Leonardo chegou em casa profundamente tocado, ainda sob o efeito do tempo que passou com Caio. O menino tinha um talento puro — uma daquelas raridades que emocionam só de ver.
— Olha, essa turma está mesmo mexendo com você. É o segundo dia que chega assim tão feliz — disse Clara, aproximando-se com um belo sorriso. Sua insatisfação com a alegria dele por estar naquela cidade — perto demais da própria família — era enorme, mas ela disfarçava impecavelmente.
Ele se aproximou e lhe deu um beijo satisfeito.
— Hoje eu encontrei um aluno que, francamente... não se vê todo dia. O menino tem um talento nato, e é tão sensível. Foi uma das melhores aulas que tive até hoje na escola.
Leonardo se deu conta de que Caio era filho de Clara e a olhou com curiosidade. Será que ela teria algum talento para a
Clara estava apavorada. Tremia com o papel nas mãos, caminhando de um lado para o outro, em completo desespero.— Como nos acharam? Era pra pensarem que tínhamos ido embora! — Ela manipulava o papel nervosamente.Leonardo tentou oferecer alguma tranquilidade para que pudessem pensar melhor sobre o que fazer.— Clara, calma. Não é o fim do mundo.— Claro que é! Olhe o que está escrito! Estão inventando coisas sobre nós. Imagina a humilhação de voltar naquela cidadezinha pobre, com aquela gentinha atrasada...— Pedra Branca não é tão ruim... E sejamos sinceros: a chance disso aqui não dar em nada é grande. — Leonardo abandonou a intimação e caminhou até Clara, tentando apoiá-la.— Leonardo, eles estão cobrando coisas! Querem o nosso dinheiro!&
Leonardo ficou um pouco decepcionado pela resposta cheia de ironia de Jéssica. Ele se expos e ela fez pouco caso.Poderia encerrar a conversa, mas teve uma outra ideia.— Eu posso levar o Breno? Adoraria que meu filho me visse cantando...— Leonardo, você falando assim eu tenho a impressão de que está querendo saber se eu sou idiota.— O que?! Não é nada disso!— Leonardo entenda. Se eu pudesse eu te impedia de ver o Breno na rua. Se eu tivesse o poder de fazê-lo não reconhecer o meu filho nem se ele estivesse pintado na sua frente eu faria isso. Por que eu te odeio. Não deixar você levar meu filho a lugar algum e não vou te seguir nem até a esquina.Leonardo foi pego desprevenido por uma sinceridade tão visceral. Jéssica estava ferindo os sentimentos dele sem pensar duas vezes.— Me odeia? Como assim me o
Leonardo observou Breno com atenção, tentando entender o que havia por trás da resistência do garoto em aceitar o celular. Ele podia perceber que algo não estava bem; uma oportunidade se abria diante dele. Aproveitar aquele momento para criar um laço mais forte com Breno, mesmo que Jéssica tivesse que sofrer com isso.— Eu sei que você saberá usar esse celular. E isso aqui... — Leonardo começou, baixando um pouco a voz, como se estivesse compartilhando um segredo. — Ele não é só um presente. É uma maneira de eu poder estar mais perto de você, sabe? Você não acha que seria legal poder me ligar quando quiser? Falar sobre a escola, as coisas do seu dia?Breno olhou para o celular, hesitante, com os olhos grandes refletindo um misto de curiosidade e dúvida. Ele já tinha pedido para ter um celular, mas os pais sempr
Quando Jéssica e as crianças chegaram em casa, o clima estava tenso, como uma guerra prestes a estourar. Ela entrou, deixando as portas baterem com força enquanto Breno, com o celular nas mãos, tentava evitar o olhar dela.— Breno, preciso que me entregue esse celular — Jéssica pediu, tentando esconder a irritação. O menino não tinha culpa do que estava acontecendo.O garoto balançou a cabeça, agarrando ainda mais forte o aparelho.— Não quero. É um presente, mãe. Ele disse que não tem problema, que posso ficar com ele. Não é justo! Eu sou o único que não tem um celular na sala. Só eu!Caio, que estava perto, interveio imediatamente.— É verdade! Se o Breno vai ficar com um, eu também quero um. É injusto que a Maria tenha o dela e a gente não.Ma
Jéssica e Hugo permaneceram sentados no sofá da sala, olhando um para o outro em silêncio. O som ambiente, a taça de vinho, os pijamas confortáveis de praxe não conseguiram amainar os nervos culpados.O jantar ficara marcado pelo silêncio das crianças – o garfo de Caio mal se movia entre as batatas, e o rosto emburrado de Maria deixava clara a tensão no ar.Cada vez que os olhos de Breno se encontravam com os de Jéssica e Hugo, havia ali um lampejo de raiva contida, de questionamento silencioso.— Eles não disseram quase nada no jantar — Hugo sussurrou, rompendo finalmente o silêncio, a voz grave com o cansaço. — E aqueles olhares… Parecia que nos culpavam por alguma coisa.Jéssica pousou uma mão no braço de Hugo, num gesto terno que mal cabia dentro das cinco palavras que lhe escaparam:— Eu sei. — Ela dei
— O que você pensa que está fazendo, Leonardo?Do outro lado, o silêncio foi curto.— Eu só queria saber como ele está... Por que você está atendendo o telefone do meu filho? — Leonardo respondeu, com uma ponta de hesitação.— Seu filho? Quem te autorizou a dar um celular para uma criança? Aliás, quem te autorizou a ficar perto do meu filho? — Jéssica não ia disfarçar a irritação.— Jéssica, eu não preciso de autorização para ficar perto do meu filho. E tenho todo o direito de dar um presente a ele. Qual o problema?— O problema, Leonardo, é que existem limites para presentes. O Breno é uma criança de seis anos! Não tem autorização para ter um celular. Eu tive que tomar o aparelho dele. Só esse o problema.
Jéssica acordou às 5h40 com um barulho alto vindo da cozinha. Garantiu que Breno continuasse dormindo e foi ver o que estava acontecendo. Já podia prever a situação: Leonardo tinha chegado bêbado novamente. Essa situação se tornou frequente desde que se casaram.— Bom dia. — disse ela, chegando na cozinha para confirmar seu palpite. O marido estava caindo de bêbado. Mal se aguentava em pé. Tentava pegar um copo d’água, mas, apoiado na porta da geladeira, balançava muito e quase derrubou tudo o que tinha lá dentro. Um barulho que certamente acordaria o bebê.— Para com isso! — ela o sentou na cadeira e pegou a água para servi-lo, a fim de evitar o pior.— Meu anjo, Jéssica... — ele falava com a voz embargada pelo álcool. Não dava para saber se estava elogiando ou debochando da esposa. Ela o servia em partes para evitar o escândalo e, em parte, porque realmente acreditava que esse era o dever de uma boa esposa.— Qual é o problema com esse seu trabalho? Você é o único da banda que chega
Do outro lado da cidade, Hugo e Clara estavam discutindo sobre a campanha que Clara estrelaria. O sonho dela de se tornar uma influencer famosa parecia finalmente estar dando os frutos desejados.— Não podemos colocar cerveja numa campanha de carros, Clara!. O cliente já especificou o que gostaria que tivesse no comercial. — Hugo estava exausto nesse momento. Estava há horas tentando convencer a esposa a fazer exatamente o que o cliente queria, e não havia nenhum sinal de que ela tivesse entendido o que precisava.— Uma campanha com amigas se divertindo vai parecer muito mais legal. E vai atrair os jovens. As amigas, com roupas bem sensuais, bebendo muito... — Ela divagava, como se não estivesse falando nenhum absurdo. O problema é que o principal posicionamento das redes dela era a família. Mudar assim não fazia sentido para ninguém.— Clara, é um carro para família! Não tem nada de sensual nessa campanha! Você pelo menos leu o briefing? — Hugo parecia um pouco exasperado. Clara tem