Você está segura...

Lizandra

A água estava gelada, mas eu já nem sentia de verdade. Meu corpo se movia sozinho. Abri os olhos embaixo d’água, o cloro ardendo, e tudo que eu enxerguei foi o borrão rosa afundando rápido demais.

“Rápido Lizandra!”

Dei impulso com as pernas, meus braços cortando a água enquanto o vestido colava no meu corpo e pesava, mas eu não parava. Cada segundo parecia um ano. Quando finalmente alcancei a pequena, meu coração quase saiu pela boca. Ela se debatia, os bracinhos agitando em desespero, os cabelos flutuando ao redor.

— Ei, ei… eu tô aqui — murmurei, mesmo sabendo que ela talvez nem me ouvisse.

Segurei firme seu corpinho e puxei-a para perto, erguendo-a com toda força para cima. O ar pareceu explodir quando rompemos a superfície. Ela tossia alto, arfava, chorava de susto, agarrando-se ao meu pescoço com tanta força que suas mãozinhas tremiam.

— Tudo bem… tudo bem, princesa — sussurrei, ofegante, tentando manter a calma por nós duas. — Fica comigo, tá? Respira… já passou.

Ela soluçou contra meu ombro, ainda trêmula. A segurei com mais firmeza, mantendo-a acima da água enquanto nadava de costas em direção à borda. Meus braços doendo, minhas pernas queimando, mas eu nem pensava nisso.

— Aguenta só mais um pouquinho… já estamos chegando… — falei, quase sem ar.

Quando meus dedos tocaram o mármore da borda da piscina, deixei escapar um suspiro de alívio. Apoiei a menina com cuidado, ajudando-a a subir primeiro.

— Calma, meu amor… você tá segura agora — prometi, mesmo com o coração batendo desesperado dentro do peito.

Só quando coloquei os pés pra fora e me levantei, ainda pingando, percebi que minhas mãos tremiam quase tanto quanto as dela. Mas a única coisa que importava era o fato de que ela estava ali, viva, agarrada à minha mão com força.

A menina chorava tão baixinho, tão partida, que meu coração parecia doer junto com o dela. Peguei-a no colo, apertando contra meu peito como se pudesse transferir segurança pelo toque.

— Shhh… já passou, meu amor… eu tô aqui… — murmurei, enquanto ela tremia sem controle.

Caminhei o mais rápido que pude para dentro da casa, minha roupa encharcada escorrendo água pelo chão. A cada passo eu gritava:

— Alguém! Por favor, ajuda! Socorro!

O eco da minha própria voz me assustava, mas eu não parava. Logo duas empregadas apareceram correndo pelo corredor, os olhos arregalados ao nos verem.

— Meu Deus! — uma delas exclamou. — O que aconteceu?!

Eu abri a boca para responder, mas… no meu desespero, só percebi naquele instante o rastro que eu deixava pelo piso impecável, completamente molhado. Nem pensei nisso. Só segurei a menina com mais força.

Então a governanta, Soraia, surgiu de repente com o rosto pálido de choque. E atrás dela, apressado, veio ele.

Fernando Albuquerque.

A figura dele preencheu o corredor inteiro, alto, imponente, tenso. Seus olhos azuis, antes frios durante a entrevista, agora estavam arregalados em puro desespero ao reconhecer quem eu carregava nos braços. Me fazendo compreender que a menininha era sua filha.

Eu tentei explicar, mesmo com a voz trêmula:

— Eu… eu me perdi no caminho de saída. Encontrei ela sozinha na beira da piscina… aconteceu muito rápido. Ela caiu e eu pulei.

Fernando avançou, estendendo os braços para pegar a filha, mas no instante em que tentou tocá-la, a menina se agarrou ainda mais a mim, enterrando o rosto encharcado no meu ombro, soluçando alto.

— Não… não, papai… — ela choramingou, apertando meus ombros com força.

Senti o ar rarear. Até Fernando congelou, o braço suspenso no ar, como se não soubesse o que fazer.

Ele olhou para mim. De verdade, dessa vez. Não como chefe avaliando a candidata. Mas como um pai prestes a desmoronar e abriu caminho entre os funcionários, e eu segui atrás dele, ainda com Lia grudada ao meu corpo, como se fosse parte de mim. Entramos numa sala ampla e elegante.

Uma das empregadas surgiu rápido com uma toalha. Peguei-a com as mãos trêmulas e envolvi o corpinho encharcado da menina, puxando-a para mais perto enquanto sussurrava:

— Prontinho, Lia. Tá tudo bem, meu amor… você está segura.

O nome dela pareceu acalmá-la um pouco. A tremedeira diminuía, mas seus bracinhos continuavam presos ao meu pescoço.

Fernando sentou-se ao nosso lado, tão próximo que pude sentir o calor da presença dele apesar das minhas roupas geladas. Lia, ainda fungando, tirou o rosto do meu ombro e olhou para o pai com olhos enormes, cheios de culpa.

— Desculpa, papai… eu… eu só queria pegar meu brinquedo…

Ele mudou. Ali, diante de mim, diante da filha, Fernando Albuquerque deixou de ser o homem rígido, quase arrogante, da entrevista.

Sua voz ficou suave.

— Filha… — Ele estendeu os braços com cuidado. — Você me deu um susto enorme. Eu fiquei preocupado, muito preocupado.

Quando Lia finalmente soltou meu pescoço e foi para o colo dele, foi como assistir a outra versão daquele homem surgir. Ele a acolheu com tanto cuidado, beijou seus cabelos molhados, passou a mão em suas costas pequenas, murmurando baixinho:

— Tá tudo bem, minha princesa… papai tá aqui. Tá tudo bem agora.

O contraste me atingiu profundamente. A frieza de pouco antes havia evaporado. Ele parecia… humano. Devastado. Aliviado.

Soraia se aproximou de mim e colocou outra toalha sobre meus ombros, apertando levemente meus braços, num gesto inesperadamente acolhedor.

Só então percebi que havia pelo menos uns cinco funcionários espalhados ao redor da sala, todos estáticos, atentos, alguns claramente assustados com a cena. Eu, encharcada dos pés à cabeça, sentia o coração ainda acelerado demais.

Fernando ergueu o rosto e me olhou. E naquele momento vi gratidão em seus olhos.

— Obrigado — ele disse, firme, a voz baixa. — De verdade. Você salvou minha filha.

Engoli em seco, sem saber o que responder. Nunca imaginei que ouviria um homem como ele me agradecer assim.

Mas, no meio daquele turbilhão, algo me chamou atenção.

Eu esperei, por instinto, ver surgir uma mulher desesperada, chorosa, correndo para abraçar a filha. Uma mãe aflita, histérica até.

Mas não havia ninguém. Nenhuma mãe.

Nenhuma mulher descendo escadas, nenhuma correria, nenhum grito. Nada.

Minha voz saiu antes que eu conseguisse segurar:

— A… a mãe da Lia…? Ela não deveria ser avisada?

O silêncio que seguiu foi pesado. Fernando desviou o olhar, mas foi o bastante para provocar um arrepio desconfortável na minha nuca. Eu não deveria ter perguntado.

Todos permaneceram em silêncio. Um silêncio pesado, espesso e desconfortável. Minha pergunta tocou algo proibido.

Fernando voltou a me olhar com aquela intensidade fria e cortante. O mesmo olhar impenetrável da entrevista ressurgiu, varrendo todo o calor de segundos atrás.

— Você precisa se secar — ele disse por fim, a voz grave e firme, quase uma ordem.

Assenti automaticamente, o coração batendo descompassado. Ele voltou-se para uma das empregadas, a mesma que havia trazido a toalha.

— Acompanhe a senhorita. Dê-lhe algo para vestir. — Depois olhou para Soraia. — Soraia, venha. Vamos trocar a Lia.

A menina ainda soluçava baixinho no colo dele. Antes que seguissem, ele voltou seu olhar para mim.

— Assim que estiver seca… — sua voz ficou ainda mais profunda — vá até o meu escritório.

Um arrepio percorreu toda minha coluna. De repente, tudo dentro de mim gritava para fugir. Sair porta afora e nunca mais voltar. A vaga já parecia impossível mesmo. O constrangimento, enorme. E agora… agora eu teria que encarar aquele homem de novo?

Só queria encontrar minha bolsa e desaparecer. Mas não havia alternativa. Nem coragem de contestá-lo.

— S… sim, senhor.

Virei-me para seguir a empregada, mas podia sentir o olhar dele queimando minhas costas enquanto eu me afastava. E quanto mais eu caminhava, mais meu peito apertava com um único pensamento:

O que ele vai me dizer quando eu entrar naquele escritório?

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