CAPÍTULO 1 - LIA REED

Atravesso o aeroporto praticamente correndo, com a certeza de que esse é, cada vez mais, um péssimo retorno. Quem diria que meu avião precisaria fazer um pouso forçado por conta de um mau tempo, no interior da Carolina do Norte, e que agora eu estaria correndo como louca para achar o meu novo portão, para embarcar em outra aeronave, que sai nos próximos oito minutos?

Ok, todo mundo diria.

Karma, meus amigos, é um companheiro de longa data, e posso dizer com propriedade que ele adora pegar no meu pé.

Consigo chegar na última chamada, completamente sem fôlego, e entregar a passagem e o passaporte para a aeromoça que me atende feliz. Passamos pelos trâmites, rolo a minha mala verde água pelo túnel e quando, finalmente, eu me sento, consigo respirar. Essa foi por pouco. Assim que o avião decola, chamo descontroladamente pela aeromoça para pedir algo para comer. Com esse rombo no estômago, poderia comer até ovo podre, se só tivesse isso disponível, mas escolho um lanche com uma cara de comível, para tentar aplacar a fome pelas próximas horas, enquanto me aprumo na poltrona acompanhada do meu mais novo romance clichê no Kindle.

Graças a Deus estou vestindo um moletom bem confortável, porque não sei se aguentaria ficar mais algumas horas com um jeans, por exemplo.

Uma criança me olha fixamente com a boca escancarada e eu mal consigo esconder uma gargalhada.

Ok, lindinho, sei que eu não estou comendo graciosamente, mas fazer o quê? Estou com fome. Seu pai, cansado das suas interrupções, se vira para ver o que tanto chamou a atenção do seu filho e eu ergo as sobrancelhas, como um cumprimento. “E aí, meu chapa, eu tô te vendo. Encarar é falta de educação, sabia?” Dou mais uma mordida, dando de ombros. No meio de uma mastigada bastante mal-educada, vejo um flash em minha direção. Olho para o pestinha que tem o olhar culpado e um celular em mãos. Droga! Só me falta aparecer nos Instagrams de fofoca com a boca cheia, toda amassada e cabelos desgrenhados, em um voo doméstico, no interior do país. Simplesmente, não tinha como ficar melhor.

Volto a devorar as minhas páginas, tentando comer com mais compostura e até penteio os meus cabelos com os dedos, tentando parecer mais normal. Infelizmente, ele já teve a sua foto comprometedora e eu não posso fazer mais nada quanto a isso. Pelo menos, não tenho ninguém ao meu lado, se não, já iriam começar a falar sobre o próximo namorado de Lia Reed. Esse povo adora falar disso, nem me deixam esquecer daqueles embustes em paz. Reviro os olhos só de me lembrar e um arrepio cruza pelo meu corpo.

O pouso foi tranquilo, graças aos deuses, e consigo localizar a plaquinha com o meu nome escrito nas mãos de uma moça simpática. Abro um sorriso e vou em sua direção, louca para cair em uma cama, seja ela onde for. 

— Lia! Como vai, querida? Eu sou Jane Collins, a corretora que a sua equipe contratou para conseguir o apartamento perfeito para você. — ela se apresenta, me estendendo a mão, e eu preciso me lembrar de que dar dois beijinhos, aqui nos Estados Unidos, é a maior falta de respeito e sem-vergonhice.

Novos hábitos para a velha Lia, ok, já entendi.

— Agora que finalmente cheguei, estou bem. — digo, com uma pontada de dor e ansiedade na voz — Me conte, por favor, que você conseguiu um apartamento perfeito para mim e que eu vou ter um teto e uma cama para hoje. Não consigo imaginar enfrentar um hotel e, logo em seguida, uma mudança. Acho que simplesmente vou começar a chorar.  — dramatizo um pouco, com a esperança de ela ter entendido o meu sofrimento e como ter o meu próprio espaço é importante pra mim.

— Claro que você terá o seu espaço, querida, é uma honra conseguir um teto para Lia Reed. — Jane responde, me ajudando com o carrinho carregado de malas — Você vai amar! É um pequeno paraíso, perfeito, em West Hollywood. Muito próximo ao set, próximo à Beverly e tem uma vida noturna incrível.

— Ainda bem! Sei como essa cidade pode ser caótica, não quero pegar o trânsito interminável todos os dias para ir ao estúdio. — digo, abaixando os meus óculos escuros e saindo para o calor de Los Angeles.

Respiro fundo, observando o fim de tarde com o seu característico céu cor de rosa, as palm trees[1] e todo o fluxo de turistas. Por mais que eu não queira admitir, senti muita falta desse lugar. Los Angeles é uma cidade surpreendente, não há como negar.

— Pronta? — ela pergunta, indicando um carro estacionado de uma forma completamente ilegal, que suponho que seja o seu.

— Nasci pronta. — digo, com uma pontinha de receio na voz.

Será que nasci mesmo?

Acomodamos as malas em seu Troller amarelo e saímos com a capota abaixada e, mesmo se tudo aqui for uma droga, pelo menos, voltei para LA. Vou olhando pela saída do LAX[2] e tudo parece tão grande, como se eu mal reconhecesse a cidade. Procuro por apenas alguns segundos e encontro, à minha direita, o letreiro mais famoso do mundo, The Hollywood sign.

Lia, isso é loucura! Será que você deveria ter voltado?

Tudo parece tão grande, tão brilhante… vamos percorrendo as ruas, entrando em Downtown LA, e a cidade parece realmente mudar de ares. Os bairros familiares, planos e cheios de casas deslumbrantes, são substituídos por prédios altos, pessoas andando para todos os lados apressadas e meu coração se acelera. Essa cidade é perfeita! Não tem outra explicação ou adjetivo. Tudo o que você quiser, você encontra aqui. Simples assim. 

Entramos em Beverly Hills por um atalho e me encolho um pouco. Pareço tão pequena e insignificante perto das mulheres esbeltas e elegantes que andam com suas sacolas por aqui. Todo mundo parece tão famoso, tão incrível… e eu sou apenas uma forasteira, mesmo que minha certidão de nascimento diga o contrário.

No Brasil, sempre fui muito americana para ser considerada brasileira, aqui, sou muito brasileira para ser considerada americana.

Onde será que eu me encaixo?

***

— Jane, esse espaço é perfeito! PER-FEI-TO. Lindo, incrível, arejado. Tem plantas! — exclamo, impressionada — Parece um oásis no meio da cidade, muito melhor do que pela internet.

— Sabia que você iria gostar. — ela responde, parecendo muito satisfeita consigo mesma. 

Minha nova casa, pelos próximos seis meses, no mínimo, é maravilhosa. As paredes claras ornam muito bem com os móveis de madeira escura, deixando tudo aconchegante. O formato loft é perfeito para quem mora sozinho, e eu já consigo me imaginar sentada na poltrona perto da janela, com um café preto quente, decorando o meu texto.

Transito pelos móveis que estão dispostos perfeitamente, já me imaginando vivendo aqui. A cozinha é toda em inox, com os melhores equipamentos, isso me deixa praticamente saltitante, e a TV, digna de cinema, quase me faz chorar. É uma casa perfeita e, com os meus toques coloridos na decoração, tenho certeza de que ficará a minha cara.

— Perfeito Jane! Onde preciso assinar? — digo emocionada. Mesmo com o voo conturbado, consegui um lugar muito bom, então, esse início não foi um verdadeiro desastre.

Cuido das tramitações, louca por um banho e pela minha cama. A casa em si é simples, clara e serena. Um lugar moderno, mas que transmite paz. Com esse pensamento, abro a minha mala, em sua confusão de cores, pego minha nécessaire, uma camiseta enorme dos Beatles e vou direto pro banho.

Me olho no espelho, vendo a confusão de olheiras e o ninho de gato do meu cabelo loiro. Abro um sorriso debochado para a minha versão refletida ali e pisco um dos meus olhos verdes. Com certeza, não estou nos meus melhores momentos.

Esse bagaço é a musa teen do Brasil. Aceita que dói menos!

Estreio o chuveiro com a estranha sensação que sempre tenho ao vir para os EUA. Por que precisamos pisar dentro da banheira para tomar uma chuveirada? Meu sabonete de morango tem o cheirinho de casa e respiro feliz, quando finalmente consigo relaxar sob a água morna. Depois de lavar os cabelos, sinto os meus músculos moídos. Eu preciso mesmo dormir!

Me jogo com tudo na cama, sentindo os olhos pesados antes mesmo de conseguir chegar ao celular em busca de algo novo. Tudo pode ficar para amanhã, conversar com a minha mãe, responder algum amigo, falar com o diretor, Justin Fletcher, ou com a minha assessora de Relações Públicas, Camila, contratar um novo segurança e resolver qualquer próximo problema. Eles nunca param de aparecer mesmo.

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