Cheguei correndo à sala de reuniões da empresa. Além de Eduardo e Luísa, os demais colegas já estavam sentados em silêncio.
Assim que entrei, os colegas me lançaram olhares cheios de ressentimento.
Sorrindo constrangida, abri o dossiê à minha frente. Só então percebi que era o projeto que Luísa havia tomado de mim à força.
Eduardo me olhou com raiva e disparou:
— Você tem ideia do prejuízo? Por causa do seu erro, a empresa pagou dez vezes mais de comissão!
Luísa logo reforçou, com o ar de quem se diverte colocando lenha na fogueira:
— Pois é. Quem não tem competência que não se meta. Acabou colocando todo mundo no fogo cruzado por sua causa.
Falei com calma:
— Sinto muito pelo transtorno. Mas esse projeto não estava sob a minha responsabilidade.
Eduardo apontou o nome na capa do contrato:
— A assinatura aqui é sua.
Virei até a última página do documento:
— Segundo as regras da empresa, o responsável final é quem assina na última página.
Projetei a assinatura na tela do computador.
Ali, em letras claras e firmes, estava escrito: Luísa Moreira.
Todos os olhares se voltaram para Luísa ao mesmo tempo.
Ela ficou pálida.
Era óbvio: ela havia tomado um projeto que eu já tinha finalizado em noventa por cento, só pra se exibir diante de Eduardo.
Mas o parceiro de negócios, percebendo a inexperiência dela, passou a perna.
Com os olhos marejados, Luísa estava à beira do choro.
Eduardo, vendo aquilo, se derreteu na hora e a abraçou na frente de toda a equipe.
Ao final da reunião, ele anunciou:
— Este mês, os salários do departamento comercial serão reduzidos em dez por cento, para cobrir os prejuízos.
— Em especial você, Selene. — Continuou, olhando direto pra mim. — Sem bônus de fim de ano e com corte de três meses de salário.
Duas semanas depois, saíram os holerites. A indignação era geral.
Enquanto isso, Luísa foi nomeada “funcionária destaque” por Eduardo e recebeu um aumento de cinquenta por cento no salário.
Com um sorriso insinuante, ela discursou:
— Eu só cheguei até aqui por causa da ajuda de todos. Espero continuar contando com o apoio de vocês.
Silêncio total.
Constrangida, ela se retirou, sozinha.
Anotei os dados bancários de todos do departamento comercial. Usei minhas economias para cobrir o corte no salário de cada um deles.
Olhei ao redor da sala:
— Trabalhar ao lado de vocês todos esses anos e ver o Grupo crescer foi uma sorte imensa pra mim. Mas, no fim das contas... esse sobrenome nunca foi meu.
Todos entenderam a indireta e não esconderam a indignação.
Sentei, imprimi minha carta de demissão.
O horário do voo estava perto. Precisava resolver tudo antes de partir.
Entrei no escritório. Vi Luísa sentada no colo de Eduardo, colocando gomos de tangerina na boca dele com os próprios lábios.
Quando me viu, pulou assustada, quase tropeçando.
Quis me xingar, mas mudou de tom na hora:
— Eduardo, sua secretária me assustou.
Eduardo apontou para a cadeira à frente da mesa.
Entendi na hora. Abri os documentos.
Entreguei tudo com a caneta e apontei o local da assinatura:
— Aqui, por favor.
Ele, ocupado com as brincadeiras de Luísa, assinou sem nem olhar.
Fechei a pasta:
— Então é isso. Tô indo.
— Uhum. — Murmurou ele, sem levantar os olhos.
Saí da sala.
A entrega final tomou o resto do dia. Já era madrugada quando cheguei em casa e comecei a arrumar as malas.
Eduardo voltou bêbado.
Preparei chá pra ressaca, ajudei ele a beber. Estava prestes a me deitar quando ele tentou me beijar.
Irônico.
Agora que eu ia embora, ele resolvia me desejar.
Virou a cabeça e vomitou tudo no chão.
Eu odiava cheiro de bebida.
Fui direto pro escritório e dormi ali mesmo.
No dia seguinte, ele tinha sumido.
Recebi uma ligação. Do outro lado, barulho de balada e música alta.
A voz dele veio carregada de ordem:
— Vai ter uma grande comitiva de empresários em Cidade Altavira esta semana. Você tem que garantir esse contrato pra mim.
Sete anos atrás, o escritório de advocacia onde eu trabalhava pegou fogo. Foi Eduardo quem me salvou.
Pensei por um instante.
Considerei que esta seria minha última dívida com ele.
Me arrumei, entrei em contato com os clientes e fui ao hotel.
O responsável era um homem de meia-idade.
Além do nosso grupo, havia outros figurões locais.
Ele estabeleceu as regras:
— Quem beber mais, leva o contrato.
Quando viram que eu era mulher, todos riram, sugerindo que eu desistisse.
Peguei uma garrafa de conhaque forte. E virei seis, uma atrás da outra.
Eles ficaram de queixo caído.
Depois de assinar o contrato, fui direto ao hospital. A dor no estômago era insuportável. Tive que fazer lavagem gástrica.
O médico me olhou com pena:
— Se continuar nesse ritmo, vai acabar perdendo o estômago.
Sorri, amarga.
Nunca fui de beber. Mas cada centímetro de crescimento do Grupo Monteiro... eu conquistei na base do gole.
“Eduardo, eu não te devo mais nada.”
Foi o que pensei.
Assim que o contrato chegou à empresa, Eduardo anunciou uma festa de comemoração.
Eu não pretendia ir.
Mas os colegas, sabendo que o mérito era meu, insistiram. Mandaram mensagens pedindo minha presença.
Eduardo também me escreveu.
Pediu que eu levasse uma bebida suave, com efeito de leve embriaguez.
Na comemoração, vi que ele entregou a bebida direto nas mãos de Luísa.
Ela tomou um gole e, no mesmo instante, ficou corada:
— Edu, acho que fiquei tonta.
Fez menção de cair.
Eduardo, aflito, a segurou e virou-se para mim, irritado:
— Eu não pedi bebida fraca? Comprou isso pra envenenar alguém?
Soltei uma risada seca. Apontei o rótulo da garrafa:
— Isso aqui é só bebida alcoólica suave. Nem teor etílico tem.
Luísa, com o semblante fechado, se meteu:
— Deixa disso, Eduardo. A culpa não é da Selene. Fiquei tão feliz que esqueci da minha alergia ao álcool.
Eduardo já ia explodir, mas parou ao notar meu rosto pálido.
Com um tom inesperado de preocupação, perguntou:
— Aqueles clientes... não te fizeram passar por nada, né?
Apontei para a mesa:
— Só seis garrafas de conhaque.
Seu rosto se contraiu, visivelmente abalado.
Luísa logo reagiu, exagerando na entonação:
— Ai... acho que vou desmaiar...
Eduardo a amparou no mesmo instante, levando-a para um quarto no andar de cima.
Antes de sair, ainda me deu uma ordem:
— Leva o casaco da Luisinha pra casa, lava pra ela. Amanhã traz de volta.
Os colegas se entreolharam, incomodados.
Sabiam que eu estava de partida e queriam me convencer a ficar.
Mas só sorri levemente:
— O mundo é grande, e os caminhos se cruzam. Se for da vontade do destino, a gente se vê por aí.
Peguei a mala que estava perto da porta. Tinha um voo a pegar naquela mesma noite.
Ninguém sabia. Nunca mencionei meus pais. Mas, na verdade, eles moravam em Londária há anos.
O único que sabia era Eduardo. Mas ele achava que era só uma viagem de férias.
Meus pais me esperaram no aeroporto. Voltamos pra casa.
Depois de um breve descanso, escrevi uma petição.
Réu: Eduardo Monteiro.