Matteo:
Naquele tempo, os últimos traços do garoto que existiu em mim foram se apagando. O menino que perseguia a irmã caçula pelos jardins da mansão, que escondia o livro preferido da mãe sob o travesseiro como um amuleto de proteção, que acreditava nas histórias de finais felizes que Caterina contava… esse menino morreu. Para mim, finais felizes eram uma mentira distante, um eco que eu jamais ouviria. Só havia o fim, o vazio, a morte.
E com o passar dos anos, eu me afastei mais e mais daquele menino até que ele se apagou completamente. Era só uma sombra desbotada, um fantasma na memória. Foi então que Alessandro começou a me chamar de “O Falcão”.
Matar se tornou tão natural quanto respirar. Com cada vida que eu tirava, com cada missão concluída, a culpa e o remorso se dissolviam no fundo de uma mente agora treinada para sentir o alívio glacial da execução bem-sucedida. Fui absorvido pela irmandade; eles me respeitavam, e meus inimigos, me temiam. Alessandro não podia estar mais satisfeito. A cada missão, eu me tornava mais o que ele desejava, o herdeiro perfeito, a extensão fria da sua própria vingança calculada.
Pela Blackwood, por Alessandro e pela minha própria sede de vingança, apaguei quem eu era. Não havia mais nada dentro de mim além do Falcão.
O Falcão era tudo que Alessandro queria: uma sombra metódica e mortal, a lâmina escondida da irmandade, precisa e incansável. Era o soldado ideal, e minha reputação se espalhava por onde a escuridão se fazia presente. Em cada missão, meu corpo se movia com eficiência, e, a cada golpe, eu me tornava menos humano e mais a arma perfeita. O nome Matteo Romano se fundiu à própria Blackwood de um jeito que nem eu mesmo podia separar.
Tornei-me um homem que dançava com a morte, que desafiava o perigo com o coração frio. A morte era uma companheira silenciosa, rondando cada passo, e, estranhamente, o inferno parecia temer me tocar. Como se até as sombras hesitassem antes de se aproximar de mim.
No fundo, eu sabia: Matteo Romano não existia mais. Ele morrera naquela estrada anos antes. O que restava era o Falcão, um homem sem alma, cuja única missão era vingar-se.
Não havia nada além disso, apenas o vazio.
Vivi com Alessandro e Caterina em Moscou por quinze longos anos. Anos de um silêncio cortante, de promessas que sussurravam ao vento como preces. Quinze anos para afiar meu espírito na lâmina da vingança e apagar cada vestígio do garoto que um dia fui. Quando enfim chegou o momento de voltar para Nova York, eu tinha 25 anos e carregava a marca de Capitão da Blackwood. Eu não era mais o herdeiro perdido — era o homem que tomaria tudo o que fora arrancado de mim.
Para Alessandro, meu retorno era mais do que um símbolo de poder; era o momento perfeito para reativar os negócios da Blackwood nos Estados Unidos. A MOREAU, a empresa que Ferretti administrara como um império legítimo, estava prestes a se tornar uma máscara para algo mais escuro. Ferretti, tão leal quanto inofensivo, jamais entenderia o verdadeiro peso da herança que Alessandro preparara para mim. Mas Francesca Armand, uma filha devota da Blackwood, sempre soubera. Durante anos, ela manteve os fluxos de dinheiro sujo girando em silêncio. Agora, com minha ascensão ao posto de CEO, era chegada a hora de restaurar o domínio perdido, esmagando as máfias italiana e chinesa que prosperaram em minha ausência.
Eu estava mais do que pronto. Cada golpe, cada escolha, cada pensamento me moldaram para esse momento. Não era apenas sobre dinheiro, status ou poder — era sobre a fúria que queimava em mim, sobre o peso da vingança. Eu voltava para eliminar cada rosto, cada membro da LYN que ainda respirava após massacrar minha família.
Para a mídia de Nova York, minha chegada era um espetáculo. Para eles, eu era o herdeiro enigmático, o bilionário que desaparecera aos dez anos e voltava agora, envolto em mistério. Eles não sabiam o que aquele exílio na Rússia havia feito de mim. Quando desci do avião, fui recebido com flashes, sorrisos e olhos curiosos. Eles me viam alto, com ombros largos, olhos de um azul afiado, o cabelo castanho curto nas laterais e maior no alto e a barba curta. Meus gestos eram cuidadosos, quase preguiçosos, mas carregados de algo indefinível. Eu era a tempestade sob controle, um enigma perigoso que eles não podiam resistir.
E era exatamente o que eu queria que vissem.
Minha aparência era uma cortina de fumaça. Ninguém olhava além do meu sorriso polido ou do ar de playboy despreocupado. Ninguém tinha ideia do que Alessandro e a Blackwood haviam esculpido em meu coração. Era o bilionário misterioso, e apenas o que eu permitia que enxergassem. Ninguém jamais desconfiaria que, por trás dessa fachada, havia um Capitão frio da organização criminosa mais temida do mundo.
Ao assumir meu lugar na MOREAU, tratei de cativar a todos. Cada sorriso era uma promessa, cada palavra, um encantamento. Manipulava o conselho da empresa, conquistava investidores com um charme calculado, e até uma multa de trânsito desaparecia com um olhar encantador. Em pouco tempo, Nova York conheceu meu nome como o solteiro mais cobiçado da cidade. Era cortejado por herdeiras, advogadas, modelos e mulheres de todas as esferas que orbitavam meu universo sem jamais ver a escuridão que carregava. Elas viam o Matteo que eu criara para elas, enquanto o Falcão, silencioso, as observava à distância.
Até Francesca Armand, tenente da Blackwood e guardiã da MOREAU em minha ausência, sucumbiu. Ela se tornou mais uma entre tantas antes que eu, com um sorriso e uma ordem, a enviasse de volta para a Rússia. Porque eu podia. Eu era o Falcão, e o mundo estava a meus pés.
Para a sociedade nova-iorquina, eu era apenas o jovem herdeiro carismático. Mas por trás dessa fachada, escondia-se uma tempestade. Eu era a lâmina, a sombra afiada que aguardava o momento de cair.