enviou um choque elétrico inesperado pelo corpo de Jessica. Ela recolheu a mão como se tivesse tocado em fogo, o rosto queimando ainda mais.
Luigi também pareceu sentir. Endireitou-se abruptamente, a máscara de impaciência voltando a se assentar em seu rosto, talvez ainda mais dura que antes, como se para afastar qualquer sensação indesejada. Pegou os papéis que Jessica havia juntado e os que ele mesmo recolhera, sem uma palavra de agradecimento. Seus olhos encontraram os dela por mais um breve segundo, agora frios, distantes.
Ele localizou a pasta azul que procurava, semi-escondida sob um livro maior, pegou-a e, sem sequer um olhar para trás, saiu da biblioteca com a mesma rapidez com que entrara, deixando Jessica sozinha no silêncio imponente do cômodo.
Ela ficou ali, parada, a respiração ofegante, o coração martelando no peito. O cheiro dele ainda pairava no ar. O calor do toque acidental ainda formigava em seus dedos. Dona Matilde estava certa. O Sr. Luigi Calegari era exigente, importante e... intenso. Assustadoramente intenso.
Mas naquele breve instante, naquele encontro inesperado de olhares, Jessica sentiu algo mais. Algo que a deixou perturbada, confusa e, estranhamente, com uma pontada de curiosidade sobre o homem poderoso e inacessível que era seu novo patrão. Sacudiu a cabeça, tentando afastar a sensação. Tinha um trabalho a fazer, uma vida a construir. Não podia se dar ao luxo de se distrair com o brilho perigoso nos olhos do CEO. Ou podia?
O primeiro dia estava longe de terminar, mas Jessica já sabia que trabalhar naquela casa seria muito mais complicado do que imaginara.
As semanas seguintes ao primeiro e turbulento encontro com Luigi se desenrolaram numa rotina cuidadosamente orquestrada por Dona Matilde. Jessica aprendeu rapidamente os meandros daquela mansão gigantesca, que mais parecia um palácio silencioso e frio. Sua eficiência e discrição logo lhe renderam um aceno de aprovação da rígida governanta, o que, no universo daquela casa, equivalia a um grande elogio.Jessica se esforçava ao máximo para seguir o conselho principal de Dona Matilde: ser invisível. Movia-se pelos corredores como uma sombra, focada em suas tarefas, evitando cruzar o caminho do patrão. Mas Luigi era o sol em torno do qual aquele pequeno universo girava; evitar sua presença por completo era impossível.Os encontros eram breves, fortuitos, mas carregados de uma tensão que deixava Jessica com o coração aos pulos e as mãos úmidas. Um cruzar de olhares no corredor principal – ele a caminho de seu escritório, o rosto fechado em preocupações que pareciam pesar toneladas, ela
A imagem das mãos fortes de Luigi amparando sua cintura, o calor daquele toque inesperado na sala de música, tornou-se uma constante nos pensamentos de Jessica . Os dias que se seguiram foram marcados por uma hiperconsciência da presença um do outro. O ar entre eles vibrava com uma eletricidade contida, uma pergunta silenciosa que nenhum dos dois ousava fazer, muito menos responder.Jessica redobrou os seus esforços para ser a funcionária perfeita e invisível que Dona Matilde tanto prezava. Mantinha os olhos baixos quando cruzava com o patrão nos corredores, respondia às suas raras perguntas com monossílabos profissionais e focava obsessivamente na limpeza de cada canto daquela mansão fria e imponente. Mas era uma batalha perdida. Cada vez que ele entrava em um cômodo onde ela estava, o seu corpo reagia antes que a sua mente pudesse comandar: o coração acelerava, as mãos ficavam úmidas, a respiração prendia na garganta. Era desesperador. Era perigoso.Luigi, por sua vez, parecia trava
Aquele breve momento de paz compartilhada no salão, o calor do chá de camomila e a vulnerabilidade inesperada nos olhos de Luigi Calegari, tornaram-se um bálsamo para a alma de Jessica Souza. Nos dias seguintes, ela flutuou em uma nuvem de esperança frágil. Talvez, apenas talvez, houvesse uma rachadura naquela armadura de CEO implacável. Talvez ele a visse como mais do que apenas uma funcionária. Ela se pegava sorrindo discretamente enquanto lustrava a prataria, o coração um pouco mais leve, antecipando, mesmo que secretamente, outro vislumbre do homem por trás do nome.Mas a realidade do mundo Calegari era um choque térmico, e ele veio rápido e brutal.Luigi parecia ter acordado no dia seguinte lamentando profundamente qualquer lapso de controle. A porta que ele entreabriu na noite anterior foi fechada, trancada e barricada. A mudança foi tão abrupta que deixou Jessica desnorteada. Onde antes havia olhares prolongados e interações carregadas de subtexto, agora havia um muro de gelo.
A semana que antecedeu o famoso baile de caridade da Fundação Moretti envolveu a mansão Calegari numa atmosfera de tensão contida. Dona Matilde, normalmente a personificação da calma eficiente, parecia ter um nó extra de severidade em seu coque habitual. Cada superfície tinha que brilhar com um esplendor ainda maior, cada almofada devia estar perfeitamente alinhada. O nome "Moretti" era sussurrado nos cantos pelos poucos funcionários com quem Jessica tinha alguma interação, sempre acompanhado de olhares significativos na direção do escritório de Luigi.Jessica sentia a aproximação do evento como uma nuvem de tempestade pessoal. O nome "Isabella Moretti", ouvido naquela conversa na sala de visitas, ecoava em sua mente como um prenúncio de algo que ela não queria enfrentar. Tentava se concentrar em suas tarefas, polindo a mesma peça de prata repetidas vezes, mas sua imaginação desenhava o rosto da mulher que, segundo Dona Eleonora, era a "companhia perfeita" para Luigi. Linda, rica, sof
Os meses que se seguiram ao baile da Fundação Moretti solidificaram o relacionamento de Luigi Calegari e Isabella Moretti aos olhos do público e, aparentemente, dentro das paredes da mansão. Isabella era uma presença constante, suas visitas tornaram-se rotina, seus pertences começaram a ocupar discretamente espaços nos aposentos de Luigi – um lenço de seda esquecido sobre uma poltrona, um perfume floral caro que se misturava ao amadeirado de Luigi, criando uma combinação que embrulhava o estômago de Jessica.Jessica, por sua vez, havia construído uma muralha ao redor de seu próprio coração. A dor ainda estava lá, uma brasa latejante sob as cinzas da resignação, mas ela se concentrava ferozmente em seu trabalho, em manter a discrição e a eficiência que lhe garantiam o emprego. Observava Luigi de longe, notando as olheiras mais escuras sob seus olhos, a tensão permanente em seus ombros que nem mesmo a presença constante da "noiva perfeita" parecia aliviar. Ele continuava distante, profi
A suspeita, uma vez plantada, fincou raízes profundas na mente de Jessica. A imagem de Luigi, tenso e preocupado com os negócios da "Innovare Participações" e com a família Moretti, assombrava seus pensamentos. A dor de seu próprio coração ferido começou a ceder espaço para um novo tipo de angústia – o medo de que o homem que ela, apesar de tudo, ainda amava em segredo, estivesse caminhando para uma armadilha.Com uma determinação recém-descoberta, Jessica transformou sua rotina de trabalho em uma discreta operação de vigilância. Seus olhos, antes focados em evitar o patrão e sua noiva, agora estavam mais alertas do que nunca, captando detalhes que antes passariam despercebidos. A limpeza do escritório de Luigi, dos quartos de hóspedes que Isabella por vezes utilizava, ou das áreas comuns após as visitas da família Moretti, tornou-se uma oportunidade para observar, para escutar, para tentar encontrar qualquer peça que se encaixasse no quebra-cabeça perturbador que se formava em sua ca
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A noite em que Jessica ouviu a conversa incriminadora entre Isabella e Giovanni Moretti foi a mais longa de sua vida. O sono foi uma miragem distante, substituído por um turbilhão de medo, raiva e uma urgência desesperada. As palavras deles – "fase três da Vértice", "transferências", "Calegari não poderá fazer nada" – ecoavam em sua mente como um sino fúnebre. Luigi estava sendo metodicamente enganado, e ela, uma simples empregada, era a portadora solitária daquela verdade explosiva.Ao amanhecer, a exaustão se misturava com a ansiedade. Não podia ficar parada. Precisava, de alguma forma, alertar Luigi, mesmo que isso significasse arriscar tudo. Mas como? Chegar para o grande empresário Luigi Calegari e dizer "Sua noiva e o pai dela são golpistas" era impensável. Ele a esmagaria como um inseto, influenciado por Isabella, que certamente a pintaria como uma louca mentirosa e invejosa. Precisava de algo mais, uma fagulha de prova, por menor que fosse, para dar peso às suas palavras.Lembr