Lorenzo Ferraz Minha mãe me perguntou se eu queria perdê-la. Celina. Minha mulher, minha luz, minha perdição. Fiquei em silêncio. Não foi por desprezo, nem por indecisão. Foi por dor. Uma dor que não me larga, que não permite que eu a toque sem me sentir um monstro. A verdade? Eu não quero perdê-la. Nunca quis. Mas o homem que sou agora... não é o homem que ela merece. Talvez eu precise de uma clínica. De um exorcismo. De um lugar onde eu possa arrancar essa maldita culpa do meu peito. Por ter deixado Celina criar nosso filho sozinha, por ter me afastado dela quando ela mais precisou. Só que antes de buscar ajuda, antes de me curar... eu quero pegar Gabrielle. Ela sumiu, escorregou pelos meus dedos como fumaça. Mas não desapareceu da minha mente. Ela ainda está viva dentro da minha raiva. Celina entrou no quarto de mansinho. Como no hospital, quando eu estava desmoronando e ela simplesmente se deitou ao meu lado. Ela não falou nada. Só encostou os lábios nos meus, me beijando c
Lorenzo Ferraz O dia amanheceu frio, mas o calor do corpo de Celina ao meu lado aquecia mais do que qualquer cobertor. Beijei sua testa com cuidado, sem querer acordá-la. O rosto sereno dela enquanto dormia era uma das poucas coisas que ainda me dava paz. Levantei da cama devagar e fui direto para o banheiro. Escovei os dentes, lavei o rosto e encarei meu reflexo no espelho. Meus olhos estavam fundos, exaustos. A culpa me corroía por dentro. Desci as escadas com passos pesados e fui direto para a cozinha, onde minha mãe já estava acordada, como sempre. — Oi, mamãe. Bom dia! — murmurei, tentando forçar um sorriso. — Bom dia, meu amor. — Ela me respondeu com a voz doce. — Como foi sua noite? — Atormentada. Como sempre. Pesadelos, arrependimento, dor... — Sentei à mesa e apoiei os cotovelos nela, escondendo o rosto entre as mãos. — Mãe, preciso que me prometa algo. Não diga à Celina para onde vou, por favor. Eu preciso ficar um tempo longe. Preciso tirar essa culpa do meu coração ant
Celina Alves Acordei com o sol já se escondendo no horizonte. O quarto estava silencioso, e a cama ainda guardava o calor dos nossos corpos. A lembrança da manhã me atingiu como uma maré intensa: Lorenzo e eu... juntos, como antes. Como se nada tivesse nos separado. Mas algo estava errado. Estiquei o braço e senti o espaço ao meu lado vazio. Nenhum som de chuveiro, nenhuma voz vinda da cozinha. Apenas o silêncio. Um silêncio incômodo. Foi então que vi o papel sobre o travesseiro. Meus dedos trêmulos o alcançaram, e meu coração disparou antes mesmo de ler. “Meu anjo, me perdoe, mas eu terei que ir... Logo voltarei para você, minha doce Celina. Eu não posso ficar do jeito que estou, infeliz e me sentindo culpado por tudo que te fiz. Eu não ia te falar isso, mas eu precisei para você não me odiar. Por favor, meu amor, não me odeie. Eu te amo demais!” Minhas pernas fraquejaram. Mas continuei lendo. Cada palavra pesava como uma sentença. “Só que não durmo mais e você não sabe
Celina Alves — Olha o que vocês fizeram com a minha boca e meu cabelo, suas loucas! — Gabrielle gritou, tentando arrumar as madeixas desgrenhadas enquanto cuspia sangue no chão. O rosto dela já estava quase irreconhecível, inchado, marcado pela raiva que Tamara e eu descontamos com gosto. — Você nunca mais vai fazer mal a ninguém, sua vadia — respondi com frieza. — E não vai abrir o bico pra ninguém, me ouviu bem? Se alguém perguntar, foi o seu ex, aquele maluco ciumento. Você sabe exatamente de quem estou falando... Tamara se aproximou, ainda ofegante, e apontou o dedo na cara dela. — Vamos, Celina. Deixa essa cobra apodrecer no chão. Logo o médico vem socorrê-la. Vou chamar uma ambulância... Mas se você ousar mexer de novo com a família da Celina, juro por tudo que é sagrado, eu vou atrás de você onde quer que esteja. E, dessa vez, não vou parar. Eu sabia que tínhamos ultrapassado um limite — mas não me arrependia. Se Lorenzo estivesse no meu lugar, Gabrielle estaria morta. Ele
Tamara Borralho Passar esse tempo em Santa Catarina foi um sopro de ar fresco. Precisei disso. Depois de tudo que aconteceu, ver minha amiga se reerguendo e, de quebra, dar uma surra naquela infeliz que estava se divertindo em Miami como se nada tivesse acontecido... ah, foi terapêutico. Sim, eu fui até lá. Fui buscar a desgraçada, arrastei pelos cabelos e trouxe de volta à realidade. Alguém precisava colocar fim na palhaçada dela. Separar um casal tão apaixonado por pura inveja é um pecado imperdoável. Mas agora está tudo certo. Justiça foi feita. O lado ruim é que meu tempo aqui está acabando. Preciso voltar para o Rio, e isso parte meu coração, porque vou deixar meu loiro gostoso sozinho. Ai, meu Deus, que homem maravilhoso. Lindo, alto, olhos claros, e aquele sorriso safado que me desmonta inteira. Já me despedi de todos. Só falta me despedir do jeito que mais gosto: com o meu loiro me deixando sem fôlego, sem voz... e sem calcinha, claro. Meu amor está me esperando. Heitor. Só
Gabrielle Vidal Eu não consigo acreditar que essa mulher me encontrou. Tamara me arrastou pelos cabelos como uma fera faminta por vingança. Eu tentei lutar, gritar, escapar… em vão. Ela me arrancou do esconderijo e me trouxe de volta para esta maldita cidade, como se eu fosse uma criminosa sendo levada à força para a forca. O lugar onde ela me jogou de volta? O meu próprio apartamento. Irônico, não é? Assim que cruzamos a porta, Tamara ligou para alguém. Não precisei ouvir a voz do outro lado da linha para saber: era Celina. A mulher que mais me odeia no mundo. E com razão. Senti meu corpo inteiro gelar. Elas vão me matar. Dessa vez, eu senti. Minutos depois, Celina entrou como um furacão. O olhar dela? Mortal. E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela me atacou com uma fúria selvagem, distribuindo t***s, socos, puxões. Meu rosto ardia, minha boca sangrava, e a tontura me fazia cambalear sem sair do lugar. Tentei reagir, juro. Queria revidar, voar em cima dela. Mas Tamar
Lorenzo Ferraz Vai fazer meses que estou nesta clínica. O tempo passa devagar, e cada dia longe da Celina parece uma tortura. Estou com muita saudade da minha mulher. Sinto falta de tudo: do toque dela, do jeito como ela me olhava, do cheiro que ficava no travesseiro quando acordava mais cedo que eu. Estou me tratando, estou tentando… e vou conseguir. Por ela. Os primeiros dias aqui foram péssimos, um verdadeiro inferno emocional. A cabeça latejava, as lembranças vinham como punhais, me cortando por dentro. Mas aos pouquinhos fui me acostumando. O médico conversa muito comigo e tenho médicos maravilhosos. As conversas com o psicólogo me ajudam a enfrentar os monstros que criei dentro de mim. Este lugar, com suas árvores, cheiro de eucalipto e brisa silenciosa, parece mais um SPA do que uma clínica. Mas mesmo com tanta beleza ao redor, há um vazio aqui dentro de mim que nada preenche. Tenho saudade do meu filho, da minha casa, do meu trabalho. Mas, principalmente… da minha mulher.
Lorenzo FerrazComo pode uma criança dessa idade saber de tudo isso?Nunca vi uma criança tão esperta como Luan. Ele, inclusive, fala tudo direitinho.Me pergunto como é que ele sabe que a mãe está precisando de mim.Amo demais essa criança, meu presente de Deus na minha vida.— Olha só, o papai está aqui, mas logo vai estar em casa, tá bom? Iremos brincar e passear muito, eu prometo. Você, sua mãe e eu vamos nos divertir muito... Vou te levar ao cinema e para muitos outros lugares. Cuida da mamãe por mim, tá bom? Fala para mamãe que papai a ama, mas não é para você falar que esteve com o papai. Está certo, meu amor?Mas que tipo de pai eu sou, que ensina o filho a mentir?Mas é por uma causa boa, pois Celina não pode saber que Luan esteve comigo. Se ela souber, vai querer matar minha mãe e, logo em seguida, vai me matar também. Tenho certeza de que ela iria querer vir junto.Sei que ela anda querendo vir aqui, já me falou mil vezes por mensagem que queria saber onde fica a clínica. C