Ana Kelly Narrando Quinze dias se passaram desde aquele caos. E apesar de tudo ainda parecer um campo minado, aos poucos as coisas vão se ajeitando. Minha avó, graças a Deus, se recuperou da surra covarde que levou lá em São Paulo. Agora tá aos cuidados da Josefa, num dos casarões da família Carter. Um lugar tranquilo, com jardim grande, rede na varanda e cheiro de bolo saindo da cozinha.Karen ainda insiste em trabalhar no café. Estevão já tentou de tudo pra tirar ela de lá: convite pra trabalhar na empresa, proposta de largar tudo e deixar ele bancar, até sugestão pra montar o próprio negócio com ele por trás. Mas eu conheço minha amiga. Karen é pior que eu — já avisei pra ele. Vai ter que ir com jeitinho, senão ela morde.Quanto a mim... hoje foi o meu primeiro dia oficial como secretária particular do Anthony. Cargo importante, título pesado. Mas diferente de tudo que eu imaginei um dia pra minha vida. E sabe o que é mais maluco? Tô feliz. Pela primeira vez em muito tempo, tô fel
Anthony narrandoA manhã começou com um silêncio confortável, do tipo que só se sente quando a alma tá em paz. Ana Kelly tava ao meu lado, arrumando uns papéis enquanto eu assinava outros. Desde que ela entrou oficialmente como minha secretária particular — e minha mulher — as coisas pareciam mais organizadas, mais leves, apesar do caos em volta. Não era só presença física. Era a mente dela, o olhar atento, a maneira como ela já entendia o ritmo das coisas como se tivesse nascido pra isso.Bárbara entrou sem bater, como de costume. Estava com o telefone na mão, o salto batendo forte no chão de mármore.— O carro tá pronto. Quer que mande te buscar na reunião, Anthony? — perguntou ela, o olhar carregado de veneno.Não respondi. Apenas me levantei, dei a volta na mesa e estendi a mão pra Ana Kelly.— Vamos. A reunião é importante e você vai comigo — falei, abraçando ela pela cintura.Passei pela Bárbara sem dar explicação e ainda virei pro restante da equipe que tava pelo corredor e anu
Sr. Carter Narrando Nunca gostei de ser interrompido no meio da leitura dos relatórios do trimestre, mas quando minha secretária particular me avisou que Bárbara estava no hall, insisti que ela fosse recebida. A maneira como ela entrou na minha sala já dizia tudo — passos duros, postura ereta e o olhar que, se pudesse, incendiava o mundo. Conheço aquele olhar desde que ela entrou na Carter como estagiária. Ambiciosa. Disciplinada. Mas sempre impulsiva demais.— Senhor Carter, preciso conversar com o senhor. — Ela mal esperou a porta se fechar.Fechei a pasta devagar, tirei os óculos e ergui o olhar, mantendo a calma.— Então fale, Bárbara.— Eu trabalho nessa empresa há quase dez anos. Me dediquei como poucas pessoas aqui dentro. Segui regras, cumpri metas, fui leal… e o que recebo em troca? Desprezo. Fui rebaixada, humilhada e trocada por uma qualquer!Ergui uma sobrancelha.— Ana Kelly não é uma qualquer. E você sabe disso. — Rebati sabendo de quem ela tava falando, coisas boatos n
Sr. Carter NarrandoA raiva ainda fervia no meu sangue enquanto pegava o telefone celular e discava direto para o número do Anthony. Era fim de tarde, e eu sabia que ele devia estar com a Ana Kelly, mas isso não podia esperar.— Filho — falei assim que ele atendeu —, preciso que você venha pra casa hoje. Temos que conversar com calma... sobre o Vinícius.— Aconteceu alguma coisa?— Estão tentando soltar ele. Pablo me avisou. Quero você aqui ainda hoje. E traga a Ana Kelly com você. Vamos jantar. É noite de guerra, mas também de estratégia.— Tô indo, pai. Chego em no máximo uma hora.Desliguei e encostei a cabeça no encosto de couro da poltrona do carro. O motorista já tomava o caminho para a casa da família Carter, e durante o trajeto, respirei fundo. Pensar com a cabeça quente nunca foi minha maneira de agir, e hoje não seria diferente.Peguei o interfone do carro e liguei direto para Luísa, minha esposa.— Amor, prepara a casa. O Anthony vem jantar hoje com a Ana Kelly.— Que ótimo
Brenda Narrando Quinze dias. Quinze dias desde que o mundo desabou. Desde que Vinícius caiu. Desde que eu vi tudo escorrer pelos dedos como areia fina. Agora, o que resta é o silêncio denso da vingança pairando no ar… e a certeza de que a guerra tá longe de acabar. A casa dos Duarte, em São Paulo, parecia um campo minado. Ninguém falava alto. Ninguém sorria. Só os olhos gritavam. Olhos vermelhos, pesados, carregando a fúria de quem teve tudo arrancado à força. O velho Duarte, com aquele olhar gelado que sempre teve, andava de um lado pro outro da sala, e cada passo dele parecia ecoar um plano. Um acerto de contas. — Brenda... — a voz dele cortou o silêncio como faca. — Você ainda é capaz de se infiltrar naquele círculo? Levantei a cabeça, mantendo firme o olhar. Eu não era qualquer uma naquela sala. Eu era quem eles precisavam. — Posso tentar. Vai ser mais difícil. A Ana Kelly agora é "esposa do Anthony", circula do lado dele e tá ganhando respeito de gente grande. Mas eu
Brenda Narrando Dois dias depois, desci do ônibus no terminal de Porto Alegre com uma mala simples, uma mochila e minha mente carregada de estratégia. O céu estava nublado, e o vento frio batia no rosto como se já me alertasse que eu estava pisando num território onde precisava ser mais que esperta. Precisava ser invisível.Peguei um táxi até uma pensão discreta, a duas quadras do café onde a Karen, melhor amiga da Ana Kelly, trabalha. O lugar era pequeno, cheirava a lavanda velha misturada com desinfetante barato, mas tinha cama, chuveiro quente e silêncio. O suficiente.Fechei a porta do quarto, joguei a mochila na cama e fui direto pro espelho. Me encarei. O cabelo agora estava num tom borgonha intenso, preso num coque elegante. As sobrancelhas arqueadas mudavam completamente meu olhar, deixando pra trás o rosto que Ana Kelly conhecia. A Brenda que ela lembrava não existe mais.Liguei o notebook. Me conectei ao Wi-Fi fraco da pensão e entrei direto nas redes sociais. Comecei com o
Ana Kelly Narrando Acordar com o Antony ao meu lado virou meu refúgio, meu lugar de paz. Ele dorme com o braço jogado sobre minha cintura e respira devagar, tão sereno que parece impossível imaginar que é o mesmo homem que comanda um império com mãos de ferro. Me viro devagar e passo a ponta dos dedos no rosto dele, admirando cada detalhe. A barba por fazer, o cabelo bagunçado... e aquele jeito possessivo até dormindo, como se tivesse medo de me perder até no sonho.— Bom dia, amor — sussurro, deixando um beijo no ombro dele.— Humm... agora é bom dia — ele responde com a voz rouca, me puxando de volta pra debaixo do cobertor e me fazendo rir baixinho.O banho é só mais uma desculpa pra gente estender o carinho. Ele me prende contra a parede do box, fala coisas no meu ouvido, lava meu cabelo com cuidado e termina me enrolando na toalha como se eu fosse porcelana. A cada gesto, eu me sinto mais dele. E mais minha também.Depois de nos vestirmos, descemos pra tomar café. A casa estava
Anthony Narrando Tem dias que o peso de ser o "homem da decisão" é mais do que eu consigo carregar com elegância. Hoje é um desses. A ligação do advogado ainda ecoa na minha cabeça. A viagem, os acionistas, os relatórios técnicos... e o nome que ele jogou como se não tivesse impacto algum: Bárbara.Respirei fundo no instante em que ele mencionou, mas por dentro meu sangue ferveu. Não por medo do que eu posso fazer. Não. Porque eu sei exatamente o que não farei. O problema é outro. Eu conheço a Bárbara, e conheço o coração da Ana Kelly. E só o nome da primeira já é o suficiente pra abalar a segunda.Ando pela sala com os pensamentos embaralhados. A Bárbara foi competente ao lado dos Carter por anos, é verdade. Conhece cada detalhe técnico, cada curva do nosso império. Mas também conhece meus pontos fracos, sabe como manipular os espaços e provocar os silêncios. Ela nunca engoliu a ideia de me ver apaixonado por outra mulher. Muito menos por alguém como a Ana — que ela chamou de “comum