3 - Os Aventureiros

Capítulo 3 — Os Aventureiros

           

            Danian desceu de seu cavalo castanho, assim como Helan. Estavam em Hasflot de novo, à frente da casa do embaixador. Haviam sido dois dias a cavalo desde a Floresta Verdejante. O dia estava nublado, um vento frio fez a aprendiz de Danian juntar suas mãos para esquentá-las. A casa rosa, pequena e com uma mureta à frente, estava lá. O mago tocou o sino e disse a senha:

            — Pela manhã, o pássaro assobia.

            — O fogo queima, a águia pia — falou uma voz vinda de dentro. A porta da casa se abriu e o embaixador saiu de lá. — Danian, Danian, Danian… Então, meu caro, aqui viestes novamente. Não tem nenhuma correspondência da Ordem, meu caro. E… Ah, você trouxe uma acompanhante. Quem seria esta donzela? — perguntou Gutemberg à Helan;

            — Sou Helan, aprendiz de Danian  — apresentou-se Helan.

            — Sua aprendiz, Danian? Bom, prazer em conhecê-la, minha querida. Sou Gutemberg, embaixador da Ordem em Nascar  — falou ele, abrindo o portão de ferro. Danian deu um passo à frente, tentando ofuscar sua aprendiz: a exposição dos aprendizes às pessoas poderia ser muito arriscada e a Ordem pregava que os aprendizes não deveriam se apresentar como tais à ninguém, exceto à própria Ordem. Helan, porém, já havia se apresentado.

            — Entremos, por favor. Está muito frio — disse Gutemberg.

            Os três passaram pela varanda e entraram no cômodo da recepção; Gutemberg se postou atrás do balcão, acariciando seu bigode.

            — Então, Danian, o que o traz aqui à Hasflot? — perguntou.

            — Vim escrever uma carta — falou o mago, enquanto Helan fechava a porta e sentava num dos sofás — para Samian. Ela está em Akma, não é?

            — Sabe que a revelação de localizações não é permitida, Danian. Bom, uma carta para Samian… - Gutemberg mexeu no armário velho e tirou uma folha de pergaminho, e uma pena para que Danian escrevesse. — Aqui está.

            Ajeitando sua mão à pena, Danian, com sua caligrafia pequena, escreveu:

            Cara Samian, minha mestra!

            Vou ser rápido e sem rodeios formais: preciso encontrá-la. Ambarion já me falou que está em Akma. Estarei indo para aí. Daqui a duas semanas desembarcarei no porto de Cassaraí. Quando receber esta carta deve faltar apenas uma semana. Encontre-me lá. Posso atrasar no máximo 2 dias. Atenciosamente, Danian.

            Danian passou o dedo pelo pergaminho e fios dourados o lacraram.

            — Somente Samian abrirá esta carta. Gutemberg, certifique-se de que ela receba — disse Danian.

Gutemberg confirmou com a cabeça e olhou o cajado que Danian trazia consigo, com a Luz de Athla na ponta.

            — Eles deixaram você ficar com ela? — perguntou.

            — Claro. Vamos, Helan, temos que voltar, Ambarion nos espera  — falou ele, saindo da casa.

 ♦

            A viagem de volta à Câmara do Grande Carvalho demorou três dias, tinha sido mais devagar, sendo mais longa do que a ida à Hasflot. Danian e Helan, logo encontraram a Câmara, desceram de seus cavalos castanhos e os colocaram perto da porta, amarrados à uma árvore.

            Antes de entrarem, Danian segurou o braço de Helan:

            — Espere. Leve a Luz de Athla consigo e a use contra criaturas malignas — falou ele, retirando o cristal da ponta do seu cajado, que na verdade era um galho, e deu na mão de Helan. — Guarde consigo e não comente sobre isto nesta reunião de agora. Vamos.

            Danian foi andando com alguns pergaminhos e Helan guardou a pedra em suas vestes.

            Adentraram o salão, onde Ambarion e Morcian já estavam sentados em suas cadeiras, com dois homens ao lado dos tronos. O primeiro, ao lado de Morcian, tinha o cabelo raspado, tatuagens pelo corpo, um olhar agressivo e trazia consigo uma espada presa à cintura. O segundo, ao lado de Ambarion, vestia vestes verdes, botas de couro, tinha cabelos castanhos em um tom escuro, uma capa longa e uma expressão tranquila e segura. Seu sangue descendente dos elfos estava evidente.

Danian, muito ansioso, ajoelhou-se logo para os dois membros da Ordem dos Sábios e falou:

            — Aqui está Helan, minha aprendiz.

            — Estes são Toreg Klapkusus, enviado por Morcian, e Artemísio de Saltos-Leves, enviado meu. Danian, trouxe os mapas que lhe pedi? — perguntou Ambarion.

            Danian abriu o pergaminho e pediu auxílio à Helan para que segurasse o mapa.

            — Os domínios de Redramon se estendiam por todas as Monstanhas Vermelhas ou Ígneas, como também chamadas. Seu domínio também alcançava o vale próximo às Montanhas Vermelhas. Redramon nunca foi até as Montanhas Albinas pois os animais brancos, aliados do frio e da neve das Montanhas Albinas, tinham vantagem. Portanto, é seguro dizer que o cajado de Redramon está em seu domínio, nas Montanhas Ígneas — falou Danian.

— “Como eu mesmo já verifiquei, a Ordem dos Sábios possui em seu acervo um único poema que trata sobre Redramon e que irá nos ajudar a desvendar a possível localização — disse ele, retirando de suas vestes um pedaço de pergaminho. — Escrito por Serten Jokeboss, o poema ‘O fogo do Dragão’: ”

…escondido em suas cavernas na montanha — O dragão se vangloria de seus salões —  magníficas câmaras sustentadas por altas pilastras que transcendem  a imaginação — e inveja os arquitetos. — Dizem que foi obra de ogros — mas apenas Redramon pode ter feito — pois seus luxos e caprichos estão detalhados — no mármore branco de seu império — que já ameaça os saxões — e desespera o rei de Nascar — império à sete passos da conquista — e dois passos de Ashnor… a entrada guarda o fogo da montanha — apenas o dragão consegue passar — resta ao outros — pelos ogros contornar…”

             — Pelo que eu entendi, são duas semanas de Ashnor até os salões de Redramon, certo? — perguntou Morcian.

            — Exato — disse Danian.

            Artemísio então falou, com sua voz doce e melodiosa:

            — Com sua licença, mas duas semanas contando que Serten Jokeboss era um bardo, um andarilho e parava em todos os lugares. Andava lentamente, conversava com todos que poderia e contava história a todos que passavam. Andando a pé deveria ser uma semana e alguns dias, e a cavalo com certeza cinco dias.

            — É verdade… — falou Danian, surpreendendo-se com seus cálculos. — Bom, o poema também nos fala que a entrada é guardada por um fogo e que apenas Redramon passava, logo, como Serten mesmo disse, resta aos outros passarem pelos ogros, ou seja, andarem pelas profundezas dos túneis dos ogros até chegar aos salões. E estes túneis podem ser facilmente achados.

            — Então os três devem ir por túneis dos ogros? Não seria mais fácil encontrar uma outra entrada para os Salões de Redramon? —perguntou Ambarion.

            — A única entrada “guarda o fogo da montanha”. De qualquer forma, é mais seguro ir pelo túnel dos ogros do que se aventurar no exterior das montanhas procurando uma entrada. A rota mais provável seria ir clandestinamente até as Montanhas Albinas e , então, passar até as Montanhas Ígneas  — disse Danian.

            — E os animais das montanhas? A ira dos ursos e leopardos está aumentando. Talvez a aliança com a Ordem dos Sábios tenha acabado. — Acrescentou Morcian.

— Sim… — falou Ambarion, como se estivesse se lembrando de algo. — Os ursos e leopardos que habitam as Montanhas Albinas estão “estranhos”… Pequenos incidentes estão sendo investigados por nós e provavelmente são obras deles. Talvez passar por lá não seja aconselhável.

            — Concluindo a rota deve ser escolhida pelos representantes, certo?  — perguntou Morcian.

            Danian confirmou com a cabeça. Ambarion apontou um baú velho de madeira muito escura, quase escondido no canto da sala. Artemísio foi até lá e trouxe o baú, demonstrando à Helan, que até então acreditava que Artemísio não iria durar nada, bastante força.

            Artemísio deixou o baú na frente de Ambarion que apontou, com seu cajado, a fechadura do baú, que se abriu e uma pequena fumaça cinza, de anos de confinamento, saiu de lá. Acompanhando a fumaça três objetos metálicos pairaram no ar, vindos de dentro do baú: um escudo em ouro velho, uma clava de prata que mais se assemelhava a ferro envelhecido com pontas reluzentes e um bracelete de bronze.

            — Por favor, representantes, aqui em minha frente! — ordenou Ambarion. Toreg e Artemísio saíram do lado de seus respectivos senhores e Helan deu alguns passos à frente. — Pela Ordem dos Sábios presenteio vocês com relíquias nossas. Artemísio, você recebe agora um escudo que lhe protegerá contra a maioria dos males deste mundo.

            O escudo foi caindo até ser pego pela mão de Artemísio, que pode contemplar melhor o item. De perto, parecia mais velho ainda. Na borda do escudo redondo, espirais, umas por cima das outras, remontavam a uma antiga era. No centro, estava gravado um losango à frente de um pilar.

            — Toreg, você recebe agora uma clava que poderá quebrar as mais profundas ligas e penetrar as mais resistentes construções — disse Ambarion.

            A clava foi caindo semelhantemente ao escudo. Toreg segurou firmemente o objeto passando a mão para sentir sua composição e constatou que, mesmo parecendo apenas ferro, era prata.

            — Helan, você recebe agora um bracelete que avisará dos perigos eminentes, prevenindo problemas — disse o arquimago.

            O bracelete caiu levemente no braço de Helan, ajustando-se perfeitamente. Era um bracelete de bronze, reluzente e, certamente, precisava ficar escondido dentro de suas vestes para evitar eventuais assaltos. O objeto esquentou a pele de Helan, fazendo-a se sentir revigorada e vívida ao mesmo tempo que tranquíla e satisfeita.

            — Estas são relíquias de valor e irão lhes ajudar nesta empreitada. Uma caminhada até as Montanhas Vermelhas é algo cansativo e sugará semanas de suas energias. Entretanto, a Ordem dos Sábios está enviando-os e apoiando-os. Vocês devem ir com a minha bênção para que caminhem em paz — disse Ambarion. As belas portas de carvalho se abriram. Do lado de fora, três cavalos castanhos esperavam em formação simétrica bem em frente com algumas folhas tapando-lhes o corpo. O Grão-Sábio apontou na direção deles.

            Artemísio se ajoelhou em sinal de respeito aos magos ali presentes, aproximou-se de Ambarion beijando-lhe a mão branca e fria. Toreg apenas confirmou positivamente com sua cabeça para Morcian e fez uma “quase” reverência ao Arquimago, abrindo seus braços e dobrando um pouco seus joelhos. Depois saiu, acompanhando Artemísio.

Já Helan correu ao encontro de Danian, deu-lhe um abraço forte e afetivo. Era a sua despedida de seu mestre, seu senhor que lhe ensinara tudo o que sabia até agora. Reverenciou Ambarion e Morcian, do centro da sala, e saiu em disparada em direção ao cavalo que lhe foi destinado. Montou no cavalo que, apesar de não aparentar, era de raça, e saiu galopando junto de Artemísio atrás de Toreg, que já estava bem à frente.

Na Câmara, Morcian levantou-se, rapidamente, declarando apenas:

— Devo ir agora, Ambarion, como lhe falei que faria.

            — Que a magia guie você. — Assentiu o Arquimago.

            Morcian saiu do recinto pela porta próxima ao carvalho, com sua capa negra esvoaçando e sua irritação acumulada. Ele não conseguia entender como que Danian tinha mais influência com Ambarion do que ele, um dos sábios. A questão era que nem sempre Danian tinha a influência, apenas contava com a razão, enquanto Morcian alfinetava-o com questões, perguntas e até ameaças indiretas.

            É ironia descrever o Terceiro Sábio como alguém que não seja realmente sábio, agindo sem sabedoria. Mas Morcian era sábio e inteligente em vários assuntos, culto, informado, porém extremamente vingativo e destrutivo quando se tratando de Danian: seu inimigo quase que declarado.

            No entanto, também seria ironia afirmar que Morcian é o antagonista das situações. Danian deixava esta disputa continuar. Ironia maior ainda é dizer que estes dois homens que acumulam uma competição entre si sejam considerados pessoas sábias, influentes e conhecedores das verdades.

            Ambarion ainda se mantinha sentado. Seus instintos nunca o enganaram e nem era preciso usá-los naquele momento, quando indagou:

            — Sua face mostra felicidade, mas há anseio em sua mente. Diga-me o que o aflige, Danian. Sei que algo o está perturbando. Será que esta busca pelo cajado não o alegrou?

            — Não, não! — replicou. — A aprovação da Ordem me deixou muito feliz e gratificado, ainda mais agora que os três foram e a expedição começou. Meu anseio, porém, além de ser por Helan, é pela Ordem.

            — Helan foi, pois você propôs e ela aceitou. Vocês dois propuseram isto. O que está feito está feito e nada pode reverter o que foi feito. É apenas isso que o aflige? — perguntou Ambarion. Danian negou com a cabeça. — Diga-me então o que na Ordem o está deixando angustiado.

            Danian reuniu toda sua coragem para dizer uma única palavra que com certeza deixaria Ambarion com raiva. A palavra teria, como resposta, uma série de bombardeios do qual Danian tinha que lutar bravamente para se esquivar e fazer-se ouvido. Ele poderia evitar falar naquilo, mas sua consciência indicava que algo estava errado e, não resistindo, ele disse a tão profunda palavra:

            — Morcian.

            Ao contrário do que pensava Ambarion não se levantou, não realizou qualquer ação rápida e de raiva, apenas olhou. Olhou com um olhar que valeria por mil bombas ou mil horas no fogo, causando uma sensação que valeria por mil sentimentos relacionados ao medo que o homem ainda nem sonhou em encontrar. O olhar desaprovador de Ambarion disse o que mil palavras não poderiam dizer.

            — Eu suspeito que ele não está ao lado da Ordem — prosseguiu Danian.

            — E de quem ele estaria do lado? — perguntou Ambarion.

A resposta para isto era simples e Ambarion já havia presumido qual seria.

            — Rarion, é claro — disse.

            — É tolice dizer isto, Danian de Samian. Se fosse assim, já teríamos sido descobertos há muito tempo. Eu confio em Morcian, acima de tudo ele é de minha confiança. Vocês dois é que ficam se estapeando como crianças malcriadas. Nem se tratam com o mínimo de respeito que um mago trata outro. Esqueceu o código que consta no Livro das Verdades?

            — Não, não me esqueci. Mas seu comportamento é suspeito — argumentou. 

— De maneira alguma — falou Ambarion, mexendo apenas os lábios. Seu corpo estava parado devido à sua concentração em Danian. — Vocês dois, dois magos, sempre com inimizades. Acha que ele se sentaria ao meu lado se estivesse envolvido com este tirano que governa Nascar, que escraviza o povo e que submete todos às ordens dos Sax? Acha mesmo? Acha que este condenado que ousou matar toda a nobreza estaria associado a Morcian? Por favor, Danian, vá. Já basta um aprendiz se corromper e agora… — ele hesitou. Levantou-se, de cara abaixada, e foi se locomovendo para a saída. — Gostaria de falar mais alguma coisa?

Danian demorou alguns segundos para responder (apenas quando o Arquimago o olhou).

— Sim, comunico que irei à Akma, ao encontro de minha antiga mestra. — disse, engolindo um seco.

— Mande lembranças à Samian. Que a magia guie você — disse Ambarion saindo sem falar nada.

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