O Melhor amigo do meu pai é o meu amor.
O Melhor amigo do meu pai é o meu amor.
Por: Ivi Santiago
Prólogo

De todos os pecados que aprendi a esconder, a gula era o mais inofensivo. Uma indulgência simples, quase inocente, que me permitia escapar, nem que fosse por um breve momento, da realidade sufocante em que vivia. No calor insuportável de um domingo carioca, meu refúgio era um copo generoso de sorvete de morango. Gelado, doce e quase inocente. Quase.

Sentada no sofá da sala, com o ventilador batendo em meu rosto, observava o movimento na piscina através da janela entreaberta. Minha mãe de biquíni laranja, rodeada de convidados bronzeados, risadas ocas, corpos molhados e taças de espumante. A típica cena das festas dela. Aquelas festas que sempre me faziam sentir como se fosse uma intrusa no mundo dela. O tipo de vida ao qual nunca consegui pertencer.

As risadas alheias me pareciam vazias, como se fossem apenas uma forma de preencher o silêncio desconfortável que sempre reinava entre nós. O copo de sorvete se esvaziava lentamente enquanto eu me perdia em pensamentos, tentando ao menos por alguns minutos esquecer o que me incomodava. A sensação de estar ali, mas ao mesmo tempo tão distante de todos, me consumia.

A primeira colherada ainda dançava na minha língua quando ouvi a porta se abrir. Um ruído familiar, mas que agora me soava ameaçador. Instintivamente, levei o copo de sorvete ao peito, como se protegê-lo pudesse me proteger também. Um reflexo bobo, mas era o que me restava.

— Aí está você, linda — disse Marcelo, entrando sem cerimônia. Pingando da piscina, com uma bermuda de sarja escura, a pele clara molhada e os fios negros encharcados e bagunçados. Ele se aproximou, com aquele sorriso largo demais, forçado demais, que me fazia ter vontade de fugir dali a cada vez que o via.

Cada passo dele deixava um rastro molhado no chão, e eu me encolhia um pouco mais, tentando controlar a ansiedade que começava a surgir, uma mistura de incômodo e insegurança.

— Eu... — tentei dizer, mas a voz me traiu. Apenas sorri, fraca, e continuei tomando o sorvete, tentando parecer indiferente, tentando me proteger da invasão que sabia que viria.

Marcelo se aproximou mais, agora perto demais. O cheiro de piscina e cerveja se misturava, me deixando tonta. Antes que eu pudesse reagir, ele tomou a colher da minha mão e a enfiou na própria boca, como se aquele pequeno gesto tivesse algum tipo de direito sobre mim.

— Humm... delícia! — Ele saboreou o sorvete como se estivesse buscando algo além do sabor. Seus olhos, no entanto, não estavam focados no sorvete, mas em mim. Analisavam meu corpo, sem disfarçar o interesse, até encontrarem os meus olhos e, finalmente, minha boca. Algo naquelas trocas de olhares me desconcertava. Eu sabia o que ele queria. Sabia o que ele pensava de mim.

Engoli seco, sentindo o gosto amargo da humilhação se espalhando pela minha garganta. O gesto dele era íntimo, invasivo, e eu não sabia o que fazer. Não sabia como reagir. Mas, no fundo, tudo o que eu queria era que ele saísse. Saísse dali. Saísse da minha vida.

— Não faça mais isso — murmurei, os olhos desviando do olhar dele.

— Ah, Mavi, é só sorvete... não precisa de drama — disse ele, com um sorriso cínico no rosto.

Eu forcei um sorriso, deixei o copo na pia e subir. Precisava sair dali, precisava me afastar, mas, antes que eu pudesse passar, ele bloqueou a passagem por um segundo.

— Pra que tanta pressa? Vai fugir de mim agora? — ele perguntou, com o olhar cravado em meus seios no top cinza. Aquelas palavras me fizeram tremer, mas eu apenas tentei seguir em frente, tentando não mostrar o quanto ele estava me afetando.

Ele deu um passo para o lado, como se nada tivesse acontecido, mas a tensão ficou comigo. No fundo, sabia que isso era só o começo. Eu só queria me afastar. Queria estar longe dele.

No quarto, tentei me concentrar. A ansiedade ainda me tomava, mas eu sabia que o final período acadêmico estava começando, e com ele, o período de avaliações, seminários que se aproximavam. Contudo, minha mente não conseguia focar nos estudos. A lembrança do olhar de Marcelo, sua atitude invasiva, se repetia em minha cabeça.

Os passos dele no corredor interromperam meu frágil momento de concentração. A sombra de seus pés se projetava por debaixo da porta, e logo o clique da maçaneta girando fez meu estômago se revirar. A maldita fechadura quebrada, agora me mostrava o quanto, o antes não precisava de travar, neste momento necessitava. 

— Você ficou chateada com aquilo, né? — perguntou, encostado no batente.

— Marcelo, o que você tá fazendo aqui? — perguntei, tentando soar firme, embora meu coração estivesse disparado.

— A porta tava encostada, ficou chateada? — mentiu, logo se aproximou, encostando o quadril na minha cadeira. A pressão no meu ombro me fez sentir uma onda de desconforto, que eu não consegui me mexer.

— Não, só estou ocupada, você não devia, minha mãe... — tentei, mas ele me interrompeu.

— Para de ser nerd, Mavi, vamos curtir um pouco.— Disse me olhando, me percorrendo com os seus olhos que não escondiam seus desejos impróprios.  — Sua mãe tá lá embaixo, curtindo um pouco os amigos. Relaxa. Você não precisa ficar sozinha... Eu posso te fazer companhia. Aposto que sente falta de carinho — ele sussurrou, sua respiração quente próximo à minha nuca.

— Marcelo, sai do meu quarto, por favor. —  Antes que eu pudesse reagir, ele se abaixou e me beijou. Sem aviso. Sem permissão.

Aquele beijo me paralisou. Foi um choque. O gosto de cerveja, o bafo quente, o asco imediato. Algo se quebrou dentro de mim naquele instante. Empurrei-o com força, o livro voou da mesa. O susto me tomou, e o grito que escapou dos meus lábios foi reflexo de uma dor profunda.

— Sai daqui! — gritei, a voz embargada. — Tá louco?

Ele recuou dois passos, levantando as mãos como se fosse inocente, mas o sorriso dele era nojento, cínico.

— Você vai mesmo estragar o dia da sua mãe com uma historinha dessas? — disse ele, como se fosse algo trivial.

Lágrimas queimaram meus olhos, mas engoli cada uma, eu não seria uma vítima, nunca! Uma conversa com a minha mãe bastava. 

A porta bateu ao sair, e eu fiquei ali, sozinha, com o coração disparado, a respiração em frangalhos. O medo se espalhou por cada centímetro do meu corpo. Eu estava sozinha. E a sensação de ter perdido um pedaço da minha segurança dentro de casa me invadiu como uma onda arrasadora.

Limpei a minha boca, como quem buscava se higienizar de germes, para mim, Marcelo não era diferente, haviam dias que ele não escondia os seus olhares, e aquilo para mim, era ultrapassar tudo, não era coisa da minha cabeça. 

Era noite quando desci, a minha mãe estava na sala, debruçada no colo dele, ignorei os olhares de Marcelo. Fitei a mulher de rosto escondido, pele bronzeada, cabelos loiros lisos bagunçados. — Mãe, preciso conversar com você. — Pedi.

Observando o modo como ele massageava as suas costas. — Agora, filha? — Perguntou com a voz abafada. — Sim, mãe é...

— A sua mãe não esta bem, Mavi, ela está com a pressão baixa. — Assenti diante ao que ele disse. 

— Amanhã filha, pode ser? — O que eu poderia dizer? Uma hora a conversa aconteceria? — Tá, amanhã? Pode ser. 

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