Capítulo 4 O Príncipe Adormecido Isadora assentiu com um aceno quase mecânico. Foram recebidas por uma empregada vestida de forma tradicional, com um véu bordado em fios prateados. A mulher as guiou por corredores longos, revestidos de tapeçarias finas e quadros com detalhes dourados. Ao passarem por uma grande porta de madeira entalhada com arabescos, o som abafado de vozes femininas pôde ser ouvido. — A princesa está com algumas convidadas, mas vai querer ver você, Isa. — murmurou Simone. — Fica calma. É só uma formalidade. Isadora não respondeu. Seus olhos percorriam as paredes, os espelhos e os enormes vasos com flores vivas, como se tudo fosse parte de um sonho distante. Dentro da sala de recepção, a princesa Annia observava atentamente oito moças sentadas em bancos de madeira escura. As candidatas eram bonitas, bem arrumadas, vindas de várias partes do mundo: Síria, Rússia, Itália, China, África, EUA, Inglaterra e Suécia. Ela escolheu moças como se fosse o gosto pessoal do próprio Rafique, e não teve nenhum imprevisto para conseguir isso, usando muito dinheiro. Mas havia algo forçado na maneira como as moças sorriam, como falavam. Algumas delas usavam muita maquiagem. A princesa, vestida com um vestido azul-claro que se arrastava pelo chão como uma nuvem de seda, ergueu a mão quando a empregada entrou. — Alteza, a garota brasileira chegou. Annia ergueu uma sobrancelha, dispensou as outras com um gesto e todas se retiraram pela lateral. As jovens se entreolharam com desconfiança, murmuraram algo em seus idiomas nativos e saíram lentamente da sala. Simone segurou firme o pulso de Isadora, que já sentia o suor escorrer pelas costas, nervosa por ver uma princesa. Foram levadas a uma sala menor, mais íntima, com janelas fechadas por cortinas rendadas e almofadas por todos os lados. A princesa entrou. Era linda, porém não tão jovem, de pele alva como porcelana e olhos delineados com precisão milimétrica. Tinha um ar distante, quase etéreo, como se tudo ao redor fosse indigno de sua atenção. Isadora fez o que Simone pediu. Inclinou o corpo em uma reverência delicada, colocou a mão no peito e agradeceu em inglês: — Thank you, Your Highness, for receiving me. (Obrigada, Vossa Alteza, por me receber em seu palácio.) A princesa sorriu. Um sorriso discreto, mas genuíno. Observou Isadora de cima a baixo e caminhou em volta dela como quem avalia uma peça rara. — Sim, ela é natural... — murmurou Annia, com um inglês arrastado pelo sotaque árabe. — She's beautiful. Very pure... (Ela é linda e muito pura.) Virou-se para Simone e falou em árabe: — Você não mentiu. Estou satisfeita. Daqui a três dias, darei o veredito da minha escolha. Simone apenas assentiu. Não ousou dizer nada. Pegou na mão de Isadora e agradeceu em inglês, formalmente: — Thank you, Princess. We'll go now. (Obrigada, princesa. Nós vamos agora.) A princesa fez um gesto vago com a mão, permitindo que saíssem. No caminho para o carro, uma criada chegou com passos rápidos, a mando da princesa, e entregou um envelope para Simone. Ela ficou preocupada de início, mas quando o abriu discretamente e viu o cartão de crédito sem limites, com um bilhete escrito à mão que dizia: "Use e faça todas as vontades da garota", ficou animada. Já no carro enorme, com compartimento isolado entre motorista e passageiras, Isadora finalmente perguntou: — Madrinha… o que foi isso? Eu fui... avaliada? Simone apertou os lábios. Respirou fundo. — Não, amor. É que a princesa só queria te ver, porque não acreditava que você fosse tão linda, por ser minha sobrinha. Eu sou feia, baixa, gorda e quase negra... A princesa ficou curiosa sobre você, Isa. Lembra que falei da minha amiga que pediu fotos suas, naturais, sem excessos? Então, Miriã mostrou você para a princesa. E como eu trabalho para ela, foi isso. Ela te deu de presente essa viagem. Eu te trouxe só para você agradecer a ela, e depois ela talvez vai te querer para... Simone hesitou por um segundo. — Me querer pra quê, Dinda? — a voz da jovem começou a embargar. Mesmo ingênua e inocente, Isadora começou a desconfiar da tia tão adorada. — Isa, pra nada, amor. É só um favor, se for preciso. Agora fique tranquila. Tudo o que eu fiz... foi pra você realizar seu sonho. Pra te dar algo maior, que eu nunca poderia te dar, mesmo trabalhando aqui como uma escrava e que eu morra tentando. — mentiu, exagerando por medo. — Sinto muito, tia... Eu não fazia ideia que era tão trabalhoso seu trabalho aqui. Mas do que a senhora tá falando? Sobre um favor? — Não se preocupe, querida. Vamos passear primeiro. Sim, depois eu prometo te contar tudo. — Tudo bem, Dinda. Eu confio na senhora. Afinal, a senhora não faria nada para me prejudicar. Do tipo igual vemos nos programas de TV no Brasil... Aqueles policiais que contam cada história. Esses dias mesmo, a senhora não acredita: eu vi uma reportagem louca. Uma moça foi vendida a um príncipe árabe! Mas é claro que isso é quase impossível, né? — sorriu, abraçada à tia. — Não, amor. Eu não teria essa coragem. — Obrigada, Dinda. Você é incrível. Eu te amo. Morta de vergonha, porque foi exatamente o que ela fez, Simone, em seguida, levou a afilhada para um grande tour por Dubai. Simone tinha três dias para passear com Isadora, e sim, ela parecia determinada a fazer da estadia da afilhada um verdadeiro conto de fadas moderno. Era uma estratégia, claro, mas Isa ainda não sabia. — Primeiro quero te mostrar Dubai, minha princesa. Depois conversamos sobre tudo, Simone piscou, dando um leve sorriso maroto, que escondia sua preocupação. A jovem loira de olhos azuis, com um vestido floral leve e cabelos soltos, se encantava a cada novo passeio. Dubai era mais do que ela imaginava nas revistas, nos vídeos de turismo e nos sonhos da infância. No primeiro dia, Simone a levou para o topo do Burj Khalifa. O elevador subia veloz, os ouvidos estalaram, e quando as portas se abriram no 148º andar, a vista de tirar o fôlego fez Isadora quase se ajoelhar. — Oh, minha nossa, Dinda... Parece que o mundo inteiro cabe aqui! — disse ela, de olhos marejados. À noite, jantaram no restaurante Atmosphere, o mais alto do planeta, onde garçons trajavam uniformes bordados a ouro e as janelas pareciam telas em movimento. Provaram lagosta temperada com especiarias árabes, sobremesas com folhas de ouro comestível e beberam sucos exóticos, servidos em taças de cristal. No segundo dia, um tour de helicóptero revelou o luxo arquitetônico da cidade. Sobrevoaram a Palm Jumeirah, o Burj Al Arab e os inúmeros arranha-céus iluminados que pareciam brilhar até mesmo durante o dia. Depois, mergulharam no mundo das compras: Chanel, Dior, Louis Vuitton, Gucci. Simone guiava Isadora pelas lojas como uma mentora experiente, ela também estava realizando seus sonhos de mulher através da afilhada. — Leve o que quiser. Tenho um cartão que a princesa Annia me deu. Ele não tem limite. — disse, rindo. — Afinal, é seu aniversário, e você está em Dubai! Vestidos, bolsas, perfumes, lingeries. Isadora provava cada peça com um misto de deslumbre e vergonha. — Mas isso custa uma fortuna, madrinha! — E quem disse que você merece menos? — Simone retrucou. No terceiro dia, almoçaram no deserto. Um acampamento montado em tendas luxuosas, com almofadas de seda, tapetes persas e dançarinas do ventre que se moviam ao som do alaúde. Um falcão pousou em seu braço, e Isadora se emocionou. — Ah, não, Dinda! Que animal lindo, meu Deus... Eu devo estar sonhando! Por favor, tia, me belisca, porque eu não tô acreditando! — disse, com olhos brilhantes. Autora: Graciliane Guimarães