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Capítulo 4 — O Quase Que Me Ferrou Inteira

Alice Kim

Saí daquela casa como quem foge de um incêndio. Ou de uma explosão nuclear. Ou de um apocalipse zumbi. Tanto faz. Qualquer um desses ainda parecia mais fácil de encarar do que o que eu deixei pra trás.

Zion.

A definição perfeita de problema, bug no sistema e caos emocional com cheiro de perfume amadeirado e café.

Eu andava rápido. Chinelo batendo no calçamento, respiração acelerada, e aquele mantra mental batendo na cabeça:
“Finge que tá tudo bem, Alice. Só finge. Finge, caramba.”

Mas não tava. Não tava nem um pouco.

Revirei na memória cada segundo daquela cena minutos atrás. A gente se encarando como se o universo inteiro fosse implodir se um de nós respirasse mais fundo. Ele, encostado no batente da porta, cruzando os braços, com aquele sorriso maldito no canto da boca, me olhando como se soubesse exatamente o que eu tava pensando.

E eu? Fingindo controle. Fingindo que não tava prestes a jogar tudo pro alto e fazer a maior besteira da minha vida.

Segui andando até o ponto de ônibus, segurando a bolsa, ajeitando o cabelo, respirando fundo, e rezando — não sei pra quem, não sei pra quê — pra tentar desligar aquele looping mental que era:
“O filho do meu padrasto. O filho. DO. MEU. PADRASTO.”

Cheguei na escola com aquele sorriso automático que a gente aprende na vida adulta. Sorriso de “tá tudo bem, senhor juiz, juro que não tô emocionalmente comprometida nem psicologicamente destruída.”

Mentira, claro.

Assim que entrei, fui engolida por aquele furacão maravilhoso que são crianças. Pequenos seres humanos que não têm a menor ideia de que eu tô vivendo um surto interno.

— Tiaaa, hoje vai ter tinta? — gritou Sofia, já pulando, como quem planeja o caos.

— Vai, mas só se você prometer que não vai pintar o cabelo do Lucas dessa vez. — Apontei, tentando rir.

— Prometo... mais ou menos. — Ela deu aquele sorriso de quem já sabe que vai quebrar a promessa.

Puxei a caixa de tintas, distribuí pincéis, preparei papéis, mas a cabeça... Deus, a cabeça não tava aqui.

O cheiro de tinta?
Ele.

O barulho do ventilador?
A VOZ DELE NA MINHA CABEÇA.

O tom amadeirado do giz marrom?
O PERFUME DELE, DESGRAÇA!

E eu? Fingindo que tava plena. Fingindo que tava ali, zen, ensinando criança a misturar azul com amarelo pra virar verde, enquanto meu cérebro misturava desejo com pânico e produzia... caos puro.

— Tia... tá tudo bem? Você tá chorando? — ouvi uma vozinha.

Pisquei, saí do transe e percebi que tava segurando o pincel parado no meio do nada, encarando o vazio igual quem vê o fim da própria existência.

— Quê? Não! Claro que não! — Pisquei rápido, respirei. — Só... só tava pensando aqui... como vocês são criativos.

Mentira. A maior da minha vida.

Fim da aula. Criança indo embora. Mãe dando tchau. E eu ali, com aquele sorrisinho plástico colado na cara, fingindo que tava viva.

Peguei minha bolsa. Suspirei. Passei a mão no rosto, ajeitei o cabelo, respirei fundo e ativei meu modo “robô social”.

Cada passo de volta pra casa parecia mais pesado. Mais lento. Como quem caminha direto pra boca do lobo. Ou melhor, pra porta da própria perdição.

Porque lá dentro, naquela casa... me esperando... estava ele.

Zion.

O bug no meu sistema.

O erro 404 da minha paz mental.

O homem que eu nunca deveria ter tocado.

Mas que agora... eu não conseguia parar de pensar.

E, Deus me ajude... porque eu sei que isso não vai acabar bem.

O caminho de volta pra casa parecia um corredor da morte emocional. Cada passo era um lembrete cruel do bug no sistema que a vida acabou de me entregar.

O pior é que eu podia ter fingido que era coincidência. Que o universo tava só brincando comigo. Que isso tudo era só um surto coletivo dentro da minha cabeça. MAS NÃO. O cheiro dele ainda tava grudado em mim. O toque dele ainda queimava na pele. E, meu Deus… aquele olhar...

Cheguei na porta, respirei fundo, segurei a maçaneta como quem segura a própria sanidade e empurrei.

A cena que encontrei me deu um mini ataque cardíaco.

Ele. Na cozinha. Cozinhando.

Camisa preta, manga arregaçada, tatuagem aparecendo, cabelo meio bagunçado, concentrado cortando legumes como se não fosse absolutamente ilegal ele existir daquele jeito.

Minha mãe tava do lado, rindo, ajudando, mexendo alguma coisa na panela. Meu padrasto aparentemente tinha saído, porque não tava por ali.

O cheiro da comida se misturava com o cheiro dele, com o cheiro da perdição, do pecado, do erro... e da vontade absurda que meu corpo tinha de fazer tudo de novo. E de novo. E de novo.

Ele percebeu que eu entrei. Levantou os olhos. E, por um segundo — UM mísero segundo — eu juro que ele travou. Só que disfarçou tão rápido que quase me perguntei se imaginei.

— Oi, Alice. Chegou bem? — soltou, com aquela voz rouca, como se a pergunta fosse inocente. Como se ontem não tivesse acontecido. Como se meu corpo não lembrasse exatamente da pressão das mãos dele segurando meu quadril.

Minha mãe olhou pra mim, toda feliz, batendo palminha. — Zion estava me ajudando! Olha só que maravilha! Sabia até temperar. Eu que lute pra não perder meu posto aqui, viu?

Eu sorri. Falso. Plástico. Mais falso que nota de três reais. — Que bom. Parabéns pra vocês.

Soltei a bolsa no sofá, tentando parecer normal, mas, por dentro, meu sistema operacional tava com 72 abas abertas, 4 antivírus travados, e uma notificação piscando: “BUG FATAL. ZION DETECTADO.”

— Você quer ajudar, filha? — minha mãe perguntou, animada. — Ou quer ir tomar banho primeiro? A comida já tá quase pronta.

— Banho. — Respondi rápido, praticamente fugindo. — Definitivamente, banho.

Subi as escadas tão rápido que parecia que a escada ia sumir debaixo dos meus pés se eu não fosse mais ligeira que a minha própria vergonha.

Fechei a porta do quarto, encostei as costas nela e deslizei até o chão. Mãos no rosto. Respiração falhada.

Eu tô ferrada. Eu tô MUITO ferrada.

Joguei a roupa em qualquer canto, entrei no banheiro, liguei o chuveiro no máximo. Deixei a água cair, tentando, desesperadamente, lavar da minha pele aquele cheiro dele, aquele toque, aquele olhar. Mas não saía.

Porque, no fundo, eu não queria que saísse.

Apoiei as mãos na parede do box, respirei fundo e soltei, encarando o chão: — Parabéns, Alice. Você zerou a vida. E no modo HARD.

Saí do banho, me enrolei na toalha, sentei na cama e encarei o guarda-roupa como quem encara uma decisão de vida ou morte.

“Se veste bonitinha. Não pode parecer abalada. Não pode parecer fraca. Não pode parecer que quer arrancar a roupa dele no meio da cozinha.”

Jeans. Camiseta branca. Jaqueta. Básica. Neutra. Inofensiva. Ou pelo menos fingindo ser.

Respirei fundo, ajeitei o cabelo e olhei no espelho. — Você não vai surtar. Você é uma mulher madura. Capaz. Centrada. — Pausei. — Tá. Mentira. Mas finge. Só finge.

Desci.

E lá estava ele. De costas, mexendo na panela. Ombros largos, costas largas, tatuagem descendo pela nuca e entrando pela gola da camisa.

O som da minha vida desceu pra dois níveis:

1 — O chiado da frigideira.

2 — O batimento ABSURDAMENTE ALTO do meu próprio coração.

Ele percebeu que eu desci. Virou o rosto, olhou por cima do ombro, e aquele maldito sorriso apareceu. De canto. Aquele. Aquele sorriso que destrói.

— Tá cheirosa. — Ele soltou. Baixo. Só pra mim.

Meu corpo inteiro acendeu.

Segurei a bancada.

— Cuidado, Zion. — Respondi no mesmo tom. — Se continuar assim, eu te jogo na panela junto.

Ele riu. Baixo. Quase um ronronar. E, juro... se o inferno tem alguma coisa parecida com isso, eu vou pra lá de cabeça erguida.

E a noite... estava só começando.

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