Matteo:
Esse papel apenas complicava minha vida na Academia. O bullying era constante, considerado uma “iniciação” para me fortalecer, para me preparar para os perigos da vida na Blackwood. Por meses, fui espancado e humilhado pelos colegas, e Alessandro não intervinha. Ele deixava claro que eu precisava aprender a me defender. Um dia, com o gosto do meu próprio sangue nos lábios, prometi a mim mesmo que da próxima vez seria diferente. Mas, claro, era quase impossível revidar quando eram dez contra um. A cada golpe, eu sentia a raiva crescer, mas não havia como lutar contra a desvantagem.
Foi então que Dane Mercer entrou na minha vida.
Eu estava no chão imundo do banheiro, sangue escorrendo do nariz e da boca, as mãos cobrindo a cabeça para me proteger dos socos e pontapés, quando ele apareceu. Dane, dois anos mais velho, mais alto e muito mais forte, entrou no banheiro como uma força da natureza. Em questão de segundos, derrotou três dos adolescentes que estavam me espancando. Os outros fugiram, evitando a fúria de Dane.
Eu, ainda cuspindo sangue, mal conseguia entender por que ele me ajudara, quando ninguém mais o fizera. Afinal, na Blackwood, nada vinha de graça. Perguntei-me quanto aquela assistência me custaria. Mas Dane simplesmente me estendeu a mão e disse, como se lesse minha mente:
— Eu já estive onde você está, garoto.
Dane era australiano, filho de um mercenário que havia trabalhado para a Blackwood durante anos e morrera protegendo Alessandro de um atentado. Em dívida com a família Mercer, Alessandro acolheu Dane em seu círculo interno. Mas, para muitos alunos da Academia, Dane era um intruso. Ele havia sofrido os mesmos ataques que eu, até que rapidamente ganhou uma reputação de durão. Depois de um tempo, ninguém ousava mexer com ele. E agora, ninguém ousaria mexer comigo também, porque Dane Mercer havia me colocado sob sua proteção.
— Está bem aí, garoto? — ele perguntou, estendendo a mão para me ajudar a levantar.
— Estou bem — respondi, tentando ignorar a dor nas costelas e o inchaço ao redor do olho. A última coisa que eu queria era que Dane me achasse fraco.
— Não parece bem para mim — ele riu, enquanto eu me apoiava na pia para lavar o sangue do rosto e inspecionar meus ferimentos. Não era tão ruim quanto parecia.
— Já estive pior — murmurei, enquanto a água fria limpava as marcas do ataque.
Dane soltou uma risada curta.
— É o que dizem.
A verdade era que todos sabiam que eu era espancado constantemente. E todos sabiam que o herdeiro de Alessandro não conseguia se defender. Alessandro queria que eu fosse forte, intocável. Sempre dizia que um líder precisava ser imbatível. Quando me olhei no espelho, com os olhos ainda vermelhos e os hematomas formando manchas pelo rosto, percebi que estava cansado de ser o alvo fácil. Eu queria ser forte o suficiente para que ninguém ousasse me tocar novamente.
Depois de limpar o rosto, estendi a mão para Dane.
— Sou Matteo. Matt. Matt Romano.
— Dane Mercer — ele respondeu, apertando minha mão com firmeza.
— Eu já sabia — retruquei, e ele riu.
— Então, está pronto para parar de beijar o chão do banheiro? — Dane perguntou, um sorriso desafiador no rosto. — Ou vai continuar deixando esses idiotas te espancarem?
Respirei fundo, a dor nas costelas me lembrando de tudo que eu precisava superar. Assenti, aliviado e grato. Alguém estava se oferecendo para me ajudar, e não era por segundas intenções. Era por camaradagem, por uma experiência compartilhada.
Naquele momento, nasceu uma amizade improvável. Dane me ensinou a ser mais forte, mais rápido, mais resistente. Treinamos juntos, corremos, levantamos pesos e passamos a maior parte do tempo livre um com o outro. Com Dane ao meu lado, parei de temer os corredores da Academia Orlov. Ninguém jamais tentou me tocar novamente.
Nossa amizade cresceu com o tempo, e, exceto por Caterina, Dane era a única pessoa na Rússia em quem eu realmente confiava. Ele era meu amigo, meu parceiro e, de certa forma, o irmão que eu nunca tive.
Se houvesse alguém em quem eu confiaria minha vida, esse alguém seria Dane Mercer.Quando completei dezesseis anos, o que restava da minha inocência foi rapidamente destruída. Eu me tornei mais frio, mais reservado. Cada vez mais calculista e isolado. A Blackwood era tudo o que eu conhecia, um mundo onde a piedade era um luxo, onde sobreviver significava ser implacável.
E eu estava longe de ser fraco. Desde que Dane entrou na minha vida, as humilhações haviam cessado. Agora, meus colegas me temiam. Essa mudança deixava Alessandro orgulhoso, e eu sabia que estava indo em direção a um caminho sem volta.
Apesar de Alessandro e eu nunca termos recuperado o vínculo de afeto que um dia existira, ele confiava em mim como membro da irmandade, me vendo como seu sucessor. Aprendi a aceitar esse papel, a me proteger, pois ninguém faria isso por mim. Se vender minha alma era o preço para sobreviver, que assim fosse.
Foi assim que, certa noite, acabei naquele bar.
Dane e eu geralmente evitávamos nossos colegas, mas sabíamos que lealdade era essencial na Blackwood. Os laços precisavam ser construídos com paciência, então eu assumia a persona de Matteo Romano, herdeiro da irmandade, e passava algumas horas com eles ocasionalmente. Com o tempo, aprendi a conviver com o respeito tenso que se estabelecia entre nós.
Mas nas últimas semanas, algo parecia errado. Notei que eles agiam estranhamente, olhares furtivos e sussurros quando eu me aproximava. Eu sabia que estavam tramando algo, mas a confirmação só veio quando eles me convidaram para o bar da irmandade. Dessa vez, eu estava sozinho; Dane estava fora da cidade em uma missão. Todos os instintos me diziam ser uma armadilha, mas aceitei o convite. Eu precisava descobrir o que planejavam.
Quando saí da mansão, os guardas de Alessandro nem sequer perguntaram para onde eu ia. Aquilo foi o bastante para confirmar que algo estava errado.
Entrei no bar com cautela. Meus colegas me saudaram com entusiasmo, pedindo uma rodada de vodka para todos. Sentei-me em um canto, de costas para a parede, observando cada movimento ao meu redor. O bar estava lotado, cheio de jovens bebendo, rindo e brindando. Os sons das risadas e da música enchiam o ambiente com uma névoa de energia quase sufocante.
Conforme a noite avançava, notei olhares trocados entre meus colegas, a tensão pairando no ar. Então, cerca de vinte minutos depois, um grupo de garotas se aproximou, e a conversa começou a fluir. A cada toque e sorriso, a vigilância se misturava à leveza, até que algo inesperado aconteceu.
Um homem apareceu. Roupas rasgadas, olhos arregalados, ferimentos no rosto. Ele olhou diretamente para mim.
— Então você é o desgraçado que fez isso! — ele gritou em russo, a voz trêmula, cheia de ódio. Sua respiração ofegante e o olhar insano deixaram claro que ele não estava ali por acaso.
Olhei para meus colegas, mas todos pareciam tão surpresos quanto eu. A tensão no ar se condensou enquanto meu corpo se preparava para a ameaça. Minhas mãos foram automaticamente para a jaqueta, o polegar roçando a costura onde escondia uma lâmina.