No dia do nosso quarto aniversário de casamento, esperei em casa.
Eduardo soltou fogos pela cidade para a mulher que ele nunca esqueceu.
Acabei ferida pelos estouros e fui parar no hospital.
Ao ver meu ferimento escurecido, ele a impediu de entrar e disse, frio:
— Não olha. Vai sujar seus olhos.
De volta em casa, encontrei uma meia-calça preta rendada dentro da máquina da sacada.
Tirei com calma, dobrei e deixei sobre a mesa da sala.
Fechei a tampa e comprei uma passagem para Londária.
...
Assim que finalizei a compra, Eduardo entrou pelo corredor.
Antes não fumava. Agora, ficava lá fora por meia hora com cigarro.
Ao ver minha tela com a passagem para Londária, riu de leve:
— Vai viajar?
— Vou. — Respondi, tranquila.
Ele não insistiu. Sentou no sofá e ficou lendo mensagens.
Pegou o chá que faz bem à vista que eu preparava toda noite, deu um gole e perguntou:
— Quando aprendeu a fazer chá?
— Semana passada. — Respondi sem olhar pra ele.
Mas eu fazia aquele chá havia quatro anos.
Acendeu outro cigarro, soltando a fumaça no ar.
Arrastei a cadeira um pouco pro lado — com as queimaduras recentes, o estalo do fogo ainda me dava medo.
Ele ouviu o barulho, lançou um olhar na minha direção:
— Já perguntei. Sua queimadura não é grave. Amanhã não precisa que eu te leve pro trabalho, né?
Antes, eu teria feito escândalo, discutido com ele até cansar.
Dessa vez, só continuei mexendo o mouse, sem emoção:
— Não. Não precisa se incomodar.
O médico disse que a ferida na perna podia ser tratada com enxerto.
Mas que eu não poderia mais fazer fertilização artificial.
Olhei para a minha barriga, cheia de marcas deixadas pelas injeções de hormônio.
Cicatrizes irregulares, uma ao lado da outra.
Eduardo nunca quis se deitar comigo.
Mas sua mãe Dona Maria me pressionava pra dar um neto a ela.
Foram tantas injeções, tantas tentativas... e mesmo assim, nada.
Eduardo percebeu que eu estava com a cabeça baixa, franziu a testa, e deu um passo na minha direção.
Mas o celular tocou.
Do outro lado, a voz doce e arrastada de Luísa Moreira:
— Edu, vem aqui. Hoje é meu aniversário.
Ele sorriu de leve, virou-se e fechou a porta atrás de si:
— Hoje eu não volto.
Na manhã seguinte, acordei com o toque insistente do telefone.
Era Eduardo, com aquele tom de quem não aceitava resposta:
— Dez minutos. Desce. Vou te levar pro trabalho.
Apressei o passo, apoiei-me na muleta e cheguei até o carro.
Quando abri a porta do passageiro, fui recebida pelo sorriso açucarado de Luísa:
— Porta errada.
— Tá. — Dei um passo pra trás e entrei no banco de trás.
Eduardo dirigia, cruzando avenidas e ruelas até parar, depois de um bom tempo, diante de uma barraquinha de rua.
Com ar de quem esperava aplausos, se virou para Luísa e disse:
— Luisinha, cheguei naquele carrinho de cachorro-quente que você ama.
Sorri com amargura.
Então era por causa do gosto dela. Me levar junto foi só um acaso.
Eles demoraram.
Dentro do carro, o aquecedor deixava o inverno suportável.
Mas, com o tempo, o ar rarefeito fazia o sol do fim de tarde parecer cada vez mais distante. Comecei a perder os sentidos.
Até que, enfim, a porta foi aberta e um vento cortante invadiu o carro. Respirei com força, ofegante.
Logo à minha frente, Eduardo nem tinha se ajeitado no banco e Luísa já levantava o cachorro-quente com empolgação:
— Meu favorito! Vai, Edu, experimenta!
Enquanto falava, balançava os seios com evidente orgulho.
Eduardo deu uma mordida. O molho escorreu pelos dedos e ele riu:
— Bem suculento.
Quando o carro desceu até o terceiro subsolo do estacionamento, eles passaram o crachá e entraram no elevador.
Eduardo, sem sequer me olhar, soltou:
— Melhor você não subir com a gente. Já basta o que o pessoal comenta lá dentro.
A porta se fechou na minha cara.
Meu crachá só tinha acesso até o 99º andar. Mas minha mesa de trabalho ficava no 100º — logo ao lado do escritório dele.
Já tinha implorado, insistido, pedido com jeitinho que me liberasse o acesso.
E ele só respondeu, seco:
— O centésimo andar não é acessível a pessoas de fora.
Mas bastou a musa dele voltar do exterior e, sem pensar duas vezes, Eduardo a trouxe pra perto.
Deu a ela um lugar fixo. Bem ao lado do dele.