Segura ela...

Lizandra

Mesmo sentado atrás da mesa, era possível perceber que o homem era alto. Ombros largos, braços fortes que marcavam por baixo da camisa social de tecido impecável. Os cabelos castanhos estavam perfeitamente alinhados, sem um fio fora do lugar, como se a ordem fosse uma extensão natural dele. A barba escura e bem aparada contornava um maxilar firme, lindo demais para ser real.

Mas não era a beleza dele que me deixou sem ar.

Era a intensidade.

Aquela beleza não era suave. Não era acolhedora.

Era marcada, agressiva até, como se ele soubesse exatamente o efeito que causava no ambiente e não fizesse esforço nenhum para suavizar.

E então ele levantou o olhar.

Os olhos dele eram de um azul inacreditável.

Azul profundo.

Azul frio.

Friamente calculistas e quase ameaçadores.

Senti minha respiração falhar por um instante. Meu coração começou a bater tão rápido que eu temi que ele escutasse dali. Aquele homem era perigoso, não no sentido literal, mas no tipo de presença que derruba suas defesas antes que você perceba.

Por um momento, esqueci completamente que estava ali para uma entrevista. Esqueci até como se respirava direito. Ele me observou em silêncio, com aquele olhar que parecia atravessar camadas, como se estivesse medindo minha alma inteira só para decidir se valia a pena continuar.

Eu não esperava por aquilo. De verdade, não esperava. Eu imaginei que seria entrevistada pela mãe da criança. Uma mulher amável, sensível, curiosa sobre minhas experiências. Não… não por ele. Não por aquele homem de presença tão intensa que parecia preencher todo o escritório sozinho.

Quando entendi que era o pai quem faria a entrevista, senti meu estômago revirar de nervosismo. E o pior? Tentei esconder, mas era impossível. Meu corpo me traía sem piedade.

Minhas mãos estavam geladas. Meu rosto… meu Deus, eu sentia o calor subindo pelas bochechas, nítido, evidente. Um rubor que eu não conseguia controlar por mais que tentasse respirar fundo.

Ele continuava me observando em silêncio.

Aqueles olhos azuis, tão lindos que chegavam a ser hipnotizantes, mas ao mesmo tempo tão frios, tão avaliadores. Pareciam despir cada pensamento meu. Como se ele pudesse ver além do que eu mostrava.

Atrás daquela mesa enorme estava um homem que eu nunca teria coragem de encarar duas vezes na rua. Bonito demais, imponente demais, intenso demais. E eu, ali, tentando fingir que não estava derretendo por dentro.

Ele cruzou as mãos sobre a mesa. Com seu jeito imponente que me tirava do eixo.

— Você é muito jovem, Lizandra.

— Eu sei, senhor. Mas tenho experiência e… vontade. Também fui monitora escolar, gosto de crianças.

— Minha filha Lia é meu bem mais precioso. — As palavras saiam de forma dura, quase rude. — Eu só confio em poucas pessoas ao redor dela. Só quem entende isso permanece aqui.

— Eu entendo, senhor Albuquerque.

— Tem noção — continuou, inclinando um pouco para a frente, estudando cada expressão minha — do tamanho da responsabilidade caso fique com a vaga?

— Tenho, sim. E… estou preparada. Eu realmente estou. Afirmei com convicção.

Eu percebi a hesitação no semblante do senhor Albuquerque. Mínima, quase imperceptível, mas suficiente para que meu estômago se fechasse. Era como assistir, em tempo real, a oportunidade escorrer por entre meus dedos.

A vaga, a chance de finalmente respirar das dívidas que se acumulavam, de parar de racionar o pouco de dinheiro que eu ainda tinha depois de meses procurando trabalho, estava prestes a ir por água abaixo.

Tentei manter a postura firme enquanto respondia às últimas perguntas dele. Ele mantinha o tom prático, mas havia algo nos olhos, um incômodo silencioso, que ele disfarçava ajeitando a gravata.

— Vou avaliar as demais candidatas e entrarei em contato posteriormente — decretou ele.

Não havia o que contestar. Fingi normalidade, mesmo com o coração apertado.

— Agradeço a oportunidade, senhor Fernando —levantei -me sem graça.

Antes de sair, ainda lancei um último olhar para ele que desviou os olhos rapidamente. “Acho que não gostou de mim.”

Ao fechar a porta, encontrei as outras candidatas sentadas. Eram todas mais velhas, com certeza mais experientes. Senti minha insegurança latejar.

A governanta séria, apenas apontou o caminho de saída sem uma palavra.

Caminhei pelo corredor amplo, tentando manter a respiração controlada, mas meus olhos já ardiam. As lágrimas teimavam em escapar, borrando levemente minha visão, enquanto eu piscava rápido, como se isso pudesse impedir a frustração de transbordar.

A casa parecia ainda maior, silenciosa, impecável, e aristocrática. Cada passo meu ecoava como um lembrete de que eu não havia conseguido.

Foi só quando caminhei mais adiante que percebi que não reconhecia mais aquele trecho. O caminho não era o mesmo da chegada. Os corredores se multiplicavam, todos iguais, todos longos demais para meus pensamentos agitados.

Foi então que eu vi uma grande porta de vidro aberta, deixando entrar um sopro de ar mais quente. Aproximei-me, esperando encontrar a saída. Mas, em vez disso, encontrei a área da piscina.

E a visão tirou meu fôlego.

Era um lugar de revista: espreguiçadeiras brancas, ombrelones alinhados, plantas altas e a piscina de borda infinita refletindo o céu como um espelho azul profundo. Luxo em cada detalhe. Mas nada disso teve real importância diante do que capturou minha atenção.

Uma menininha, sozinha e agachada na beira da piscina.

Ela usava um vestido rosa claro bem rodado, que balançava com a brisa, os longos cabelos castanhos parcialmente presos por uma tiara de laço. Era pequena, frágil… e estendia um dos bracinhos para tentar alcançar um brinquedo que flutuava sobre a água.

Muito perto da borda.

Perigosamente perto.

Meu coração disparou com um baque surdo.

— Meu Deus… — Murmurei me movendo em direção a ela.

Eu acelerei os passos e, depois, corri, sentindo o piso escorregar levemente sob os saltos das minhas sandálias. Eu queria gritar, avisar, pedir que a menina parasse. Mas não houve tempo. No exato momento em que abri a boca, a criança inclinou o corpo um pouco demais.

E caiu.

A pequena rompeu a superfície da água com um som que congelou o meu sangue.

A bolsa voou da minha mão sem que eu percebesse. O instinto tomou conta. Eu corri os últimos metros, como se o mundo inteiro estivesse se reduzindo àquele borrão rosa submerso.

Pulei na piscina, o impacto da água fria queimou minha pele no mesmo instante em que minha mente gritava apenas uma coisa:

“Segura ela agora, ou vai ser tarde demais!”

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