Capítulo 02

O som da chuva fina batendo contra as janelas a despertou antes do amanhecer. Angela demorou um momento para se situar, seus pensamentos ainda envoltos na névoa dos sonhos — ou seriam pesadelos?

Tudo parecia embaçado desde que chegara à vila. Como se estivesse vivendo entre dois mundos.

Ela se arrastou para fora da cama improvisada e caminhou até a pequena cozinha. Enquanto colocava água para ferver, seus olhos vagaram pela janela. Lá fora, a floresta se estendia como uma muralha viva, suas árvores antigas balançando suavemente sob a brisa fria.

E, por um instante, jurou ver uma sombra se mover entre as árvores.

Zane.

Seu nome ecoou em sua mente como uma maldição e uma promessa.

O encontro da noite anterior a deixara inquieta, dividida entre medo e uma atração crua que ameaçava devorá-la.

Angela afastou os pensamentos. Tinha coisas mais urgentes para resolver. Precisava ir até a vila comprar mantimentos. Sua despensa estava praticamente vazia, e o pouco que restava da herança que recebera era o suficiente para se manter... por enquanto.

Ela vestiu um casaco pesado e se armou de coragem antes de sair.

As ruas estavam ainda mais vazias sob a chuva. Montemori parecia uma cidade fantasma. Só o som de seus próprios passos acompanhava sua caminhada até o mercado local.

O velho mercadinho parecia esquecido no tempo: prateleiras de madeira cheias de produtos embalados à mão, sacos de farinha amontoados nos cantos, ervas penduradas no teto.

Angela passou os olhos pelas mercadorias, pegando o que precisava.

— Você é nova. — disse uma voz áspera atrás dela.

Ela se virou e encontrou um grupo de homens. Todos usavam roupas simples, mas havia algo nos seus olhares — algo hostil, desconfiado — que a fez recuar instintivamente.

— Sim — respondeu, mantendo a voz firme.

— Não é seguro aqui para quem não é de sangue puro. — Um deles cuspiu no chão ao lado dela.

Angela franziu a testa, confusa.

— Eu não quero problemas — disse rapidamente, tentando se afastar.

Mas eles a cercaram, o cheiro de álcool e fumaça impregnando o ar.

— Você deveria voltar para onde veio — rosnou o homem que parecia o líder, seus olhos estreitos brilhando com algo que não era apenas raiva.

O medo apertou o peito de Angela. Seus dedos tremiam. Ela abriu a boca para responder — ou gritar — mas não teve tempo.

Uma mão grande e quente pousou em seu ombro.

O toque foi como uma onda de calor, uma corrente elétrica percorrendo seu corpo e silenciando o pânico.

Angela olhou para cima, e encontrou outro par de olhos.

Dessa vez, não dourados, mas de um verde profundo, como as florestas em noites de tempestade.

O homem que a segurava era alto, mas diferente de Zane. Havia uma calma feroz nele, uma força silenciosa que não precisava ser declarada.

— Algum problema aqui? perguntou ele, a voz baixa e carregada de ameaça.

Os homens hesitaram, trocando olhares desconfortáveis.

— Nenhum, Theo . murmuraram antes de se dispersar como ratos assustados.

Angela ficou parada, atordoada.

Theo virou-se para ela, seus olhos suaves agora, e soltou seu ombro devagar, como se temesse machucá-la.

— Você está bem? — perguntou.

Ela assentiu, embora seu corpo ainda tremesse.

— Obrigada. Sua voz saiu embargada, e ela odiou a fragilidade que sentia.

Theo sorriu de leve, um sorriso triste, como se soubesse exatamente o peso que ela carregava.

— Não precisa agradecer. — Ele a estudou por um momento, depois acrescentou, mais suave: — Você é nova aqui... mas não é fraca. Não deixe que te façam pensar o contrário.

Angela piscou, surpresa.

Havia algo diferente nele. Algo que não conseguia definir.

Seu toque ainda ardia em sua pele, mesmo agora que ele já a soltara. Uma energia invisível pulsava entre eles , quente, reconfortante... mágica?

Ela esfregou os braços, tentando afastar a sensação.

— Eu sou Theo. Ele estendeu a mão.

Angela a olhou por um segundo antes de apertá-la.

O calor do toque dele a envolveu, tão intenso que ela quase gemeu em choque.

Seus olhos se encontraram, e por um instante o mundo desapareceu.

Não havia mercado, não havia chuva, não havia medo.

Apenas eles dois e aquela conexão absurda, inexplicável, impossível.

Theo franziu levemente a testa, como se também sentisse aquilo.

Mas então soltou sua mão devagar e recuou um passo.

— Você vai se acostumar. disse enigmaticamente.

Angela quis perguntar com o quê, mas Theo já se virava, caminhando até o balcão para pagar sua compra.

Ela ficou ali, o coração descompassado, observando-o.

A maneira como se movia, como um animal em constante prontidão, elegante e perigoso, a fascinava.

E, de alguma forma, sabia que aquela não seria a última vez que cruzaria com Theo.

Nem com os segredos que seus olhos tentavam esconder.

Angela pegou suas coisas e saiu na chuva fina, sentindo uma mudança no ar, como se o mundo inteiro estivesse à beira de um grande acontecimento.

E ela, sem saber, era o epicentro.

A chuva engrossou enquanto Angela caminhava pelas ruas vazias da vila, cada passo ecoando entre as construções antigas. A sacola de compras balançava em sua mão, os dedos dormentes de frio. O encontro com Theo a deixara inquieta, um calor estranho ainda vibrando sob sua pele.

Ela não conseguia esquecer o que sentira quando o tocara, uma sensação de ser envolvida, protegida, mas também... marcada.

O que está acontecendo comigo?

Angela virou uma esquina, distraída, e deu de frente com uma figura parada no meio da rua.

Ela recuou instintivamente, o coração disparando.

O homem era alto, ainda mais que Zane e Theo, e vestia um sobretudo negro que ondulava com o vento. Seus cabelos eram tão escuros quanto a noite, e seus olhos...

Ah, os olhos.

Vermelhos.

De um vermelho profundo, queimando como brasas em um rosto esculpido pela própria escuridão.

Angela ficou imóvel, paralisada entre o instinto de correr e a vontade irracional de se aproximar.

Ele a estudou com um olhar que a despia camada por camada, indo além da carne, além da alma.

— Você . disse, sua voz rouca e baixa como trovão distante — não pertence a este mundo.

Angela engoliu em seco, o corpo inteiro em alerta.

— E-eu... balbuciou.

Ele caminhou em sua direção, passos lentos, como um predador brincando com a presa.

Diferente de Zane, que exalava selvageria, e de Theo, que carregava a paz da floresta, este homem era pura escuridão, pura possessividade.

Quando parou diante dela, Angela mal conseguia respirar.

O ar ao redor dele parecia distorcido, carregado de algo invisível e poderoso.

Uma energia tão intensa que fazia sua pele formigar.

— Quem é você? — sussurrou, a voz quase um gemido.

Ele sorriu. Não um sorriso de consolo — mas de aviso.

— Damian.

O nome caiu sobre ela como um feitiço.

Angela apertou a sacola de compras contra o peito, instintivamente tentando se proteger, embora soubesse que era inútil.

— Por que... por que você está me olhando assim? perguntou, com mais coragem do que sentia.

Damian inclinou a cabeça, o olhar vermelho fixo no dela.

— Porque você carrega algo que pertence a nós. Sua voz era grave, quase um rosnado.

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