Capítulo 5

Ela nem esperou ele responder, foi entrando e já encontrou Lisa e Carlos. Foram apresentados e se sentaram todos à mesa: Ivone na ponta, Kaori e Rui lado a lado, de frente para o casal. Ivone, por estar mais próxima, fez o prato dela, que ainda tinha dificuldade por estar com apenas uma mão livre. Começaram a comer conversando sobre trabalho. Carlos não tinha filhos e havia dedicado a vida ao que fazia era empresário.

Na distração, perguntou se o lugar onde ela trabalhava era legal e qual era sua função.

— Sei que é em um mercado, na loja que tem dentro dele. Eu não sei muito bem quais eram as minhas funções, não me lembro. Mãe, eu gostava? — perguntou.

Lisa explicou que sim, que ela gostava porque conversava bastante com várias pessoas todos os dias. Então, para a surpresa de todos, Kaori pediu para ir lá um dia ver tudo. Feliz, a mãe disse que a levaria naquela semana mesmo.

Começaram a falar sobre os laudos médicos e as recomendações. Comentavam que era possível que boa parte das memórias voltassem, mas não todas, e provavelmente em desordem. Fizeram a pergunta mais comum: se estava recordando algo, mesmo que mínimo. Ela respondeu que não. Aquilo a incomodava muito, porque parecia que duvidavam dela, e o vazio que sentia dentro de si a consumia dia após dia.

Já fazia uso de antidepressivos, calmantes, remédios para ansiedade, vitaminas, muitas mudanças no corpo e no emocional, uma carga enorme de tudo. Durante o almoço foi ficando incomodada com o assunto. Já estava sem apetite por causa dos doces que havia comido na rua.

Rui sugeriu que mudassem o tema. Chateada com ele, disse que não precisava de ninguém sentindo pena. Pediu licença, dizendo que ia pra casa porque estava cansada e com dor. A situação ficou desconfortável, mas ela já queria ir embora antes mesmo de Carlos chegar.

Despedindo-se, disse que fora um prazer conhecê-lo e se desculpou por não poder ficar mais conversando. Ele, educado, respondeu que entendia e pediu desculpas caso tivesse dito algo que a incomodasse. Ela garantiu que estava tudo certo, agradeceu pelo almoço e pediu dinheiro à mãe para pagar Rui, que logo disse não ser necessário.

Curiosa, Ivone perguntou do que estavam falando.

— Comprei uns doces pra ela lá no bar. Não precisa pagar nada, não! — respondeu ele.

Kaori agradeceu, com leve ironia, deu tchau para todos e saiu. Quando foi atravessar a rua, foi surpreendida por Rui correndo atrás, dizendo que foi levar as chaves que ela havia esquecido com Lisa.

— Obrigada. Pode voltar, é pertinho, acho que consigo me lembrar do caminho! — disse.

Ele insistiu em acompanhá-la, já que não estava fazendo nada. Caminharam em silêncio. Quando chegaram ao portão, ele perguntou se ela ia se esquecer da besteira que ele havia dito.

— Não sei, não tenho controle do que quero absorver ou não. Mas já é a segunda vez que você me fala coisas ruins, então… — respondeu séria.

Ele pediu o número dela para ver se, pelo menos, lembraria do nome dele. Ela disse que não sabia de cabeça e pediu para anotar o dele.

— Deixa quieto, não precisa — respondeu, rindo de forma irônica.

Confusa, ela perguntou:

— Por quê? É sério, eu não sei meu número novo, poxa. Você é bem estranho, sabia?

— Na verdade, já fizemos isso e você nunca me mandou nada, então… com ou sem memória, no fundo você é a mesma! — Ele falou.

Ela apenas fechou o portão e se despediu, chateada. Mais tarde, ficou pensando no que ele disse e, à noite, quando Lisa chegou, pediu o número dele para Ivone. Salvou, mas não mandou nada.

Após passar o dia sozinha, decidiu ir de ônibus até o trabalho. Pesquisou tudo na internet, se arrumou como pôde, insatisfeita com o que via no espelho e foi para o ponto mais próximo, perto do bar. Sentou-se e percebeu que o ônibus estava atrasado. Foi até o bar perguntar se haviam mudado os horários.

Daia chegou logo atrás, se cumprimentaram. Ela comentou que ia sair de ônibus, mas devia ter perdido. Saíram juntas. Rui estava lá fora conversando com um rapaz. Kaori deu tchau apenas por educação.

— Eles estão passando adiantado. O próximo vem em dez minutos, no máximo. Pra onde você vai? — perguntou Daia.

— No trabalho, ver como é — respondeu Kaori.

Rui se aproximou, ouvindo a conversa. Ela comentou que ainda não tinha dito nada à mãe e pediu para não falarem nada. Ele se ofereceu para levá-la de moto, mas ela recusou.

— Melhor não — disse.

Daia perguntou se ela tinha certeza de que conseguiria ir e voltar sozinha.

— Aham, de boa. Qualquer coisa peço pro meu pai me buscar depois! — Disse Kaori.

Rui perguntou se ela tinha medo de moto. Ela confirmou. Ele, já sabendo disso, disse que poderia guardar a moto e pegar o carro.

— Não precisa, também tô com medo de andar de carro. Melhor eu ir de ônibus mesmo. Se não fosse pelo medo, iria com você. Mas obrigada, de verdade, valeu. Já vou indo pra não perder o próximo — respondeu, se afastando.

Ele acabou indo atrás e se sentou no ponto também. Quando o ônibus chegou, ela perguntou:

— O que você tá fazendo aqui?

Ele riu:

— Vou pegar o ônibus pra ir com você. Se você tem medo de ir de moto, vamos de ônibus. Disse que só não ia comigo por medo, então acho que não tem problema irmos juntos agora, né?

Ela riu sem graça e disse que seria chato, mas ele ignorou. Subiram e se sentaram lado a lado. Ela estava com fones de ouvido, ofereceu um a ele e perguntou se estava sendo pago pra vigiá-la.

— Não, tô ao seu dispor de graça mesmo. Que música é essa? É tão… sei lá, de menina.

— Deve ser porque sou uma menina, não é mesmo? O que você gosta de ouvir? — respondeu, irônica.

Conversaram sobre música o trajeto todo. Havia muitos lançamentos que ela não conhecia, e até cantores que gostava e já tinham falecido.

Ao chegarem ao mercado, começaram a andar pelos corredores. Várias pessoas se aproximaram para abraçá-la e perguntar como estava. Ela cumprimentava todos, sem saber se realmente conhecia ou não. Parecia que todos olhavam e comentavam.

— Tô com fome, vamos na lanchonete? — sugeriu ele.

— Acho que quero ir embora. Tá todo mundo falando de mim. Mas se quiser, pode ficar — respondeu, chateada.

Ele olhou as prateleiras e foram ao setor em que ela trabalhava. Uma moça se aproximou, abraçou e disse que ela fazia falta, perguntando quando voltaria.

— Não tenho ideia — respondeu ela, tentando conter o desconforto.

A moça insistiu, dizendo que todos iam ajudar, que as meninas que ela havia ensinado teriam prazer em reensinar tudo. Ela começou a chorar e pediu para Rui tirá-la dali. Ele, atencioso, explicou a quem se aproximava que ela não estava se sentindo bem.

Fora do mercado, ela sentou chorando, com falta de ar, em plena crise de pânico. Ele perguntou se queria ligar para o pai ou a mãe.

— Não, vão brigar comigo — respondeu ela.

Ele sentou ao lado, segurou a mão dela e acariciou suas costas, pedindo calma. Depois de um tempo, ela se acalmou. Ele, brincando, disse que estava com fome e a convidou para comer um lanche. Foram a uma lanchonete ali perto. Ela não quis comer, só tomou uma garrafinha de água.

No retorno, ficou calada, sem vontade de conversar ou ouvir música. Pegaram dois ônibus até o bairro. Ela não deixou que ele pagasse. Quando chegaram, ele foi buscar a moto no bar.

— Obrigada pela companhia. Não conta nada pra ninguém, tá? — pediu ela.

Antes de dormir, enviou uma mensagem: “Não esqueci do domingo ainda.”

Ele respondeu:

"E eu não vou esquecer de hoje. Suas músicas são horríveis! 😂 está melhor?"

" Tô melhor. Tenho gosto musical de uma menina de 15 anos, e você é velho demais pra entender."

Os dois conversaram até tarde da noite. Quando Lisa chegou, se surpreendeu ao vê-la ainda acordada. Conversaram sobre o dia. Kaori contou tudo o que fez, exceto o mal-estar. Achou que a mãe brigaria, mas, ao contrário, ficou feliz ao vê-la progredindo.

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