De todos os pecados que aprendi a esconder, a gula era o mais inofensivo. Uma indulgência simples, quase inocente, que me permitia escapar, nem que fosse por um breve momento, da realidade sufocante em que vivia. No calor insuportável de um domingo carioca, meu refúgio era um copo generoso de sorvete de morango. Gelado, doce e quase inocente. Quase.
Sentada no sofá da sala, com o ventilador batendo em meu rosto, observava o movimento na piscina através da janela entreaberta. Minha mãe de biquíni laranja, rodeada de convidados bronzeados, risadas ocas, corpos molhados e taças de espumante. A típica cena das festas dela. Aquelas festas que sempre me faziam sentir como se fosse uma intrusa no mundo dela. O tipo de vida ao qual nunca consegui pertencer.
As risadas alheias me pareciam vazias, como se fossem apenas uma forma de preencher o silêncio desconfortável que sempre reinava entre nós. O copo de sorvete se esvaziava lentamente enquanto eu me perdia em pensamentos, tentando ao menos por alguns minutos esquecer o que me incomodava. A sensação de estar ali, mas ao mesmo tempo tão distante de todos, me consumia.
A primeira colherada ainda dançava na minha língua quando ouvi a porta se abrir. Um ruído familiar, mas que agora me soava ameaçador. Instintivamente, levei o copo de sorvete ao peito, como se protegê-lo pudesse me proteger também. Um reflexo bobo, mas era o que me restava.
— Aí está você, linda — disse Marcelo, entrando sem cerimônia. Pingando da piscina, com uma bermuda de sarja escura, a pele clara molhada e os fios negros encharcados e bagunçados. Ele se aproximou, com aquele sorriso largo demais, forçado demais, que me fazia ter vontade de fugir dali a cada vez que o via.
Cada passo dele deixava um rastro molhado no chão, e eu me encolhia um pouco mais, tentando controlar a ansiedade que começava a surgir, uma mistura de incômodo e insegurança.
— Eu... — tentei dizer, mas a voz me traiu. Apenas sorri, fraca, e continuei tomando o sorvete, tentando parecer indiferente, tentando me proteger da invasão que sabia que viria.
Marcelo se aproximou mais, agora perto demais. O cheiro de piscina e cerveja se misturava, me deixando tonta. Antes que eu pudesse reagir, ele tomou a colher da minha mão e a enfiou na própria boca, como se aquele pequeno gesto tivesse algum tipo de direito sobre mim.
— Humm... delícia! — Ele saboreou o sorvete como se estivesse buscando algo além do sabor. Seus olhos, no entanto, não estavam focados no sorvete, mas em mim. Analisavam meu corpo, sem disfarçar o interesse, até encontrarem os meus olhos e, finalmente, minha boca. Algo naquelas trocas de olhares me desconcertava. Eu sabia o que ele queria. Sabia o que ele pensava de mim.
Engoli seco, sentindo o gosto amargo da humilhação se espalhando pela minha garganta. O gesto dele era íntimo, invasivo, e eu não sabia o que fazer. Não sabia como reagir. Mas, no fundo, tudo o que eu queria era que ele saísse. Saísse dali. Saísse da minha vida.
— Não faça mais isso — murmurei, os olhos desviando do olhar dele.
— Ah, Mavi, é só sorvete... não precisa de drama — disse ele, com um sorriso cínico no rosto.
Eu forcei um sorriso, deixei o copo na pia e subir. Precisava sair dali, precisava me afastar, mas, antes que eu pudesse passar, ele bloqueou a passagem por um segundo.
— Pra que tanta pressa? Vai fugir de mim agora? — ele perguntou, com o olhar cravado em meus seios no top cinza. Aquelas palavras me fizeram tremer, mas eu apenas tentei seguir em frente, tentando não mostrar o quanto ele estava me afetando.
Ele deu um passo para o lado, como se nada tivesse acontecido, mas a tensão ficou comigo. No fundo, sabia que isso era só o começo. Eu só queria me afastar. Queria estar longe dele.
No quarto, tentei me concentrar. A ansiedade ainda me tomava, mas eu sabia que o final período acadêmico estava começando, e com ele, o período de avaliações, seminários que se aproximavam. Contudo, minha mente não conseguia focar nos estudos. A lembrança do olhar de Marcelo, sua atitude invasiva, se repetia em minha cabeça.
Os passos dele no corredor interromperam meu frágil momento de concentração. A sombra de seus pés se projetava por debaixo da porta, e logo o clique da maçaneta girando fez meu estômago se revirar. A maldita fechadura quebrada, agora me mostrava o quanto, o antes não precisava de travar, neste momento necessitava.
— Você ficou chateada com aquilo, né? — perguntou, encostado no batente.
— Marcelo, o que você tá fazendo aqui? — perguntei, tentando soar firme, embora meu coração estivesse disparado.
— A porta tava encostada, ficou chateada? — mentiu, logo se aproximou, encostando o quadril na minha cadeira. A pressão no meu ombro me fez sentir uma onda de desconforto, que eu não consegui me mexer.
— Não, só estou ocupada, você não devia, minha mãe... — tentei, mas ele me interrompeu.
— Para de ser nerd, Mavi, vamos curtir um pouco.— Disse me olhando, me percorrendo com os seus olhos que não escondiam seus desejos impróprios. — Sua mãe tá lá embaixo, curtindo um pouco os amigos. Relaxa. Você não precisa ficar sozinha... Eu posso te fazer companhia. Aposto que sente falta de carinho — ele sussurrou, sua respiração quente próximo à minha nuca.
— Marcelo, sai do meu quarto, por favor. — Antes que eu pudesse reagir, ele se abaixou e me beijou. Sem aviso. Sem permissão.
Aquele beijo me paralisou. Foi um choque. O gosto de cerveja, o bafo quente, o asco imediato. Algo se quebrou dentro de mim naquele instante. Empurrei-o com força, o livro voou da mesa. O susto me tomou, e o grito que escapou dos meus lábios foi reflexo de uma dor profunda.
— Sai daqui! — gritei, a voz embargada. — Tá louco?
Ele recuou dois passos, levantando as mãos como se fosse inocente, mas o sorriso dele era nojento, cínico.
— Você vai mesmo estragar o dia da sua mãe com uma historinha dessas? — disse ele, como se fosse algo trivial.
Lágrimas queimaram meus olhos, mas engoli cada uma, eu não seria uma vítima, nunca! Uma conversa com a minha mãe bastava.
A porta bateu ao sair, e eu fiquei ali, sozinha, com o coração disparado, a respiração em frangalhos. O medo se espalhou por cada centímetro do meu corpo. Eu estava sozinha. E a sensação de ter perdido um pedaço da minha segurança dentro de casa me invadiu como uma onda arrasadora.
Limpei a minha boca, como quem buscava se higienizar de germes, para mim, Marcelo não era diferente, haviam dias que ele não escondia os seus olhares, e aquilo para mim, era ultrapassar tudo, não era coisa da minha cabeça.
Era noite quando desci, a minha mãe estava na sala, debruçada no colo dele, ignorei os olhares de Marcelo. Fitei a mulher de rosto escondido, pele bronzeada, cabelos loiros lisos bagunçados. — Mãe, preciso conversar com você. — Pedi.
Observando o modo como ele massageava as suas costas. — Agora, filha? — Perguntou com a voz abafada. — Sim, mãe é...
— A sua mãe não esta bem, Mavi, ela está com a pressão baixa. — Assenti diante ao que ele disse.
— Amanhã filha, pode ser? — O que eu poderia dizer? Uma hora a conversa aconteceria? — Tá, amanhã? Pode ser.
Os dias foram passando, o ambiente em casa se tornava cada vez mais hóstil. Minha mãe sempre ocupada, distraída com suas próprias preocupações, mal percebendo o que acontecia ao seu redor. Eu, por outro lado, tinha as obrigações da faculdade, as provas finais, os estágios práticos chegando, o final do de semestre, mas nada disso parecia ser suficiente para me afastar das visitas de Marcelo.Às vezes, eu mal podia acreditar em como ele conseguia se fazer presente sem ser convidado, aparecendo em todos os cantos da casa, sempre com aquele olhar que não sabia esconder. Ele parecia estar em todo lugar, sempre perto demais, como se quisesse ocupar cada espaço. Cada movimento meu era seguido por ele, e eu não sabia mais como reagir.Era comum que eu estivesse no meu quarto, tentando estudar ou descansar, quando ouvia a porta se abrir com um ranger baixo. Ele nunca batia. Apenas entrava, e o simples som de seus passos parecia encher o ambiente com uma tensão que eu não sabia como cortar.No i
Os meus dias se tornavam cada vez mais cheios.Eu ainda pensava em tudo, a manhã no hospital, a tarde na palestra, noite no seminário.Cheguei em casa tarde da noite, mas foi o silêncio que me atingiu primeiro. Um silêncio que não era paz, era alerta. Um presságio, um aviso sutil de que algo estava prestes a acontecer. Um tipo de vazio denso, que se espalhava pelo corredor como névoa antes da tempestade. Subi os degraus devagar, sentindo o peso do dia se acumular nos ombros. A maleta escorregava da minha mão, o paletó já amarrotado pelas idas e vindas, por vestir e despir ao longo das horas, ou por simplesmente estar ali, à espera.Passava das onze da noite. Eu havia avisado que não viria direto pra casa, depois da palestra, talvez esticasse no hospital. Maria Clara não precisava me esperar, mas o evento acabou cedo, a chuva mudava os planos naquela noite. Nossos dias estavam cheios, corridos. E o que um dia foi promessa de vida mansa, de descanso, se perdia lentamente em trabalhos int
A minha agenda continuava lotada, por mais que a minha cabeça estivesse entre a dor da traição e uma agenda lotada de cirurgias, me ocupar parecia a melhor saída. Evitar uma conversa com Maria Clara, naquele momento, era a única forma de manter alguma sanidade, evitando conflitos que nos machucaria mais, por isso, fui a Capital do Rio de Janeiro, era uma palestra importante. O auditório da universidade federal estava lotado. Era o encerramento de semestre naquela faculdade. Alunos de medicina e enfermagem de todas as fases se amontoavam nos bancos desconfortáveis de plástico, alguns anotando freneticamente, outros apenas fingindo interesse. Eu estava acostumado com aquilo: palestras, congressos, aulas inaugurais. O mesmo ciclo de frases de efeito e gráficos impactantes.Mas naquela noite havia algo diferente no ar. Talvez fosse o cansaço da viagem ou o incômodo de estar de volta ao Rio, onde memórias passadas ainda sussurravam em cada esquina, lembrando-me que o nosso para sempre não
O quinto semestre finalmente chegava ao fim, com uma palestra de peso, o doutor Xavier, era reconhecido no meio da medicina por suas habilidades em cirurgias complexas, mas se destacava pelo auto controle, algo que eu precisava dominar, o sexto período se aproximava, eu precisava saber mais a respeito. Mesmo longe de casa, hospedada na casa da tia Helena, eu não conseguia parar de pensar na minha mãe. Nem eu, nem tia Helena entendíamos suas razões. Por mais que doesse, eu ainda tentava.O celular vibrou em algum canto da casa. Fui procurá-lo, com a esperança boba de que fosse ela. Mas ao ver "Isis" na tela, atendi com um suspiro e levei o aparelho ao ouvido enquanto lavava as mãos.— Ai Amiga, tô de saco cheio do Thiago.Ela mal esperou eu dizer "alô". Nunca fui de ter muitas amigas, e talvez por isso aturasse os desabafos repetitivos.— Termina, oras — falei, sem filtro.— Claro que não! Só tô cansada dele. Quero sair um pouco. Por que a gente não viaja essa semana?Era a oportunidad
Saí em busca de um aquecedor, já que o quarto não tinha um. Quando voltei, encontrei um intruso na minha cama.Ele ou ela estava encolhida sob o cobertor, a respiração leve, como se tivesse se apropriado do espaço sem o menor constrangimento. Franzi o cenho, mas a luz novamente se apagou. — Droga, estas tecnologias, não chegam tão boa para nós. — Reclamei do sensor.— Quem está aí? — Perguntou uma voz feminina jovem, me deixando perplexo, eu havia entrado no quarto errado? Me perguntei conferindo os bolsos, num hábito comum quando estou inseguro. — Eu quem pergunto, quem está ai? Este é o bangalô número quatro. Está reservado para mim — Antes que eu terminasse, a desconhecida sentou na cama, fazendo com que aquele bendito sensor funcionasse de vez. Meu olhar se fixou instintivamente ainda mais ao perceber que ela estava completamente nua.Ela era uma visão deslumbrante. Seus cabelos escuros pouco úmidos, como a noite sem lua, caíam em cascatas sobre seus ombros, como se cada fio tives
— Eu quem pergunto. Este é o bangalô número quatro. Está reservado para mim.Sentei-me na cama, e a luz finalmente se acendeu.Diante de mim, o homem de cabelos grisalhos, mas não velho. Seu semblante era cansado, mas não abatido. O olhar, negro e profundo, fixava-se em mim com o cenho franzido. Havia algo de inquietante naquela presença, uma força contida, quase perigosa, seu corpo alto e de postura imponente, eu o conhecia, e o admirava. Ele exalava uma elegância rara, daquelas que não se aprende, apenas se carrega. Cada movimento era silenciosamente calculado, mas cheio de uma sensualidade natural, como se o próprio ar ao redor dele soubesse que precisava abrir caminho. Era lindo, mas de um jeito que doía, não pela perfeição, mas pelo impacto. Tinha charme e mistério nos gestos, desejo nos silêncios e uma beleza cruel que parecia feita para ser proibida.Eu tinha corrido contra o tempo, naquela quarta-feira para assistir a sua palestra, enfrentando dois ônibus lotados, correndo pel
Mavi entrou no quarto, usando um vestido branco de alças finas, com desenhos em tons azuis bastante marcantes por baixo uma cacharel quase do tom da pele fina, desde o almoço, ela usava aquela peça, uma linda garota, que chama a atenção sem perceber. Ela sentou na mesma poltrona novamente, e sem hesitar abriu o livro lendo de onde parou, era como se buscasse paz, o que me fez imaginar que em nenhum outro bângalo teria, eram casais até mesmo no de solteiro naquele momento, a chuva fina, era como uma premissa convidativa para atos afetuosos e liberações de desejos sexuais. Me olhou por algum momento, como se soubesse que eu ainda a olhava, nossos olhos fixaram por algum momento que não controlei, ela em silêncio me observou e eu fiz o mesmo, até que desviou os olhos para o livro novamente. No quarto bângalo, o quarto laranjeiras, com um aroma agradavel, naquele momento, eu oscilava entre ter tomado a decisão correta, em pedir o divórcio me separando da unica mulher em que me unir para
Tudo nele me atraia, em pouco tempo de conversa com Alexandre, era melhor do que esta naquela palestra, inteligente, sábio, experiente, os seus modos de gesticular, as pausas entre as falas, além do modo gentil, cavalheiro e educado. Eu nunca, nunca me senti tão protegida, tão acolhida na vida. Adormeci na sua cama, e apesar de algumas vezes termos trocado olhares, ele não se aproveitou disso, ele mexia comigo, provocava sensações que eu achava que nunca ia sentir. Houve uma paixão aqui outra ali, mas nada que me fizesse senti o corpo em chamas somente com um olhar, os olhos de Alexandre não ia diretamente ao meu corpo, eles se demoravam em meus olhos, como se os lesse e se importasse com o que eu dissesse em cada palavra. Até parar em minha boca, acompanhando cada movimento dela, e ali se demorava. Achei que ele ia me beijar pela tarde, depois na fogueira, Isis até comentou que nós estavámos nos olhando demais, que eu tinha dado para ele, rolei os olhos ao ouvir, e em seguida, f