Lua Fernandes era uma jovem de beleza delicada: cabelos castanhos, olhos verdes, estatura mediana e silhueta esbelta. Contudo, a aparência pouco importava para ela; o que realmente a movia eram os sonhos que desejava realizar com ardor, pois sempre nutrira ambições próprias. Naquele dia, uma agitação contagiante a invadia. Enquanto agradecia a Deus, sussurrou para si mesma:
— Ai, meu Deus, finalmente vou realizar meu sonho! Não consigo acreditar... Obrigada! Era o dia de sua mudança para a capital, onde buscava uma oportunidade como assistente de negócios. A alegria a envolvia, especialmente por ver seus esforços sendo recompensados. Desde jovem, Lua sempre fora incansável e estudiosa. Embora tivesse o apoio incondicional de sua tia Graça e do falecido tio Jorge — que partira três anos antes —, sentia que o amor deles era um presente, e jamais quisera abusar dessa dádiva. Ao completar a maioridade, após a perda do tio, assumira a pequena floricultura herdada dos pais, aliviando um pouco o fardo da tia. Mesmo cuidando do negócio, continuara os estudos. Agora, pré-selecionada nas empresas dos Alcântaras, uma onda de euforia a invadira. Via naquela oportunidade a chance de transformar sonhos em realidade. Ciente da concorrência feroz, a insegurança a acompanhava, mas sua determinação em deixar a pacata cidade era inabalável. Sabia que, ali, suas aspirações jamais floresceriam. Enquanto esperava ansiosamente pelo ônibus, estavam ao seu lado a melhor amiga Naty, o irmão dela, Caleb, e a tia Graça. Foi então que a tia, segurando suas mãos, falou com voz preocupada: — Ouça, filha... Você vai, mas meu coração fica apertado. Não estarei lá para te defender e proteger como sempre fiz. Lua sorriu, tentando confortá-la: — Tia, não se preocupe! Já sou bem crescida e forte o bastante. Consigo me defender sozinha. Gesticulou de forma exagerada, arrancando risos do grupo. Lua tinha o dom de espalhar alegria e fazer todos se sentirem à vontade. Caleb, irmão de Natasha — sempre atrevido e secretamente apaixonado por ela — comentou com um sorriso malicioso: — Sei disso, Lua. Ainda lembro do seu gancho de esquerda! O rosto da jovem ruborizou-se ao recordar o episódio: na adolescência, durante uma visita à casa de Naty, Caleb a surpreendera puxando-a para o sofá e roubando seu primeiro beijo. Como vingança, ela lhe desferira um soco. Naty, ao reviver a lembrança pelo olhar corado da amiga, gargalhou: — Bem feito pra você, mereceu! Onde já se viu? Achei foi pouco — devia ter ficado banguela! Caleb fez careta, e os quatro riram juntos. A leveza do momento, porém, dissipou-se quando Graça retomou o assunto com seriedade: — Sei que você é forte e valente, meu amor... Mas não falo desse tipo de defesa, anjo. — Respirou fundo antes de continuar, enquanto todos a ouviam atentos: — Refiro-me a pessoas mal-intencionadas. Infelizmente, elas existem em todo lugar. — Como assim, tia? — perguntou Caleb. Lua e Naty arqueavam as sobrancelhas, demonstrando também não terem entendido. — Bem, como vocês bem sabem, existem pessoas que são bondosas e sempre dispostas a ajudar outros incondicionalmente — explicou Graça. Natasha sorriu e falou, olhando para ela: — Sim, assim como a senhora, dona Graça! A tia agradeceu o elogio com humildade: — Obrigada, querida. Mas infelizmente nós também temos que ter muito cuidado com ovelhas em pele de lobo... Em todos os lugares, principalmente no trabalho. — Isso é verdade, dona Graça — apoiou Caleb, que trabalhava no RH de uma pequena empresa de advocacia da cidade. — Sei disso porque já fui prejudicado no meu trabalho por pessoas que um dia depositei minha confiança. — Isso, meu filho. É exatamente disso que eu estou falando — ela voltou a apertar as mãos de Lua e completou: — Lembre-se, minha querida: nem todas as pessoas são bem-intencionadas. Existem pessoas que fazem maldade com outras às vezes sem um motivo específico... Simplesmente por maldade mesmo — disse Graça com um olhar sábio. Lua a abraçou, tentando confortá-la. Foi quando ouviu Caleb também intervir: — É verdade, marrentinha! Sua tia está certa. Vais para uma capital onde a lei é do mais forte, e lá não terás o teu Hércules aqui para te salvar! — brincou ele, exibindo os braços para ela enquanto piscava. Ela sorriu e rebateu: — Nossa, às vezes vocês realmente acreditam que eu sou uma criancinha de sete anos! Não se preocupem, sim? Sou uma mulher de 22 anos, sei muito bem cuidar de mim mesma sozinha! — Tudo que peço, meu anjo, é que tome cuidado com as pessoas com quem se relacionar. Que não se engane com as aparências... São Paulo não é como *Santa Marta, onde todo mundo conhece todo mundo — insistiu a tia. Lua assentiu. Ao ver o ônibus chegar, percebeu que a mudança se tornara iminente. Pronta para abraçar o desconhecido, começou a se despedir. Naty riu enquanto a abraçava: — Não sei não, amiga... Acho que deveria ir com você. Afinal, acredito que sem mim, mal sabe amarrar o cadarço do tênis! Lua gargalhou: — É verdade, amiga! Vou me sentir muito só sem você por perto pra atazanar minha vida! Naty respondeu entre risos: — Mas sabe que se precisar, é só me ligar, amiga! Estarei sempre disponível pra você... Porque te amo, sua louca! Depois de abraçar a tia Graça com força — recebendo uma bênção entre lágrimas —, Lua virou-se para Caleb. Ele a apertou em seus braços e sussurrou em seu ouvido: — Ouça, linda... Sua tia me falou que assim que você se estabelecer na capital, virá visitá-la. Quando vier, tenho algo pra te dizer, ok? Ela sorriu, intrigada, e concordou com um aceno. Em seguida, comentou: — Bem, vocês sabem que só estou indo para a capital sem minha tia porque ela é uma teimosa e não quer vir comigo! Dona Graça sorriu e retrucou: — Esquece isso, filha! Você sabe o que eu penso de morar em cidade grande! — Sei, tia... Mas um dia vou lhe convencer — prometeu Lua, olhando para os amigos. — Conto com vocês, meus amigos, para cuidarem da minha tia enquanto eu não estiver. — Sabe que pra cuidar da tia Graça, sempre poderá contar conosco, amiga! — garantiu Naty. A idosa balançou a cabeça, fazendo graça: — Quem vai cuidar de quem? Os três riram. Após as despedidas finais, Lua entrou no ônibus pensativa. Amava a tia e sabia que ela estava certa sobre o mundo. Mesmo ciente dos perigos, acreditava na vastidão de possibilidades que a aguardavam. Enquanto o veículo partia, Graça orava em silêncio: "Deus proteja minha menina de todo mal!". Em seguida, dirigiu-se mentalmente à irmã falecida, pedindo que acompanhasse Lua na jornada. Sabia que a sobrinha sempre fora curiosa e ansiosa por novos ângulos da vida, mas temia que a inocência da jovem a tornasse vulnerável à crueldade alheia. Estava ainda enxugando as lágrimas quando Caleb e Naty a envolveram num abraço apertado. *Santa Marta é uma cidade fictícia, desconsidere se existir alguma real.