Vitorio Gréco
Vinte anos antes…
Acordo com uma forte tempestade caindo lá fora, sempre tive medo de trovões, mas papai diz que o medo é para os fracos.
Ele diz que tenho que ser forte, corajoso e implacável. Aos nove anos, essas palavras não deveriam significar muita coisa para mim, mas graças às constantes surras que ele me dá sei bem o que ele quer dizer, sou obrigado a saber.
Por isso fico em me quarto com a cabeça coberta, não posso ser uma criança normal e correr para me deitar com a mamãe, isso com certeza teria consequências, no caso, uma sessão de espancamento.
De repente, ouço o barulho de tiros, sei que são que tiros porque meu padrinho, tio Paolo, está ensinando a Santino e a mim atirar, segundo ele, é para a nossa própria proteção.
Me levanto da cama e saio do meu quarto querendo saber o que aconteceu, caminho devagar pelo corredor escuro, com um silêncio sufocante ecoando por todo o lugar. Alguma coisa aconteceu, eu posso sentir isso, a minha pele está arrepiada, o meu coração acelerado e a noite trevosa que faz parecer que o céu está desabando sobre nossas cabeças só contribui mais para a áurea macabra que de repente se instalou nessa casa.
No final do correndo vejo uma luz, ela vem do quarto dos meus pais, a porta está aberta, o que é estranho, ela nunca fica aberta.
Com passos hesitantes entro no local, meus olhos passeiam pelo espaço até pousarem na cama, mamãe está deitada com seu corpo nu e imóvel, ao seu lado está Nicoló, também imóvel, com sua nudez sendo coberta somente por um lençol.
Observo atentamente o semblante estagnado da mamãe, até que vejo, bem no meio da sua testa, um buraco no qual um fiapo de sangue escorre, olho para Nicoló e ele está da mesma maneira.
Solto um grito e me afasto, em meu desespero acabo caindo no chão, mas continuo tentando tomar distância da cena a minha frente.
Meu sangue parece ter congelado em minhas veias, meu corpo treme e meu coração está quase saindo pela minha boca.
Martino_ Eles estão mortos.
Ouço as palavras do meu pai e olho em direção do som da sua voz, lá está ele, sentado em uma poltrona em um canto mais escuro do quarto, não sei como não o tinha visto ali antes.
Papai está sentado em uma posição relaxada com o copo de bebida na mão, provavelmente Whisky, ele sempre diz que essa é a bebida dos homens de verdade e que vinho é coisa de mulherzinha.
Papai deixa o copo de lado, se levanta e caminha até mim com seus passos lentos e calculados, sei que não devo parecer fraco ou amedrontado ele não gosta disso, então fico de pé, tentando manter uma postura imbatível, se é que isso é possível para uma criança de nove anos.
Papai se abaixa até que seus olhos frios e sem emoção encontram os meus, ele me olha fixamente e segura em meus ombros.
Martino_ Sua mãe está morta, ela nos traiu, traiu a nossa família e traidores nunca, jamais, em hipótese alguma são perdoados, não importam quem sejam, a família sempre vem em primeiro lugar.
Diz com firmeza, sem deixar espaço para discussão.
Eu queria gritar, dizer que não, que ele estava errado, que eu amava a mamãe e que eu a perdoava, mas sabia que não podia fazer isso. Se discordasse dele, seria espancado até desmaiar, eu já conhecia a fúria e a força dos punhos dele.
Martino_ Você sabe o que fazemos com os traidores nessa família filho?
Vitório_ Nos exterminamos papai.
Digo fazendo o possível para que minha voz não soe tremula.
Martino_ Ótimo, é bom que você aprenda desde de sedo, a familia, sempre vira em primeiro lugar, acima de tudo e de todos, quanto mais cedo entender isso melhor será para você.
Faço que sim com a cabeça, sentindo um nó se formar na minha garganta.
Martino_ Não ouvi a sua resposta.
Vitório_ Sim, papai.
Martino_ Agora vamos limpar essa bagunça.
Ele fala como se estivesse falando de algo simples, como se não estivesse falando do corpo da esposa que ele acabou de matar.
Mas isso é fácil de entender, papai não sente, não se importa e não ama ninguém e eu também deveria ser assim, é isso que ele quer de mim, que eu seja uma cópia fiel sua.
Martino_ Me ajude aqui, eu pego nos braços e você nas pernas.
Ele ordena e não tenho outra opção a não ser ajuda-lo a carregar o corpo da minha mãe.
Sei bem que papai poderia mandar os soldados da família fazerem isso, mas ele quer me ensinar a não sentir, a não me importar, a ser frio e cruel como ele.
Paolo_ O que está fazendo Martino? Deixe que os soldados cuidem disso, Vitorio ainda não tem idade para lidar com essas coisas.
Tio Paolo fala assim que nos ve, descendo as escadas.
Martino_ Bobagem, já está mais do que na hora de Vitorio ser iniciado, ele é o meu herdeiro o próximo dom, tem começar a ser preparado mais cedo que os outros.
Vejo pelo olhar de pena do meu tio que ele não está de acordo como a decisão do irmão, mas não pode fazer nada para me ajudar, e acho que nem se pudesse ele faria, os dois nao são muito diferentes quando se trata de criar os filhos, Santino também sente isso na pele.
Martino_ Mande os soldados se livrarem do corpo do miserável do Nicoló, Vitório e eu vamos cuidar da Giulia.
Paolo_ Você quem manda.
Tio Paolo fala e sai da sala.
Martino_ Vamos Vitório, quando acabarmos com essa puta, vai ser como se ela nunca tivesse existido em nossas vidas.
Levamos o corpo dela para o porão, e colocamos em cima de uma maca.
Martino_ Pegue.
Ele me entrega um tipo de serrote.
Martino_ Quero que a separe membro por membro e depois jogue no incinerador.
Fala apontando para um forno gigante.
Olho para papai meio em choque, sem saber o que fazer.
Martino_ Não me ouviu moleque, faça o que estou mandando.
Vitorio_ Mas papai, é a mamãe, não posso fazer isso como ela.
Ele me olha com fúria, retira a sua arma e aponta para a minha cabeça.
Martino_ Faça o que estou mandando ou eu te mato, e não se atreva a derramar uma lágrima feito uma bichinha de merda, ou o cano dessa arma vai fuder o seu rabo.
Respiro fundo segurando as lágrimas que já ameaçavam cair e começo o trabalho, arrancando as partes do corpo de mulher que foi a minha mãe e queimando tudo até restar somente suas cinzas.
Quando tudo acabou e eu saí daquele porão maldito, eu não era nem a sombra do garoto inocente de sorriso fácil que amava a mãe, agora eu era Vitório Gréco o próximo dom da Cosa Nostra, não havia mais nenhum traço de humanidade em mim.
Eu estava sendo forjado do puro ódio e da crueldade mais sinistra do mundo, meu pai havia conseguido alcançar o seu objetivo, me tornaria a copia perfeita dele, ou melhor, a copia não, seria muito pior que ele, a maldade estava correndo em minhas veias, e não havia mais volta, meu destino estava traçado, e aí daqueles que se colocassem em meu caminho...