4 - Os Ladrões

Capítulo 4 — Os Ladrões

            Durante um dia Artemísio, Toreg e Helan cavalgaram em silêncio, ainda se acostumando com a presença de cada um. Toreg no início ficava sempre à frente, mas depois foi cavalgando mais devagar, cansado. Haviam parado para descansar em uma estalagem na estrada que levava ao norte. Chegaram depois da meia-noite e saíram às cinco horas da manhã para evitar serem vistos.

            Eles estavam tomando muitas precauções. Sempre por onde passavam, se houvesse qualquer pessoa, eles se escondiam, tentavam passar discretamente. Já haviam andado bastante e agora estavam parados em uma pequena clareira na mata próxima da estrada de terra.

            Os cavalos estavam amarrados a uma árvore. Artemísio estava caçando alguns animais pequenos e Helan havia arrumado todos os mantimentos nos cavalos, pego o que era preciso e agora procurava água. Toreg, coitado, fora incumbido de montar a fogueira. Como os galhos estavam molhados, ele tentou duas vezes acender os galhos dentro do círculo de pedras que arrumara e falhou.

            — Mágica! Venha cá! — chamou ele. — Onde você está quando se precisa de você?

            Helan veio andando com o cantil cheio em suas mãos (provavelmente encontrara um riacho) e olhou para o bárbaro.

            — Eu não sou mágica, Toreg, sou aprendiz de maga.

            — Que seja — disse ele, ignorando o que quer que Helan fosse. — Venha cá, faça esta sua mágica e faça a fogueira.

            — Acalahara! — entoou apontando para os galhos molhados, inconformada com Toreg.

            O fogo crepitou queimando os galhos. Artemísio se aproximou dos dois trazendo, em suas mãos, alguns coelhos e doninhas colocando-os ao lado da fogueira.

            — Então é mesmo uma aprendiz — afirmou Artemísio. — Não pude acreditar que uma aprendiz de mago fosse em uma missão, mas agora que você pronunciou suas palavras, então, tive certeza que não estive sendo enganado.

            Helan sorriu. A passagem de um aprendiz para mago se dá quando o aprendiz não necessita mais pronunciar suas palavras cabalísticas próprias para realizar encantos e feitiços. Cada aprendiz possui suas próprias palavras que são usadas para realizar todas as magias que o aprendiz conhece e é preciso pronunciá-las. As palavras são escolhidas logo no início do treinamento (antigamente, porém, eram escolhidas pelo Arquimago) e Helan logo escolhera as suas. Acalahara: paz e serenidade, iluminação e fortuna.

            — Sim, sou sim. Danian é meu mestre e posso dizer que estou perto de completar meu treinamento — disse sorridente.

            — Que treinamento? Isso aí você chama de treinamento? — murmurou Toreg consigo mesmo, debochado.

            Toreg pegou os coelhos e doninhas e foi preparando-os para comerem. Helan olhou para Artemísio e perguntou-lhe:

            — E você? O que faz na vida?

            — Vago pelo mundo, cara dama — disse ele sorrindo. —       Minha família é do oeste de Nascar, quase na fronteira com Istaredes. Sou um arqueiro, se quer saber a minha “profissão”. Já fiz vários serviços para Ambarion e agora ele me chamou para esta missão.

            — Interessante — disse Helan.

            Toreg pegou um galho e espetou na carne dos animais mortos, colocando este galho em outros dois galhos que estavam servindo como hastes. Uma fumaça maior foi subindo ao céu.

            — Comigo é tudo mais fácil. Sou capitão da guarda pessoal do Mago das Poções e Formas e ponto — disse Toreg, remexendo na carne do coelho na fogueira.

            Helan se remexeu inquieta sobre o assunto.

            — Mas você não é capitão da guarda de Morcian?

            — Claro. Parece que você não entende muito bem, não é menina? Morcian é o Mago das Poções e Formas. É uma denominação comum para ele, afinal, não é bom dizer nomes de magos sem ser um ou estar em sua presença — disse Toreg.

            — Isto é verdade — concordou Artemísio.

           

            Barcos amontoados, imprensados uns aos outros, cheios de mercadores, recém-chegados, pescadores, marinheiros, alguns piratas disfarçados e alguns outros capitães e seus marujos. Por todo o porto de Hasflot, tão conhecido como seu Mercado, muitos oficiais Sax espalhados estavam tanto agilizando o embarque e desembarque de passageiros e mercadorias quanto controlando a entrada e saída de todos. O porto se encontrava dentro de uma enseada, onde a entrada era fortemente vigiada por duas imponentes torres, aumentadas depois que Rarion tomou o poder. Rarion intensificou ainda mais a patrulha de suas tropas nos portos e divisas.

Em Hasflot, além de toda a patrulha na entrada da cidade, foi construído um muro que isolou o porto. A única passagem era pela Casa de Imigração, uma casa construída bem no meio da extensão do muro, onde os Sax identificavam todos. Não havia ali um homem sequer que pudesse entrar no porto de Hasflot ou sair sem passar pelos Sax e sem ser identificado.

            É claro, um mago como Danian não poderia se encaixar neste grupo de pessoas e virava então uma exceção. Estava com um turbante na cabeça, suas vestes alaranjadas comuns, só que seu rosto estava diferente. Ele aparentava ser um homem mais velho, abatido pelo tempo, barba negra e espessa, nariz e olhos grandes.   

Danian estava caminhando pelo porto, sorrindo com seu rosto transfigurado para os Sax. Havia passado pela Casa de Imigração, com sua identidade falsa e estava caminhando para o barco Bésame Beaucoup, com o qual atravessaria o Oceano de Amis para Akma, onde pretendia encontrar com sua mestra, Samian, a Segunda Sábia. Olhou em volta procurando o barco.

Um veleiro de um porte não tão grande, de madeira escura, com várias janelinhas, chamou a atenção de Danian. Na proa do barco, o capitão La Roche conversava com um soldado Sax, com os ânimos exaltados. O navio em questão era aquele no qual Danian embarcaria e o capitão era um velho conhecido. Pacientemente, esperou que o oficial saísse do barco e quando este saiu, utilizou também um leve encanto para não chamar a atenção do Sax, que saiu furioso dali.

            La Roche se aproximou da borda do navio. Já conhecia as vestes de Danian, e como pode reconhecê-lo facilmente, disse-lhe:

            — Não vai entrar, oh dominador de magia? — zombou em baixo tom.

            — Não é o momento para brincadeiras, Lafayette — replicou o mago, embarcando. — O que o Sax queria?

            — Avisou que Rarion está querendo colocar um oficial em cada navio, um absurdo, não é mesmo? Mas eu não deixei, é claro. Imagine, um Sax em meus navios?! — explicou.

            — Temos que ir, La Roche — disse Danian. — Devemos partir.

            Danian se aproximou da porta da cabine do capitão. Lafayette La Roche já estava dando as ordens e arrumando para zarpar, quando três oficiais Sax entraram no barco. Muito impacientes, quase que enfiavam a espada no capitão. Antes, contudo, olharam para Danian, que não havia preparado seu encantamento para se ofuscar e perguntaram:

            — Quem é este aí? — perguntou o Sax que falara com La Roche antes.

            — Apenas um tripulante. Viajará comigo para Akma —respondeu Lafayette. — O que vocês querem? Já disse: meu navio é de Akma, não de Nascar. Respondo às ordens de meu rei, Damis de Albuquerque, e a ninguém mais!   

            — Enquanto estiver em território de Nascar obedecerá às ordens de nosso rei, Rarion. Cada barco deve ter um oficial nosso para fiscalizar tudo — contestou outro dos três Sax.

            — Mas vocês já fiscalizaram tudo! Não quero alimentar nenhuma boca a mais! Não quero nenhum sujo em meu barco dizendo o que fazer! — declarou o capitão.

            — Sujo? — bradou o oficial, que estivera ali antes, colocando sua espada no pescoço do capitão.

            Danian fechou seu punho pronto para qualquer ataque.

            — Olhe para seu barco! Quem é sujo aqui, seu merdinha de Akma! — exclamou o Sax. — Espero que se lembre de nunca insultar um Sax. Vou considerar que já o conheço e desta vez permitirei que viaje sem um soldado nosso. Mas lembre-se, La Roche, na próxima vez traga um trono de prata para acomodar nosso oficial!

            O Sax tirou a espada de perto do pescoço e golpeou o braço de Lafayette, provocando um corte horizontal. Os três Sax saíram do barco. Danian correu para dentro da cabina, saindo dali com algumas ataduras e bandagens para colocar no ferimento de La Roche momentaneamente. La Roche acenou rapidamente para seus marinheiros, que logo se prontificaram e foram zarpando com o barco.

            Cavalgavam Helan, Toreg e Artemísio por uma estrada de terra cheia de pedras. A estrada passava por um bosque de arbustos altos por onde ventos frios se esgueiravam. As orelhas de Helan foram ficando geladas e como ela queria se apressar — tão entusiasmada estava — e se esquentar, disse:

            — Será que o único de nós três a saber realmente andar a cavalo sou eu, uma mulher? Andem, vamos mais rápido! — provocou, já se apressando com sua montaria.

            — Ora, que audaciosa! — exclamou Toreg. — Duvido que chegue um dia em que uma mulher me vença em uma corrida!

            Toreg disparou com seu cavalo, distanciando-se de Artemísio (que logo após também apertou as rédeas e tomou velocidade para não se afastar muito). Em seu braço, Helan sentiu um morninho onde o bracelete estava: era um aviso, algo de errado deveria acontecer. Quando o bárbaro alcançou Helan fechou-a, grosseiramente, pondo seu cavalo na frente do dela. Helan foi obrigada a parar, caso contrário cairia, enquanto o arqueiro se aproximava da cena.

            — Ei! Queria que eu tivesse caído do cavalo é?! — bradou a aprendiz de mago.

            — Minha querida, cavalgar não é para damas — replicou.

            No mesmo instante, saindo detrás de alguns arbustos, inúmeros homens saltaram empunhando suas espadas e machados apontados para Helan, Toreg e Artemísio. Os ladrões, com roupas de nômades e inúmeras faixas ao longo do corpo (ao redor do pulso, do tornozelo, na cintura, no pescoço, na testa, nos antebraços…) assustaram os cavalos devido à sua furtividade e espanto que causaram. O cavalo de Toreg empinou para cima de um dos ladrões, enquanto dois homens jogaram cordas nas pernas do garanhão e o cavalo foi ao chão, junto de Toreg, que tentou em vão pegar seu machado e dar uma boa surra nos homens.

            Artemísio sacou com habilidade suas flechas e foi atirando-as no grupo dos ladrões, que deveria ter uns doze ou quinze homens. Helan, ainda em seu cavalo, berrava:

            — Acalahara!

            Um dos ladrões foi jogado contra uma das árvores ali perto. Mesmo tentando afastar e nocautear os assaltantes, um dos ladrões agarrou Helan e tapou-lhe a boca, impedindo-a que pronunciasse qualquer palavra de magia. Colocou sua adaga próximo ao pescoço da jovem e gritou para Artemísio:

            — Abaixe o arco. Se der mais uma flechada ela morre!

            Artemísio não teve mais o que fazer a não ser deixar o arco no chão e se render. Os ladrões amarraram os três e colocaram o grupo ajoelhado. Da mata saiu mais um homem. Estava com trajes mais elegantes do que os diversos ladrões. Usava um chapéu fino com uma pena amarela e outra vermelha.

            — Cavalgar não é para mulheres não, troglodita. — disse o homem para Toreg, que estava rendido no chão. — Muito menos para amadores. Vocês entraram em meus domínios sem a minha permissão.

            — E quem é você? — zombou Toreg.

            O homem se aproximou do bárbaro e colocou o pé em sua bochecha.

            — Sou o duque da liberdade, o conde da ofuscação, barão de tudo que é sorrateiro e senhor do meu destino. Sou Labarente e o raio de um quilômetro de nosso grupo faz parte de meus domínios, portanto, violaram uma grande lei nossa e estão submetidos ao nosso julgamento.

            Helan estava com seus olhos esbugalhados: tentava se soltar do homem que a prendia em seus braços, forçava com a boca para que a mão do ladrão saísse, mas nada adiantava.

            — Para início de conversa, tudo que lhes pertence não lhes pertence mais. Sou agora senhor de seus objetos. Como punição pela infração, serão nossos prisioneiros e serão vendidos como escravos na Ukrania.

            — Vá para o submundo! — disse Toreg.

            Labarente estalou seus dedos.

            — Adeus, meus queridos. — Despediu-se, quando um de seus capangas bateu em cada um dos três, fazendo-os desmaiar.

            — Mágica, está aí? Menina? Arqueiro? Estão me ouvindo? — disse a voz grossa, provavelmente de Toreg.

            — Estou aqui — respondeu outra voz sonolenta.

            Helan abriu os olhos. Estava tudo escuro. Seu corpo estava todo espremido. A aprendiz de mago estava sentada com seus joelhos dobrados dentro de uma caixa, sozinha. Aparentemente, era uma caixa. Não tinha espaço para esticar suas pernas, mas podia respirar sem se sentir apertada. Alguns pequenos buraquinhos, perto das extremidades, faziam o ar ventilar. A caixa era de uma madeira forte e resistente. Isto Helan pode logo constatar ao tentar quebrar um dos lados da caixa. Não estavam com nenhum dos itens que carregavam, apenas a roupa do corpo.

            — A mágica está com você? — perguntou a voz grossa, abafada pelo metal.

            — Não. — Respondeu a voz sonolenta, mas que Helan tinha certeza de pertencer a Artemísio. — Acho que estamos sozinhos, cada um em sua cela.

            Helan tentou pronunciar qualquer coisa, mas sua boca estava tampada fortemente por um pano muito bem amarrado, assim como suas mãos. Ela grunhiu o mais alto que pode e bateu nas paredes da caixa com o seu joelho.

            Artemísio percebeu o som que a aprendiz produzia, e perguntou:

            — Helan? Está aí mesmo?

            Helan bateu mais forte ainda com seu joelho na parede. Chorou, mas não pela dor que sentia e sim pela agonia de tentar falar e não conseguir.

            — Acalme-se, Helan. Logo encontraremos uma maneira de sair daqui. — Tranquilizou Artemísio. — Temos que achar uma maneira de sair daqui. Quantos dias se passaram? — perguntou à Toreg.

            — Quantas tias empacaram? O que isto quer dizer? — indagou Toreg, com sua voz abafada.

            — “Quantos dias se passaram?” — falou Artemísio, corrigindo Toreg . — Sinto como se tivéssemos acabado de dormir, mas calculo que ficamos dois dias inconscientes. É noite. Consigo ver isto por um dos buracos na caixa, voltado para cima. Consigo sentir também.

            — Como isto foi acontecer conosco? — perguntou Toreg

            — Temos de achar uma maneira de sair daqui — afirmou Artemísio, ignorando a última pergunta do bárbaro. — Eles vão ter que nos alimentar alguma hora… Posso sentir também que não há vibrações.

            — Vibrações? — questionou Toreg.

            — Sim. Não estamos em nenhuma carroça. Posso sentir o balanço. Estamos em algum barco, acima da água…

           

            O navio se aproximou do porto. Era noite. Danian desembarcou logo e sorrateiramente como combinado com La Roche, de quem já havia se despedido. Uma névoa densa e o vento frio fizeram o mago levar suas mãos a apertar os braços, tentando se aquecer. Acima, a lua jazia mais brilhante do que nunca. Em Akma a lua estava mais próxima do mundo, diziam os antigos.

            Cassaraí, basicamente, era uma cidade que vivia para o Porto de Cassaraí: um dos mais importantes de todo o reino. Além do porto, a cidade tinha mais uma dúzia de casas e uma pequena taverna. Nada mais. Era uma cidade simples e, à noite, o movimento não poderia se comparar ao do dia, mas ainda assim o porto estava bem movimentado.

            Mesmo com o porto movimentado, Danian não precisou procurar. Uma figura entre a névoa já o aguardava. Mística, misteriosa. Sua mestra, Samian, Senhora da Percepção, Dama da Água e do Ar, Segunda Sábia, estava parada imponentemente. Sorriu graciosamente para Danian quando o viu, vestindo um belo traje branco e prateado. Ao redor de seus cabelos brancos como a neve, havia um belo véu de seda. Seus olhos castanhos, profundos e marcantes que já viram muitas coisas, contemplavam os três tempos, passado, presente e futuro, assim que a percepção temporal lhe permitia. Samian tinha pele macia e graciosa, lábios vivos, nariz um pouco arrebitado e presença poderosa. Ela era uma dos Sábios e não tinha apenas título: poderia não ter a mesma extensão de poderes que Ambarion, mas sua sabedoria a tornavam uma das mulheres mais esclarecidas do mundo.

            — Mestra! — exclamou Danian, beijando-lhe a mão.

            — Não aqui, prezado aprendiz — disse em sua voz doce e materna. — Não devemos falar neste ambiente. Foi muito arriscado você vir até aqui. Venha comigo, Danian. Siga-me onde poderei ajudar-lhe.

            A noite estava fria e úmida. Até aquele momento, Helan, Toreg e Artemísio não tinham notícias do mundo “exterior”. Estavam em silêncio há um tempo. Toreg, já de um terrível mal-humor, chamou então o arqueiro:

            — Arqueiro, sabe em que rio estamos?

            — Está exigindo demais de mim — retrucou Artemísio.

            — Será esta a rota dos escravos?

            — Não. A rota dos escravos é muito falada, mas na verdade não existe. Os homens temem passar pelos domínios dos animais brancos para chegarem à Ukrania e, então, passam pelo estreito entre as Montanhas Vermelhas e as Albinas. Isto na rota para à Ukrania.

            — Tem razão — confirmou Toreg. — E imagino que a rota aqui de Nascar deva ser para Brandevil.

            Um silêncio tomou os dois. Ambos sabiam o que o outro pensava. Artemísio, então, fez a pergunta fatídica:

            — Estamos indo para à Ukrania ou Brandevil?

            — Não sei. Se soubesse já teria dito. — Retrucou o enviado de Morcian. — E está aí a minha pergunta: devemos seguir até o estreito como prisioneiros ou acabaremos desviando de nossa rota indo para Brandevil, no oeste?

            Helan, quieta em sua caixa, já tinha a resposta. Nenhum dos dois. Seguir como prisioneira não era o que ela queria, mesmo que fosse para o estreito entre as montanhas, onde estaria bem perto das Montanhas Vermelhas.

            Helan escutou um barulho na sua caixa vindo do lado da caixa perto de seu pé e bateu com seu joelho na parede da caixa, avisando Artemísio.

            — Acalme-se, Helan. O que está acontecendo?

            A aprendiz estava sufocada num cubículo, não conseguia falar e sua cela ia ser aberta.

            Os dois magos entraram numa casa abandonada de Cassaraí.

            — Acha confiável falar neste lugar? — perguntou Danian.

            — Não se preocupe, querido, pois quando cheguei aqui enfeiticei este lugar. No mais, Akma é diferente, meu querido — respondeu ela com sua voz acalentadora.

            O cômodo no qual entraram era pequeno. Tinha apenas uma mesa e duas cadeiras de madeira e um armário quebrado encostado em uma parede. O cômodo tinha apenas uma porta que dava, provavelmente, para um quarto. As janelas estavam fechadas, assim como Samian fechou a porta e acendeu, magicamente, um candelabro de latão.

            — O que o aflige, meu querido aprendiz? Será que Ambarion não pode ajudá-lo? Você perdeu um bocado de tempo vindo para cá, mas ele me informou que vocês se encontraram.

            — Ambarion não possui a percepção temporal — falou Danian, sendo direto e declarando de imediato suas intenções.

            — Ah, é claro. De que serve uma velhota como eu senão para dizer-lhe coisas do passado, presente e futuro?

            — Por favor, Samian, não faça rodeios. Os tempos são negros e difíceis, você sabe, e a situação não é das melhores.

            — Lamento dizer-lhe, meu aprendiz, mas o Vidust Rogas não saiu da Torre de Alquimétrio.

            — Vidust Rogas? — inquiriu Danian. — Mas o que é isto?

            — O Espelho de Vidust Rogas se encontra em Nascar, na Torre de Alquimétrio, sob o olhar de Ambarion. Eu não posso ver passado, presente ou futuro na hora que acho melhor, prezado aprendiz. Só o Espelho de Vidust Rogas pode e apenas alguém com percepção temporal pode ver através do espelho.

            — Mas eu já vi você ter as visões sem usar espelho, quando ainda era aprendiz.

            — Sim, claro. Lembro-me muito bem quando você me viu visualizar a lamentável morte de Fobion. Ele era um bom mago, coitado. Mas entenda, Danian, que as visões que tenho não vêm quando eu desejo. Se eu tivesse acesso ao passado, presente e futuro quando desejasse, o mundo estaria acabado.

            — Mas de certa forma não tem? O espelho não seria uma maneira de ver quando quisesse o passado, presente e futuro?

            — Sim e não. Quem usa o espelho para ver as eras usa a própria energia vital. E o uso constante dela pode fazer com que a energia não se recupere. A energia se recupera se apenas algumas vezes o espelho for usado, porém, um uso mais excessivo tira a vida daquele que possuir a percepção temporal. Por isto, também, que ela vem somente em alguns momentos. — explicou Samian.

            Danian ficou pasmo. Tinha perdido seu tempo indo para Akma enquanto poderia ter feito outra coisa, encontrado outra maneira de provar o que ele queria.

            — Lamento, meu querido, que tenha vindo até aqui à toa. Ambarion me contou na carta que enviou para mim sobre as suas descobertas e a expedição que foi formada. Mas o que o traz aqui? O que você queria que eu visse para você, meu caro aprendiz?

            Danian, ainda muito espantado, vai falando de modo devagar:

            — Morcian… Tenho certeza de que ele é um traidor.

            Samian fechou a cara.

            — Ah, era isto? Não acredito que veio até Akma esperando que eu lhe falasse algo sobre esta sua rixa.

            — Não é apenas uma rixa. Eu sinto isto, Samian. Morcian é inimigo. Tudo o que falo, tudo o que é apresentado para melhorar nossa situação e lutar contra Rarion, ele nega, ele descarta. Sei que há um conflito entre nós. Mas o que eu sinto vai além disto.

            — Morcian é o Terceiro Sábio. Ele tem esta posição e não é por menos. Morcian é poderoso, inteligente, sabe criar e fazer uso das suas poções…

            — Samian, minha mestra — interrompeu Danian. — Você acredita em mim? Você, que tem uma das percepções mais aguçadas, não confia no seu instinto quando ele lhe diz o que é certo?

            A Segunda Sábia ficou em silêncio. Após uns minutos, levantou-se  dizendo:

            — Não sei mais em que acreditar. O mundo não é mais o mesmo, aprendiz. Nosso equilíbrio já foi há muito tempo afetado.

            — Você me ensinou tudo o que sei. Você me fez formado nas artes da magia e me deu todos os princípios para fortalecer a minha base. Acha que eu mentiria para você? — disse ele, enquanto Samian nada dizia.

            — Meu caro…

            — Samian, o que eu sinto eu realmente sinto. Não estou mentindo, não quero o lugar de Morcian, apenas sei que ele é traidor.

            A maga respirou fundo e determinou então:

            — Nós iremos para a Torre de Alquimétrio e tentarei ver o que consigo visualizar. O Vidust Rogas é maleável e instável, nem sempre se sabe qual tempo se está olhando quando alguém com percepção temporal olha através dele, portanto, digo: não espere grande sucesso. Os assuntos que iria tratar aqui, em Akma, já foram resolvidos, portanto já posso retornar à Nascar.

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