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༺ Tamara Silva ༻
A noite de sábado avançava lenta, e eu estava ali, afundada no sofá, deslizando o dedo pela tela como quem procura um motivo para continuar sonhando. Bastou abrir os stories para encontrar Pedro em mais uma aventura barulhenta, cercado de risos, luzes e duas mulheres penduradas nele como enfeites de uma vitrine cara. A risada dele atravessou a tela e, como sempre, acertou direto onde doía. Quando será que ele perceberia que eu o amor tanto? Célia se jogou ao meu lado com um balde de pipoca, observou a cena e revirou os olhos. — Você e essa obsessão por um homem que não a deseja… Eu realmente não entendo — murmurou, impaciente. — Cuide da sua vida — retruquei, irritada com a verdade que ela insistia em esfregar na minha cara. — Um dia ele vai perceber o quanto gosto dele. A expressão dela desabou numa mistura de cansaço e frustração. — Dez anos, Tamara. Dez. Quantas vezes mais você pretende se machucar por alguém que nunca lhe ofereceu sequer consideração? Isso já lhe tirou tempo demais. As palavras ecoaram como marteladas. No fundo, eu sabia que Célia estava certa. Pedro jamais foi gentil, nunca demonstrou apreço real, ou me tratou com o mínimo de respeito. Havia dias em que a frieza dele parecia um castigo, e mesmo assim eu inventava desculpas para protegê-lo. Para mim, aquele sentimento era amor. Para o resto do mundo, um vício que me consumia. — Você não percebe que isso a adoece você? — insistiu Célia, firme. — Ele se diverte com quem quiser, e você segue aqui, presa, esperando por migalhas. — Eu gosto dele — respondi, num fio de voz que mais parecia súplica. — Apenas isso. Ela soltou um suspiro pesado, pegou o controle e mudou de canal. — Tentarei não repetir mais — declarou. — Só espero que desperte antes de desperdiçar ainda mais da própria vida. Quando o silêncio ameaçava se instalar, a porta se abriu. Estela entrou apressada, chamando meu nome. — Tamara, vamos. Quero você comigo hoje. Pedro está na nova boate de nova Lubosne, e seria bom aparecer por lá. Levantei-me num salto, tomada por um entusiasmo que me denunciava. Estela sempre acreditou que bastava uma chance para o irmão enxergar o que ignorava há anos. Talvez por isso nunca desistisse de me arrastar para perto dele. Célia resmungou antes mesmo de eu chegar à porta. — Vá lá, então. Corra atrás de quem só lhe causa sofrimento. — Deixe de implicância — respondi, já seguindo Estela. — Sei o que faço. No quarto, ela separou um vestido roxo e começou a mexer na nécessaire com determinação. — Vou preparar uma maquiagem impecável — afirmou, convicta. — Quero ver se Pedro continua fingindo que não nota você. Vesti o tecido macio, ajeitei a barra e tentei controlar o nervosismo. — Será que adianta? — perguntei, quase sem ar. Estela se aproximou e segurou meu rosto com delicadeza. — Ele não percebeu ainda porque enxerga o mundo pela metade. Mas há momentos em que até os distraídos despertam. Assenti, embora o pensamento insista em lembrar que, até então, nada havia mudado. Mesmo assim, deixei que ela finalizasse a maquiagem como se cada pincelada fosse uma promessa. Talvez fosse minha última tentativa e a chance que eu tanto esperava finalmente estivesse chegando. Quando terminei de colocar o vestido e Estela finalizou a maquiagem, senti-me quase uma versão melhorada de mim mesma. O espelho devolveu um reflexo que parecia confiante, embora eu soubesse que parte daquela coragem é pura maquiagem emocional. Estela sorriu, satisfeita, e anunciou que iria buscar a bolsa que havia deixado no seu quarto. Assim que ela desapareceu pelo corredor, passos conhecidos se aproximaram. Célia surgiu devagar, como se estudasse cada detalhe meu. Detestava quando vinha com aquele olhar capaz de atravessar qualquer defesa, o mesmo olhar que sempre me deixava inquieta, como se estivesse prestes a anunciar uma tragédia inevitável. — Já sei — digo, cruzando os braços. — Você vai começar com aquele seu pressentimento estranho. Ela respirou fundo, puxou uma almofada e se acomodou no sofá. — Não gosta quando olho assim, eu sei. Mas a noite promete um choque de realidade — declarou com a calma de quem anuncia a mudança do clima. Engoli em seco, sentindo um arrepio subir pela nuca. — Quer dizer o quê com isso? Ela passou a mão pelo próprio cabelo, pensativa. A expressão firme contrastava com o tom grave. — Tenho um dom para perceber certas coisas. E, hoje, algo me diz que o véu finalmente vai cair dos seus olhos. Um frio percorreu minhas costas, mesmo com o calor do quarto. — Está me jogando praga? — perguntei, sem conseguir esconder o incômodo. Ela revirou os olhos, impaciente. — Claro que não. Estou dizendo que você vai cair do cavalo. Vai perceber o tempo precioso que deixou escorrer por alguém que nunca a colocou como prioridade. A irritação subiu antes que eu conseguisse controlar. — Já pedi para cuidar da sua vida. O Pedro é assunto meu. A resposta fez o rosto dela perder a firmeza habitual; havia tristeza ali, coisa rara de ver. Célia respirou fundo antes de continuar. — Quero seu bem, Tamara. Mesmo quando parece que estou puxando o seu tapete. Só tento livrá-la de mais dor. A confissão me desarmou por dentro. Suspirei, desviando o olhar. — Se quer o meu bem, me deseje sorte. Não venha com essas previsões sombrias. Só isso. Ela balançou a cabeça devagar, como quem aceita sem acreditar muito. — Tudo bem. Mas prepare o coração. Pode ser que, depois desta noite, nada permaneça igual. Às vezes, acordar para a realidade é doloroso… e necessário. Estela retornou exatamente nesse momento, animada, segurando a bolsa. — Pronta? — perguntou, sem perceber o clima tenso. Assenti, tentando recuperar o fôlego que perdi durante a conversa. Enquanto caminhávamos até a porta, senti o olhar da Célia nas minhas costas, pesado, quase protetor. Uma parte de mim queria ignorar todos os sinais. A outra, entretanto, já pressentia que essa noite marcaria um antes e um depois na minha vida. E, sem saber, eu seguia rumo ao momento que mudaria tudo.






