A semana que antecedeu o famoso baile de caridade da Fundação Moretti envolveu a mansão Calegari numa atmosfera de tensão contida. Dona Matilde, normalmente a personificação da calma eficiente, parecia ter um nó extra de severidade em seu coque habitual. Cada superfície tinha que brilhar com um esplendor ainda maior, cada almofada devia estar perfeitamente alinhada. O nome "Moretti" era sussurrado nos cantos pelos poucos funcionários com quem Jessica tinha alguma interação, sempre acompanhado de olhares significativos na direção do escritório de Luigi.
Jessica sentia a aproximação do evento como uma nuvem de tempestade pessoal. O nome "Isabella Moretti", ouvido naquela conversa na sala de visitas, ecoava em sua mente como um prenúncio de algo que ela não queria enfrentar. Tentava se concentrar em suas tarefas, polindo a mesma peça de prata repetidas vezes, mas sua imaginação desenhava o rosto da mulher que, segundo Dona Eleonora, era a "companhia perfeita" para Luigi. Linda, rica, sofisticada. Um mundo de distância dela.
A materialização de seus temores aconteceu numa tarde fria e cinzenta, dois dias antes do baile. Um carro esportivo caríssimo, de um vermelho vibrante que contrastava absurdamente com a sobriedade da mansão, parou ruidosamente na entrada principal. Dona Matilde correu para receber a visita, a postura mais rígida do que nunca. Jessica, que estava limpando os vidros do hall de entrada, viu quando a porta do carro se abriu.
Dela desceu Isabella Moretti.
Era ainda mais bonita do que Jessica imaginara, de uma beleza fria e impecável. Alta, esguia, com longos cabelos loiros perfeitamente penteados e olhos azuis calculistas. Vestia um conjunto de alfaiataria bege que provavelmente custava mais do que Jessica ganhava em seis meses, e carregava uma bolsa de grife com a naturalidade de quem nasceu para aquilo. Exalava um ar de confiança, de quem sabe que o mundo lhe pertence e se curva à sua passagem.
Jessica encolheu-se instintivamente perto da parede, sentindo-se desajeitada e invisível em seu uniforme simples. Isabella passou por ela sem sequer registrar sua presença, o nariz ligeiramente empinado, seguindo Dona Matilde em direção à sala de estar, onde Luigi já a esperava.
O coração de Jessica apertou dolorosamente. Uma onda de ciúme – intenso, irracional e totalmente inesperado – a atingiu com força física, seguida por uma sensação avassaladora de inadequação. “Então é ela...”, pensou, a garganta seca. “Claro. Faz todo o sentido. São do mesmo mundo.”
Por um breve momento, conseguiu observar a interação entre Luigi e Isabella antes que Dona Matilde fechasse parcialmente as portas da sala. Luigi estava de pé, um sorriso polido no rosto – um sorriso que não alcançava seus olhos, Jessica notou. Ele cumprimentou Isabella com um beijo no rosto, formal e distante. Começaram a conversar, as vozes baixas e indistintas, mas Jessica podia imaginar o teor: o baile, as famílias, os negócios. Pareciam um casal de capa de revista, perfeitos em sua elegância calculada.
Mas Jessica, que havia vislumbrado a vulnerabilidade por trás da máscara de Luigi, percebia a rigidez em seus ombros, a maneira quase imperceptível como ele evitava o olhar direto de Isabella por mais tempo que o necessário. Ele estava representando um papel, e parecia custar-lhe caro.
Isabella, por outro lado, parecia completamente à vontade. Riu de algo que ele disse – uma risada clara, mas que soou um pouco metálica aos ouvidos de Jessica. Gesticulava com elegância, tocando o braço de Luigi ocasionalmente com uma familiaridade possessiva.
Num desses momentos, o olhar de Luigi desviou-se por uma fração de segundo em direção ao hall, encontrando os olhos de Jessica que ainda o observavam pela fresta da porta. Foi um relance rápido, quase imperceptível, mas carregado de uma complexidade que a deixou confusa. Havia irritação? Arrependimento? Um aviso silencioso para que ela desaparecesse? Antes que pudesse decifrar, ele voltou a atenção para Isabella, a máscara de afabilidade recomposta.
Sentindo-se uma intrusa e com o rosto queimando de vergonha e dor, Jessica se afastou dali, refugiando-se na copa. Encostou-se na parede fria, tentando controlar a respiração e as lágrimas teimosas que ameaçavam escapar. Era tolice sentir aquilo. Ela não tinha direito algum sobre Luigi Calegari. Mas o coração não entendia de lógica social ou de barreiras intransponíveis. Ele apenas sentia. E naquele momento, sentia uma dor aguda e profunda.
Minutos depois, Isabella passou pela copa a caminho do lavabo. Parou ao ver Jessica ali, encostada na parede, os olhos provavelmente vermelhos. Isabella a mediu de cima a baixo com um olhar frio e avaliador, como se inspecionasse uma peça de mobília defeituosa.
"Você", disse ela, a voz arrastada, com um toque de desdém. "Certifique-se de que o lavabo esteja impecável. E veja se tem toalhas de algodão egípcio novas. Detesto aquelas de algodão comum." Não esperou resposta, apenas continuou seu caminho, deixando para trás um rastro de perfume caro e humilhação.
Jessica engoliu em seco, sentindo o sangue ferver. A ordem disfarçada de pedido era uma clara demonstração de poder, um lembrete de seu lugar naquela hierarquia. Limpou o rosto rapidamente e foi verificar o lavabo, que já estava, como sempre, impecável.
A noite do baile chegou como uma sentença. Jessica viu Luigi descer as escadas, impecável em seu smoking, parecendo uma estrela de cinema. Havia uma resignação sombria em seu olhar enquanto esperava no hall. Logo depois, Isabella chegou, deslumbrante em um vestido longo prateado que brilhava a cada movimento, um sorriso triunfante nos lábios. Saíram juntos no carro com motorista, rumo ao evento que selaria, aos olhos da sociedade, o início de seu relacionamento.
A mansão pareceu ainda maior e mais silenciosa depois que eles partiram. Jessica terminou seu turno sentindo um vazio imenso. No dia seguinte, os sites de fofoca e as colunas sociais estampavam fotos do casal Calegari-Moretti, sorrindo para as câmeras, o epítome da elegância e do poder. "O casal mais comentado da noite", dizia uma legenda. Jessica sentiu o estômago revirar.
Nas semanas seguintes, a presença de Isabella na mansão tornou-se mais frequente. Arranjos de flores caríssimas chegavam para ela, Luigi mencionava jantares e eventos sociais aos quais compareceria com ela. Ele continuava a tratar Jessica com uma frieza polar, uma distância calculada que doía mais a cada dia. Os breves momentos de conexão que compartilharam pareciam pertencer a outra vida, a um sonho impossível do qual ela havia despertado rudemente.
Jessica se sentia cada vez mais sozinha, perdida naquele labirinto de luxo e emoções proibidas. Tentava focar no trabalho, na necessidade de manter o emprego, mas a imagem de Luigi ao lado de Isabella era uma ferida aberta. A dor era uma companheira constante, um lembrete amargo de seu lugar naquele mundo.
Numa noite, porém, enquanto recolhia o lixo da biblioteca tarde da noite, ouviu a voz de Luigi vindo de seu escritório. Ele estava ao telefone, a voz baixa, mas tensa.
"... eu já disse, Isabella, não posso simplesmente cancelar a reunião de amanhã... Não, não é uma desculpa... Entenda, são negócios importantes... Sim, eu sei que prometi... Ok, ok, conversamos depois. Tchau." O tom era de cansaço e irritação contida.
Jessica parou no corredor escuro, o coração palpitando. Seria um vislumbre da realidade por trás da fachada perfeita? O relacionamento com Isabella não era tão harmonioso assim?
Mais tarde, quando já estava de saída, passou novamente pelo corredor do escritório. A porta estava entreaberta. Luigi estava sentado em sua poltrona de couro, de costas para a porta, mas ela podia ver seu reflexo no vidro escuro da janela que dava para a noite. Ele não estava trabalhando. Estava apenas parado ali, olhando para o nada, um copo de uísque quase vazio na mão, a postura curvada sob um peso invisível. Parecia incrivelmente solitário.
A imagem ficou gravada na mente de Jessica. Aquele vislumbre de fragilidade, de possível infelicidade, era uma contradição dolorosa com o casal perfeito que ele e Isabella projetavam para o mundo. Será que ele estava feliz? Ou aquele noivado era apenas mais uma gaiola dourada na qual ele se deixara aprisionar? A pergunta ficou pairando na mente de Jessica, misturando-se à sua própria dor. Aquele jogo de máscaras sociais era mais complexo e talvez mais cruel do que ela imaginava. E ela estava, querendo ou não, bem no meio dele.
Os meses que se seguiram ao baile da Fundação Moretti solidificaram o relacionamento de Luigi Calegari e Isabella Moretti aos olhos do público e, aparentemente, dentro das paredes da mansão. Isabella era uma presença constante, suas visitas tornaram-se rotina, seus pertences começaram a ocupar discretamente espaços nos aposentos de Luigi – um lenço de seda esquecido sobre uma poltrona, um perfume floral caro que se misturava ao amadeirado de Luigi, criando uma combinação que embrulhava o estômago de Jessica.Jessica, por sua vez, havia construído uma muralha ao redor de seu próprio coração. A dor ainda estava lá, uma brasa latejante sob as cinzas da resignação, mas ela se concentrava ferozmente em seu trabalho, em manter a discrição e a eficiência que lhe garantiam o emprego. Observava Luigi de longe, notando as olheiras mais escuras sob seus olhos, a tensão permanente em seus ombros que nem mesmo a presença constante da "noiva perfeita" parecia aliviar. Ele continuava distante, profi
A suspeita, uma vez plantada, fincou raízes profundas na mente de Jessica. A imagem de Luigi, tenso e preocupado com os negócios da "Innovare Participações" e com a família Moretti, assombrava seus pensamentos. A dor de seu próprio coração ferido começou a ceder espaço para um novo tipo de angústia – o medo de que o homem que ela, apesar de tudo, ainda amava em segredo, estivesse caminhando para uma armadilha.Com uma determinação recém-descoberta, Jessica transformou sua rotina de trabalho em uma discreta operação de vigilância. Seus olhos, antes focados em evitar o patrão e sua noiva, agora estavam mais alertas do que nunca, captando detalhes que antes passariam despercebidos. A limpeza do escritório de Luigi, dos quartos de hóspedes que Isabella por vezes utilizava, ou das áreas comuns após as visitas da família Moretti, tornou-se uma oportunidade para observar, para escutar, para tentar encontrar qualquer peça que se encaixasse no quebra-cabeça perturbador que se formava em sua ca
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A noite em que Jessica ouviu a conversa incriminadora entre Isabella e Giovanni Moretti foi a mais longa de sua vida. O sono foi uma miragem distante, substituído por um turbilhão de medo, raiva e uma urgência desesperada. As palavras deles – "fase três da Vértice", "transferências", "Calegari não poderá fazer nada" – ecoavam em sua mente como um sino fúnebre. Luigi estava sendo metodicamente enganado, e ela, uma simples empregada, era a portadora solitária daquela verdade explosiva.Ao amanhecer, a exaustão se misturava com a ansiedade. Não podia ficar parada. Precisava, de alguma forma, alertar Luigi, mesmo que isso significasse arriscar tudo. Mas como? Chegar para o grande empresário Luigi Calegari e dizer "Sua noiva e o pai dela são golpistas" era impensável. Ele a esmagaria como um inseto, influenciado por Isabella, que certamente a pintaria como uma louca mentirosa e invejosa. Precisava de algo mais, uma fagulha de prova, por menor que fosse, para dar peso às suas palavras.Lembr
O som estridente do despertador rasgou o silêncio da madrugada, ainda escura e fria. Jessica tateou a mesinha de cabeceira gasta, os dedos encontrando o botão que silenciaria o aparelho barulhento. Cinco da manhã, e a batalha diária estava apenas começando. Sentou-se na cama, o corpo ainda pesado de sono, e esfregou os olhos. Um suspiro escapou de seus lábios enquanto encarava o pequeno quarto alugado, as paredes descascadas testemunhas silenciosas de seus sonhos e dificuldades.“Hoje é o dia. O primeiro dia de verdade”, pensou, um frio percorrendo sua espinha, mistura de ansiedade e uma fagulha de esperança. Esperança de um salário melhor, de poder finalmente ajudar a mãe no interior, talvez até guardar um dinheirinho para... bem, para um futuro que ela mal poderia imaginar.O emprego na mansão do Sr. Luigi Calegari havia caído como uma bênção inesperada. Uma indicação de Dona Lourdes, uma antiga patroa que sempre elogiou sua dedicação. “Ele é exigente, Jessica, muito exigente. Um h
As semanas seguintes ao primeiro e turbulento encontro com Luigi se desenrolaram numa rotina cuidadosamente orquestrada por Dona Matilde. Jessica aprendeu rapidamente os meandros daquela mansão gigantesca, que mais parecia um palácio silencioso e frio. Sua eficiência e discrição logo lhe renderam um aceno de aprovação da rígida governanta, o que, no universo daquela casa, equivalia a um grande elogio.Jessica se esforçava ao máximo para seguir o conselho principal de Dona Matilde: ser invisível. Movia-se pelos corredores como uma sombra, focada em suas tarefas, evitando cruzar o caminho do patrão. Mas Luigi era o sol em torno do qual aquele pequeno universo girava; evitar sua presença por completo era impossível.Os encontros eram breves, fortuitos, mas carregados de uma tensão que deixava Jessica com o coração aos pulos e as mãos úmidas. Um cruzar de olhares no corredor principal – ele a caminho de seu escritório, o rosto fechado em preocupações que pareciam pesar toneladas, ela
A imagem das mãos fortes de Luigi amparando sua cintura, o calor daquele toque inesperado na sala de música, tornou-se uma constante nos pensamentos de Jessica . Os dias que se seguiram foram marcados por uma hiperconsciência da presença um do outro. O ar entre eles vibrava com uma eletricidade contida, uma pergunta silenciosa que nenhum dos dois ousava fazer, muito menos responder.Jessica redobrou os seus esforços para ser a funcionária perfeita e invisível que Dona Matilde tanto prezava. Mantinha os olhos baixos quando cruzava com o patrão nos corredores, respondia às suas raras perguntas com monossílabos profissionais e focava obsessivamente na limpeza de cada canto daquela mansão fria e imponente. Mas era uma batalha perdida. Cada vez que ele entrava em um cômodo onde ela estava, o seu corpo reagia antes que a sua mente pudesse comandar: o coração acelerava, as mãos ficavam úmidas, a respiração prendia na garganta. Era desesperador. Era perigoso.Luigi, por sua vez, parecia trava
Aquele breve momento de paz compartilhada no salão, o calor do chá de camomila e a vulnerabilidade inesperada nos olhos de Luigi Calegari, tornaram-se um bálsamo para a alma de Jessica Souza. Nos dias seguintes, ela flutuou em uma nuvem de esperança frágil. Talvez, apenas talvez, houvesse uma rachadura naquela armadura de CEO implacável. Talvez ele a visse como mais do que apenas uma funcionária. Ela se pegava sorrindo discretamente enquanto lustrava a prataria, o coração um pouco mais leve, antecipando, mesmo que secretamente, outro vislumbre do homem por trás do nome.Mas a realidade do mundo Calegari era um choque térmico, e ele veio rápido e brutal.Luigi parecia ter acordado no dia seguinte lamentando profundamente qualquer lapso de controle. A porta que ele entreabriu na noite anterior foi fechada, trancada e barricada. A mudança foi tão abrupta que deixou Jessica desnorteada. Onde antes havia olhares prolongados e interações carregadas de subtexto, agora havia um muro de gelo.