Caine
Saio da escola no passo mais rápido possível, quase como se estivesse escapando de um incêndio. Não é exagero. Aquele lugar tem glitter no ar, cheiro de cola colorida e pessoas sorrindo em excesso antes das oito da manhã. É insalubre. Estou atrasado para reuniões, atolado de relatórios e com uma pilha de decisões financeiras esperando por mim. Não tenho tempo para tanto entusiasmo matinal. E aí surge a pergunta inevitável: o que aquela professora toma logo cedo para estar tão… alegre? Café misturado com raio ultravioleta? Shake de purpurina com serotonina em pó? Não faz sentido. Eu, depois de três cafés pretos, ainda me sinto um morto-vivo funcional. Ela, em compensação, parece ter acordado abraçada pelo sol. É irritante. No banco de trás do carro, tento retomar a normalidade. Abro o notebook, celular em uma mão, fones no ouvido. A única maneira de sobreviver é mergulhar de volta no meu habitat: números, contratos e obrigações que não envolvam dedinhos melados de geleia ou músicas sobre borboletas felizes. — Bruno — digo, assim que meu secretário atende. — Agenda as reuniões com os investidores da filial de Houston para quarta. E confirma se a diretoria de operações já enviou os relatórios da última semana. — Entendido, senhor. — Ah, e cancela o jantar de hoje. — O senhor vai desmarcar com a Sra. Moretti? — Sim. Motivos familiares. Eli precisa de mim. Do outro lado da linha, silêncio. Bruno, acostumado ao meu mau humor, hesita. — Deseja reagendar? — Só se ela topar trocar o vinho de mil reais por suco de uva em caixinha e ouvir uma apresentação de dança de girassóis no final. Mais silêncio. Perfeito. Não sei se ele entendeu como ironia ou se apenas não quer se arriscar. Encosto a cabeça no banco, tentando relaxar por dois segundos. Mas minha mente, traidora, projeta a imagem dela. Laura. Vestido amarelo. Sorriso maior do que a situação exigia. E aquele muffin ridículo na mão, como se fosse um tesouro arqueológico. E o pior: ela ficou genuinamente feliz com aquilo. Quem, em sã consciência, vibra tanto por um bolinho de mirtilo de cafeteria? Laura Hart, aparentemente. Ela não só ficou feliz. Ela me olhou como se eu tivesse feito o dia dela melhor. Como se o CEO mal-humorado tivesse potencial para ser… mais humano. Respiro fundo. Três semanas. Só isso. Aguento três semanas desse circo infantil e depois volto para a vida normal. Longe de glitter, longe de crianças barulhentas e, principalmente, longe de professoras sorridentes que parecem ter feito um pacto com a luz do sol. Só que — e odeio admitir isso até para mim mesmo — esse “longe” não parece tão confortável quanto deveria. O carro freia diante da sede da empresa. Meu motorista abre a porta, e eu ajeito a postura. Preciso parecer no controle, mesmo que me sinta espiritualmente coberto de purpurina. Caminho até o elevador. Pasta de couro sob o braço, celular vibrando como um coração em ataque cardíaco. Funcionários me cumprimentam com acenos discretos. Perfeito. Esse é o tipo de interação humana que consigo tolerar: breve, educada e silenciosa. Mas então noto algo errado. Olhares estranhos, sorrisos contidos. Um ou outro funcionário desviando o rosto rápido demais. — Sr. Walker… — murmura uma estagiária, quase engasgando na tentativa de conter o riso. — O que foi? — disparo, a paciência já no limite. Ela aponta, envergonhada, para meu ombro. Baixo os olhos. Uma estrela dourada. Adesiva. Colada com perfeição cirúrgica no meu paletó italiano de alfaiataria. Filho da... Não. Respira. Não vou surtar no meio do saguão. É óbvio de quem é a culpa. Ou Laura mesma colou aquilo enquanto me desejava um “bom dia ensolarado”, ou algum dos seus duzentos mini-habitantes achou engraçado transformar o CEO em monitor de colônia de férias. De qualquer forma, estou andando por um prédio corporativo multimilionário com um adesivo de estrela dourada colado no blazer. Considero arrancar. Seria lógico. Mas… não arranco. E isso me irrita ainda mais. Por quê? Não faço ideia. Talvez porque seja a primeira coisa leve que acontece na minha vida em anos. Talvez porque, pela primeira vez em muito tempo, alguém me olhou sem ver apenas o cargo, as ações na bolsa ou o dinheiro. Subo até minha sala. O reflexo no vidro da mesa não me deixa esquecer. A estrela está lá. Ridícula. Brilhante. Infantil. Maldita Miss Laura. Pego uma caneta, tento focar nos contratos. As linhas dançam, as cláusulas perdem o sentido. Em vez disso, tudo o que vejo é aquela cena. O sorriso fácil. O jeito irritantemente espontâneo de falar comigo como se eu fosse qualquer um. A leveza com que me entregou um muffin, como se fosse algo que realmente importava. E agora a maldita estrela dourada. De repente, não sei o que é pior: a lembrança do bolinho ou o fato de eu não conseguir arrancar um adesivo ridículo da lapela. Não gosto de perder controle. E, por algum motivo que desafia toda a lógica que sustenta minha vida, aquela professora tem um talento natural para desmontar a armadura que levei anos construindo. Três semanas. Repito o mantra como se fosse uma prece. Só três. Se eu sobreviver até lá, volto a ser o CEO frio e eficiente que sempre fui. Sem adesivos, sem muffins, sem sorrisos iluminados. Ou pelo menos é nisso que tento acreditar. Mas a maldita estrela continua brilhando no vidro, lembrando-me de que, goste ou não, Miss Laura já deixou sua marca.