Capítulo 3
O Príncipe Adormecido O quarto do príncipe de ouro era silencioso, iluminado apenas pela luz suave que filtrava pelas cortinas de linho. No leito, o príncipe Rafique permanecia imóvel, o corpo coberto por lençóis de algodão egípcio. As máquinas monitoravam seus sinais vitais com precisão, enquanto o aroma de óleos calmantes pairava no ar. Simone ajeitava os frascos de medicação na bancada quando a porta se abriu. A princesa Annia entrou com passos firmes. A presença dela, sempre cheia de tensão com sua preocupação de mãe, chegava a gelar o ambiente. Annia era só uma mãe como qualquer outra, ali fazendo o seu ritual de agradecimento por seu querido filho estar, mesmo que em coma, ainda vivo, assim quem sabe poderia um dia reagir. Ela o tocava com suavidade enquanto declarava seu amor incondicional ao ouvido do filho, como uma oração de súplica, como fazia todos os dias. Mas logo ela terminou. A enfermeira Simone respirou fundo. Vendo que a princesa havia encerrado seu gesto de rotina, sabia que estava cruzando uma linha perigosa. Com as mãos trêmulas, retirou um envelope do bolso do jaleco e se aproximou. — Alteza… eu preciso mostrar algo pessoal. Tem a ver com a conversa de vossa alteza com o seu marido ontem, sobre o príncipe. Annia girou lentamente o rosto para ela, o olhar glacial. — O que você ouviu, Simone? — Desculpe-me, alteza, mas eu ouvi tudo sobre a necessidade de um ventre sagrado para gerar um novo herdeiro. E que será coletado o sêmen do príncipe Rafique mesmo ele estando em coma. A princesa se aproximou, tensa. — Por Alá, você não tinha que ter ouvido nada disso. Agora saiba que, por isso, poderá ser morta. — Não, alteza, espere! Me perdoe, por favor! Mas eu posso ajudar. Olhe... — disse, entregando o envelope. Annia o arrancou das mãos dela com brutalidade. Dentro, três fotos de uma jovem de olhos claros, sorriso doce, traços suaves e elegância natural. A princesa ficou em silêncio, observando cada imagem como se procurasse algo além do físico, alguma impureza oculta nos olhos da moça. — Quem é essa garota? — perguntou por fim, com voz fria. — Minha sobrinha. Jovem, saudável. Pura. Eu... eu pensei que talvez... A princesa a interrompeu, enojada. — Você ousa me vender sua própria sobrinha como se ela fosse uma égua de linhagem? Acha que está lidando com o quê? — Eu só quero ajudar... — murmurou Simone, desesperada pela pressão de saber que corria risco de ser morta. — Eu estava no centro cirúrgico. Ajudei muito salvando o príncipe. Fui indicada pelo dono do hospital. Vi o sofrimento, vi o príncipe quase morrer. Foram oito horas de cirurgia. Eu vi tudo, estou aqui com ele desde então. Juro que minha intenção é boa. Eu não quero o mal dele... Annia ficou em silêncio, fitando Simone, pensativa, com o envelope ainda em mãos. A tensão entre as duas cortava o ar. Em seguida, ela abriu novamente o envelope com ainda mais atenção. A princesa manteve o olhar fixo nas fotos por longos segundos. Depois, cruzou os braços, pensativa. Ela conhecia bem Simone. Sabia de sua competência irrepreensível, da dedicação incansável no hospital durante os momentos críticos, e agora, do quanto cuidava do jovem príncipe como se fosse seu. — Você terá uma chance, Simone, de não ser morta. — disse por fim, com a voz baixa, mas firme. — Traga-a para mim. Simone abaixou a cabeça, aliviada. — Obrigada, alteza. A senhora não vai se arrepender. Annia imediatamente saiu, sem dizer mais uma palavra. O príncipe adormecido, imóvel, parecia ouvir tudo. Porém, o lugar onde ele estava era muito longe. E foi assim que tudo começou… Simone respirou fundo, agora morta de medo. O plano antes ingênuo dela, agora se não fosse aceito por sua afilhada, seria sua sentença de morte. Com muito talento como enfermeira, Simone havia se mudado para Dubai há oito anos, convidada por um famoso cirurgião plástico brasileiro. Viveu antes no interior de São Paulo, em Santo André, e cuidava dos pais idosos e da irmã com a filha que era sua afilhada. A família só tinha boa estabilidade no Brasil graças a Simone, que sempre lutou por oportunidade e estudou muito. Isadora era sua afilhada, filha da sua irmã e melhor amiga, quase como filha de sangue para ela, porque Simone fazia tudo pela sobrinha, até as mínimas vontades. Loira natural, olhos azuis e bonita de corpo, Isadora era típica descendente do sul do Brasil, pelos genes do pai. E mais uma moça inteligente, doce e poliglota. Estudava línguas desde cedo, inclusive árabe, por incentivo de Simone. Desde os dez anos, Isadora sonhava em conhecer Dubai. Quando Simone prometeu que se ela estudasse, um dia ela viria morar com ela. Naquela noite, em seu quarto, após episódio dela ter oferecido Isadora, e ameaças da princesa. Simone mandou uma mensagem para a irmã, e depois para a sobrinha, Isadora precisava vir agora, se não ela estaria morta. Simone: — Isa, se prepare. Porquê eu vou realizar seu maior sonho. Você vai passar seu aniversário de 18 anos em Dubai. Com tudo pago. Já falei com sua mãe. Malas prontas! Isadora (em choque): — Meu Deus, é sério, Dinda? Eu nem acredito! Vou mesmo para Dubai?! Simone: — Sim, meu amor. Você merece. Sempre estudou, sempre foi correta. E mais: lembra quando eu disse que aprender árabe abriria portas? Você vai ver. Em outro momento, Simone, com jeito casual, perguntou: — Isa... você ainda é virgem? Isadora respondeu com naturalidade: — Sou sim, Dinda. Felipe me respeita muito. A gente finge namorar por causa da família dele, mas só somos amigos mesmo. Simone: — Perfeito, meu amor. Então vai dar tudo certo. A madrinha vai organizar tudo, só aguarde. Beijos. Dias depois… No Aeroporto Internacional de São Paulo, Isadora partiu. Os pais, mesmo separados, apareceram juntos. Levaram uma cesta de chocolates e um balão com os dizeres: "Feliz 18 anos, Isa em Dubai!" — Cuidado com o sol, filha. — disse o pai. — E liga sempre pra mim, promete? — pediu a mãe, com lágrimas nos olhos. — Prometo. Amo vocês! O avião decolou. Isadora olhava pela janela, coração explodindo. Era seu sonho realizando. Ao chegar em Dubai, foi recebida por seguranças da família real. Simone estava lá, elegante, radiante. — Bem-vinda, afilhada, você está ainda mais linda. — Ah, madrinha, mas é claro, né? No meu aniversário de quinze anos eu estava cheia de espinhas na cara, e agora tô com pele de pêssego. Mas graças à senhora e seus envios de sabonetes e cremes importados daqui, ah, minha nossa, eu nem acredito! Madrinha, eu tô em Dubai! Ahhh! — deu gritinho de alegria. — Sim, amor, é incrível aqui, e eu vou te mostrar tudo. — Sério mesmo? Nossa, meu coraçãozinho... será que aguenta, tia? — sorria, quase histérica. — Aguenta sim. Isadora não sabia, mas aquele aniversário marcaria para sempre sua vida. — Então, querida afilhada, como prometi: eu vou te levar pra passear. Mas… primeiro, preciso te apresentar à princesa. Isadora parou no meio da calçada. O calor abrasador de Dubai tocou sua pele recém-saída do inverno brasileiro. Ela ajeitou a alça da bolsa no ombro, confusa. — Tia, isso é sério? Uma princesa? — Sim — Simone respondeu com um sorriso tenso, desviando o olhar. — Foi através dela que eu pude te trazer até aqui, Isadora. Ela quem pagou tudo. Sem a ajuda da alteza, isso aqui não seria possível. Você sabe que tenho muitos compromissos no Brasil: com seus avós, pagando a casa; com sua mãe, que é uma mulher sem emprego por causa das doenças autoimunes e da depressão; e com você, que é como minha filha. — Sim, eu sei, Dinda. Obrigada. A senhora é uma mulher maravilhosa por ser tão boa e cuidar de todos nós. — Obrigada. Mas não sou tão boa assim, querida… não depois da loucura que fiz! Mas vamos. — Simone continuou, tentando manter o tom leve. — A gente vai até lá primeiro. Depois eu te mostro o resto da cidade. — Está bem, madrinha. Isadora sentiu um arrepio subir pela espinha. Não era apenas um passeio de férias? Não era só uma aventura cultural para comemorar seus 18 anos? Uma dúvida começou a crescer em seu coração. O carro preto, elegante e com vidros fumê, saiu em direção ao coração luxuoso da cidade. Isadora não dizia nada. Olhava pelas janelas o mundo surreal dos Emirados: arranha-céus espelhados, carros exóticos, mulheres cobertas por véus de seda cruzando calçadas de mármore. Tudo tão distante da sua realidade de bairro simples no interior de São Paulo, em Santo André. Ao chegarem aos portões do palácio, o silêncio entre elas se tornou mais pesado. Os guardas, vestidos de branco impecável, com armas discretas nas costas, fizeram uma breve verificação e autorizaram a entrada. O portão dourado se abriu com lentidão quase cerimonial, revelando jardins perfeitos, fontes borbulhantes e uma arquitetura milenar mesclada com o modernismo típico da região. Simone pegou a mão da sobrinha. — Seja respeitosa. Fale o mínimo. A princesa fala inglês. Então, agradeça, se curve, mostre gratidão. Autora: Graciliane Guimarães