A porta do elevador do 99º andar se abriu. Apoiada na bengala, caminhei devagar até a escada de emergência.
O ferimento no meu pé ainda não tinha cicatrizado. E o salto alto já tinha feito o sangue voltar.
Recebi uma notificação no celular: Eduardo e sua acompanhante deviam comparecer a um evento da associação comercial, no térreo.
Quando me preparei para levantar e avisar, Eduardo apareceu diante de mim, ajoelhou e segurou meu tornozelo:
— Da próxima vez, coloca um tênis. Fica mais fácil.
Pegou um par de tênis que estava ao lado e calçou em mim:
— A partir de agora, não precisa mais me acompanhar nesses eventos.
Nesse instante, Luísa abriu a porta do escritório.
Estava produzida, com um vestido de gala.
Parou ao lado de Eduardo.
Ele se levantou e, segurando delicadamente a mão dela, completou:
— Você não tem muita presença de palco. Melhor deixar a Luísa representar.
Não reagi. Só soltei um breve:
— Ok.
Eduardo franziu levemente a testa:
— Não vai perguntar por quê?
Cerrei os dentes:
— Sr. Eduardo, ainda tenho reuniões da empresa para resolver. E a equipe da associação comercial está aguardando sua presença no andar térreo. Não tem por que desperdiçar seu tempo aqui comigo.
Ele deu um meio sorriso:
— Sr. Eduardo? Que formalidade toda é essa?
Ia continuar falando, mas Luísa se pendurou no braço dele, manhosa:
— Ai, se a gente não for logo, vou acabar ficando com dor nas pernas...
Eduardo virou-se para ela com carinho:
— Tá bem, tá bem. Não podemos deixar a Luisinha cansada, né?
E saíram às pressas.
Mais tarde, Eduardo voltou do evento, visivelmente exausto. Jogou um casaco vermelho sobre a mesa e disse:
— Tá esfriando. Vi esse casaco no evento lá embaixo e achei o tecido bom.
Meu rosto endureceu:
— Eduardo, depois de quatro anos de casamento, você ainda não sabe que eu nunca uso essas cores chamativas?
Ele bateu a porta do escritório com força:
— Usa se quiser.
Abri o Instagram. Luísa postava fotos com uma pilha de sacolas ao redor:
“Alguém especial me comprou mais de dez casacos lindos porque sabe que eu morro de frio!”
...
Depois do expediente, voltei pra casa.
Peguei a meia-calça preta transparente que tinha lavado, coloquei dentro da bolsa e deixei sobre a mesa.
Eduardo entrou no meu quarto com uma sacola na mão e soltou, provocando:
— Tá com ciúmes?
Continuei encarando a planilha à minha frente, sem piscar:
— Só estou te lembrando de não esquecer as coisas dela da próxima vez.
Levantei, passei por ele e disse com calma:
— Sr. Eduardo pode estar se divertindo, mas seria bom lembrar da reputação da família Monteiro. Oficialmente, ainda sou sua esposa. Seria melhor se não passasse dos limites.
Ele soltou uma risada seca:
— Selene, não se mete onde não foi chamada.
Completei:
— Eu não me importo com sua amante. Mas será que sua mãe pensaria o mesmo?
Eduardo nunca teve medo de nada. Exceto de uma pessoa: Maria, a mãe dele — que vivia no exterior e prezava, acima de tudo, pelas aparências.
O rosto dele mudou de cor.
O celular tocou. Era Maria.
A bronca veio na hora, direta.
Quando desligou, ele virou-se para mim, acusador:
— Foi você que contou? Como minha mãe, do outro lado do mundo, saberia o que acontece aqui?
— Sua mãe manda o médico vir todo mês me aplicar injeções de ovulação. Não me deixa em paz nem por um segundo. Eu nunca tomei a iniciativa de falar com ela.
Ele desviou o olhar, visivelmente tocado:
— Foi injusto da parte dela com você.
Mas logo se recompôs e atirou, frio:
— Do resto, não se mete.
Do lado de fora, um trovão rasgou o céu. Estremeci sem conseguir evitar.
Desde o acidente com os fogos, qualquer barulho assim me deixava em pânico.
Os olhos de Eduardo vacilaram. Ele deu um passo, prestes a me abraçar.
Mas então o som de uma mensagem ecoou no quarto.
A voz de Luísa, doce e afetada, surgiu pela notificação:
— Eduardo... eu tô com medo do escuro. Vem me fazer companhia.
Sem hesitar, ele pegou o paletó, foi embora.
A tempestade durou a noite toda. Não consegui dormir nem por um minuto.
Pensei em pedir licença do trabalho, mas o celular tocou.
Do outro lado da linha, uma colega me avisou, aflita:
— Selene, o contrato da parceria comercial deu problema. E o Sr. Eduardo tá furioso.