Capítulo 4
Ester Rossini
Depois de sair da casa do senhor Bernard, passei em uma loja de conveniência e comprei algumas coisas de que precisaria para a noite. Depois disso, fui direto para casa. Ao chegar, deixei minhas coisas sobre a mesa da sala e segui para o quarto, já removendo minhas roupas, ficando nua e tirando minha máscara.
Me olhei no espelho, vendo a cicatriz que Kate fez em mim naquele dia. Suspirei, desviei o olhar e entrei no box, ligando o chuveiro. Sentia-me péssima por ter de esconder meu rosto das pessoas, mas essa era a melhor solução, já que eu não queria ver a reação de surpresa ou desprezo delas.
Tomei um bom banho e coloquei uma roupa leve. Preparei uma massa e me estirei no sofá, ligando a televisão e ficando bem à vontade. Deixei em um canal de drama e fiquei assistindo até chegar a hora de dormir.
Ao amanhecer, me arrumei para o trabalho e, voltando a colocar a minha máscara, peguei meu capacete e segui até minha moto, com uma mochila nas costas. Subi na moto e dei partida, indo para a casa do modelo. Ao chegar, estacionei e entrei na casa, sendo recebida pelas empregadas. Subi as escadas e fui para o quarto dele.
Como eu já imaginava, ele ainda estava dormindo. E olha que surpresa, novamente? Ele estava nu, sem coberta alguma sobre o corpo. Desviei o olhar e fui até as cortinas, abrindo-as novamente e o ouvindo resmungar outra vez.
— Está na hora de acordar, senhor Bernard. Sua agenda hoje começa cedo. Agora de manhã tem o ensaio do desfile para o comercial de bermudas, que já será filmado. Isso ocupa a manhã inteira e, à tarde, o senhor tem outra sessão de fotos e também um encontro com o produtor de um drama, que pediu uma participação especial do senhor — disse tudo de uma vez, vendo-o sentar e cobrir a cintura.
— Eu tenho de fazer tudo isso hoje? Você não pode parcelar a minha agenda? — questionou, mexendo nos cabelos. Dei um sorriso, sabendo que ele não poderia ver.
— Não existem parcelas no trabalho, senhor Bernard. Agradeça por ter a aparência que tem e por ter tantos compromissos como este — disse, vendo-o me olhar. — O senhor tem cinco minutos. Nos encontramos na cozinha — completei, dando as costas para ele.
Cheguei à cozinha e pedi que preparassem um café da manhã balanceado para ele e o servissem, pois logo ele estaria ali. Enquanto esperava, fiquei olhando a agenda dele e verificando os e-mails que havia recebido. Alguns eram das fotos que ele havia tirado no dia anterior. Fiz a seleção das melhores para colocar na revista.
Cinco minutos se passaram e, quando eu ia subir para chamá-lo, vi-o descendo as escadas, um pouco pensativo. Só espero que ele não queira remover minha máscara outra vez.
— Bom dia, senhorita Rossini. Seria pedir muito para que não me acorde daquela forma todas as manhãs? — questionou ao se sentar.
— Esteja acordado antes de eu chegar aqui e isso será evitado. Não espere de mim um balancinho com cochichos no ouvido ou beijinhos. Não somos íntimos e não pretendo pegar leve só porque o senhor decidiu que quer dormir mais do que deve — respondi, sem olhá-lo. Sabia que estava conseguindo o seu ódio e, de certa forma, me sentia bem com isso.
— Você é uma mulher fria. Me pergunto se essa sua frieza tem alguma coisa a ver com o fato de esconder o rosto com essa máscara — disse, e finalmente o olhei.
— Não vamos voltar a esse assunto, sim? Não irei remover minha máscara e o senhor não precisa conhecer meu rosto. Estou aqui para trabalhar, não para me tornar sua amiga — respondi, vendo-o sorrir maliciosamente.
— Talvez eu queira que você se torne mais do que uma amiga… talvez uma amante — disse, rouco. Senti um arrepio percorrer meu corpo, mas me obriguei a ignorar e a responder:
— Isso não vai acontecer. Termine seu café e vamos logo — pedi, já o deixando sozinho e seguindo até o carro que nos levaria à sessão do desfile das bermudas.
Ao chegar ao local, ele foi levado para seu camarim, onde as mulheres o maquiaram, trocando conversinhas maliciosas. Depois que ele se trocou, fiquei apenas observando seu trabalho. Ele era muito bonito, e isso eu não podia negar.
O pequeno desfile começou. Ele vinha usando apenas uma bermuda e tênis, deixando o abdômen exposto e fazendo as mulheres suspirarem. Ele me atraía também, mas eu sabia que seu interesse por mim desapareceria assim que visse meu rosto. Por isso, eu nem me preocupava em tentar entrar no páreo junto com essas loucas.
Tudo o que eu podia fazer ali era auxiliá-lo em seu trabalho. Trabalho esse que um dia eu sonhei para mim, mas que nunca poderia ter, até que conseguisse consertar meu rosto.
Samuel Bernard
Novamente fui acordado por aquela mulher misteriosa. Após suas ordens, tomei um banho e desci as escadas, tentando argumentar para ver se ela podia parar de me acordar daquela forma, o que não deu muito certo. O jeito seria surpreendê-la e acordar antes dela, o que talvez fosse impossível, já que eu estava acostumado a dormir demais.
Após chegar ao local do desfile e me preparar no camarim, comecei a desfilar, trocando bermudas e calçados durante o ensaio. Enquanto desfilava, meus olhos iam até ela. Ester estava ao fundo, apenas observando, e seus olhos brilhavam cada vez que um flash disparava ou quando eu recebia novas ordens. Era como se ela desejasse estar em meu lugar.
Após o desfile ser filmado para o comercial de bermudas, voltei para o camarim usando um robe e me sentei no sofá para descansar um pouco. Logo comecei a ouvir comentários baixos das pessoas envolvidas no projeto, principalmente mulheres, falando sobre mim.
Deixei um sorriso malicioso se formar em meus lábios e permaneci ouvindo os cochichos, calmamente, como se estivesse ocupado com alguma coisa. Sabia que elas gostavam de mim e do meu trabalho, mas o que me chamou atenção foi quando começaram a falar sobre Ester.
— E aquela mulher que o persegue a todo momento? Ela usa uma máscara… será que é feia? — perguntou uma.
— Não sei, mas você viu os olhares dela para o modelo? Ela provavelmente acha que ele vai se interessar por uma coisinha como ela. Garanto que, quando tirar a máscara, ele vai se assustar e sair correndo — disse outra, rindo.
Aqueles comentários eram muito maldosos para alguém que elas nem conheciam direito.
— Ouvi dizer que ela tem algum defeito no rosto e por isso oculta com uma máscara — disse outra.
— Ou então deve ter o rosto deformado. Não sei por que o modelo não se livrou dela ainda. Mas logo ele se cansa, e aí outra melhorzinha aparece — disse uma mulher.
Suspirei e voltei para o meu lugar, vendo Ester entrar no camarim com os olhos parecendo distantes. Ela me olhou, colocou o tablet sobre a mesa do espelho e se aproximou de mim.
— Muito bom trabalho. Agora poderia se trocar? Ainda é necessário almoçar e depois temos mais alguns compromissos na sua agenda — disse, me olhando. Levantei-me e me aproximei, tocando seus cabelos e levando minha mão à máscara dela. Mas, antes que eu tocasse, ela segurou minha mão.
— O que está fazendo? — questionou, irritada.
— Você não se sente atraída por mim? Vi seus olhos atentos em meu corpo — disse, rouco. Ela soltou uma risada, moveu o rosto para o lado e depois me olhou, afastando minha mão.
— Senhor Bernard, estou aqui apenas para trabalhar. Não tenho interesse no senhor, apenas neste ramo. Acredite, preferiria estar trabalhando com uma mulher, mas elas são ainda mais exigentes do que o senhor e não querem ser vistas com uma garota de máscara como eu — disse, em um só fôlego. Vi seus olhos brilharem perante o desafio.
— Dois dias já se passaram, mas eu ainda tenho cinco dias para levá-la para a minha cama e você ser demitida — disse, com o rosto próximo ao dela.
— Senhor Bernard, isso não vai acontecer. Eu não me importo em vê-lo nu todas as manhãs e em me tornar o seu pesadelo. Preciso desse trabalho, e nada — nem o senhor — vai ser capaz de me tirar dele — disse, antes de se afastar e pegar o tablet.
— Você tem dez minutos para estar no carro ou ficará sem almoço — disse, antes de sair, batendo a porta do camarim.
— Você é mais difícil de lidar do que eu esperava — pensei comigo mesmo, suspirando antes de ir colocar minhas roupas para segui-la.