Um homem de poucas palavras.
Talvez, seja arrogância me referir a mim mesmo dessa forma, mas não preciso mentir. Não quero e nem preciso agradar a ninguém. Não gosto de papo furado, de falar com os outros, ou sobre a vida dos outros, e principalmente, não gosto de ficar jogando conversa fora quando não é necessário.
Pode ser que eu seja novo demais para ser considerado um velho ranzinza, mas definitivamente, o meu espírito está indo nessa direção. E, honestamente? Eu não me importo.
Os diretores mais famosos do cinema mundial também são os mais excêntricos. Se é esse o caminho que eu quero seguir, não há por que fingir simpatia e tentar ser alguém diferente do que eu sou. Ser antissocial é uma arte e, modéstia à parte, eu a domino muito bem.
Esse é o discurso mental que faço todos os finais de semana para me convencer de evitar a família italiana, barulhenta e fofoqueira que tenho. Pelo menos, sem sentir muita culpa por estar fazendo isso, pois tenho que considerar o dramalhão que mamma faz sempre que nós nos encontramos.
Não que eu não ame toda a minha família, dona Elena e seu Lorenzo, principalmente. Eu os amo, de verdade. Mas sempre que posso, evito estar presente às festas e nos encontros intermináveis. Quando quero encontrá-los, vou de pouco em pouco, geralmente é mais seguro para a minha sanidade e para o status de solteiro que eu gosto muito de manter.
É exatamente por isso, que eu estou com a Roxy, meu carro e único amor da minha vida, dirigindo para longe da comemoração de aniversário de mais um bambino distante, na qual mamma acha que precisamos marcar presença. Se é um primo de segundo grau, pra mim, já não é mais família e não é como se eu não tivesse também muita opção.
Ok, eu posso me sentir mais culpado do que deixo transparecer. Porém, é algo que eu não posso evitar. Por isso, estou nos últimos minutos, tentando me convencer nesse monólogo ridículo, enquanto dirijo rapidamente, deixando os pedestres e as casas milionárias para trás.
As ruas de Los Angeles são impressionantes à noite.
Mesmo eu, que nasci aqui e estou acostumado com todo o glamour e grandiosidade da cidade, me sinto impressionado. Principalmente, quando saio tarde da noite, acelero pela freeway sem pensar em mais nada, especialmente no amanhã.
— Olha só, quem é vivo sempre aparece! — Zion diz alto, chamando atenção de meia dúzia de homens e mulheres que estão ao seu redor, assim que paro o carro.
— Se soubesse que estaria aqui, não viria. — respondo, mas caminho em sua direção para cumprimentá-lo.
Zion é um dos meus amigos mais antigos. Estudamos juntos e cada um seguiu seu curso, mas sempre que nos encontramos parece que a última vez em que nos encontramos foi ontem. E, como sempre, ele consegue ser um pé no saco em todas as ocasiões. Com a mão na cintura de uma loira bem bonita, ele estende a outra mão para mim, que a aperto com força, antes de analisar o local.
A rua parcialmente vazia no subúrbio da cidade, perto do deserto, é perfeita para o que fazemos e, se eu não estou errado, Saito comprou todas as autoridades, por isso elas não passam nem perto daqui. Procuro pelo asiático e não o encontro em lugar nenhum, só quando constato que ele realmente não está aqui e me mandou no seu lugar é que consigo relaxar.
— Achei que estaria se preparando entre livros e documentários insuportáveis, para a sua grande estreia. — ele brinca, e eu reviro os olhos, aceitando a cerveja que alguém me ofereceu.
— Não preciso disso.
— Falante, como sempre… — ele ironiza, antes de se afastar e começar a caminhar, indicando para que eu vá ao seu lado. Assim que ficamos sozinhos ele continua com o inquérito, sem me dar a chance de recusar responder às suas perguntas — Jurava que não te encontraria mais aqui. Não tinha parado com essa merda?
— Parei. — respondo com sinceridade, mas Roxy chama atenção demais para que eu não complete a sentença e, mesmo a contragosto, me explico — Logo acabo de pagar essa merda de dívida e aí, você nunca mais vai me ver.
— Então, você realmente virou um homem decente agora. Quem te viu, quem te vê, Romano. — ele brinca, mas não consegue tirar a minha paz. Quase nada consegue, na verdade. Talvez, seja por isso que eu sou tão bom nas corridas, a ponto de não me deixarem sair.
— Apenas estou focado em outras coisas, nada demais.
— Então, quer dizer que estar atrás das câmeras de um filme, que provavelmente será bastante assistido por ter aquele merdinha, não é nada demais? — ele b**e no meu ombro, tentando arrancar mais informações, porém, ainda não tenho muito para dizer.
Fui escalado.
Consegui a oportunidade.
Começo em breve.
Nada demais.
— Ainda não sei de muita coisa. Só, é claro, que terei de filmar aquele atorzinho chiliquento, vou ganhar vinte e cinco dólares a hora e que se me destacar e fizer as conexões certas, posso crescer na indústria. Satisfeito com o relatório, ou quer saber quantas vezes eu vou ao banheiro cagar também? — respondo, e ele confirma com a cabeça.
— Dispenso esses detalhes, obrigado. — o sorrisinho no seu rosto é irritante, mas também acolhedor, por isso, continuo caminhando ao seu lado.
No fim das costas, esse otário é mesmo meu amigo, quando precisei, ele intercedeu por mim. Só espero que quando ele vá cobrar que eu faça o mesmo, não seja para lhe tirar da cadeia.
Entramos na casa de apostas e fico impressionado com como a casa está cheia. Geralmente, aos sábados, o lugar fica movimentado, mas não tanto quanto hoje. Por isso, presto atenção para saber se há alguém novo no lugar e não erro o palpite. Um homem sem camisa, completamente tatuado, está encostado em um Maverick verde, modificado, estalando os dedos e olhando com cara de mau para todo mundo. Se ele precisa disso para intimidar os outros, quer dizer que não é tão bom quanto quer transparecer.
Um completo babaca.
Se acha que é isso que fará com que eu tenha medo e desista, está muito enganado. Estou tão perto de pagar essa merda de dívida que não me importo nem um pouco de competir com alguém novo.
Talvez, seja até mais emocionante.
— Eu até iria falar sobre ele, mas você já notou o Dixon e, pelo sorrisinho sádico em seu rosto, posso presumir que não ficou com medo de perder.
— Nunca tenho medo de perder. — respondo, dando de ombros.
— Ele é foda. Toma cuidado. — seu alerta me faz rir.
— Eu sou foda, Zion. Ele pode ser também, mas tenho certeza de que sou mais. — a arrogância na minha voz reverbera e estou certo de que o idiota do outro lado ouviu o que eu disse. Foda-se. Mais emoção para a corrida.
Me cadastro em nome do Saito, que já tinha deixado a bolada paga, mesmo sem ter aparecido e volto para Roxy, ansioso para pisar no acelerador. Se ganhar essa, ficará faltando ainda menos dinheiro nessa dívida idiota, e é por isso que me esforço ao máximo para ter sucesso. Sei que sou bom, sei que quase ninguém consegue me derrotar e sei que tenho um carro foda. No fim, talvez, mesmo quando eu me vir livre dessa obrigação, continue correndo.
Nunca se sabe o dia de amanhã.
Assim que entramos na fila, a gostosa de short curto deixa o tecido cair e eu acelero, deixando para trás meia dúzia de babacas que vão perder um dinheiro alto.
No fim, dentro do carro, eu sei quem eu sou. E aqui, ninguém consegue me parar.