Uma semana se passou e eu ainda estava pensando.
Todos os dias, eu olhava para o cartão com o nome de Ronaldo Valvani. Passava os dedos sobre as letras em relevo, me perguntando se deveria mesmo confiar nele. Era tudo tão rápido… tão inesperado. – Margarida, você passou a semana inteira dentro dessa casa. Precisa sair, respirar um ar puro. Vamos. – Anna apareceu na porta do quarto, firme. – Não posso. Estou tentando encontrar algum advogado para pegar minha causa. Mas, quando descobrem contra quem é... desistem. – suspirei, frustrada, afundando ainda mais no colchão. – Mais um motivo para sair. Você precisa de clareza, de força. Não vai encontrar isso se continuar trancada aqui. Vamos, não aceito “não” como resposta. A encarei. Quando Anna tomava uma decisão, não havia como fazê-la recuar. Ela sempre foi a minha amiga teimosa, e agora, talvez, eu precisasse disso. Assenti, me rendendo. Fui até o quarto, peguei minha bolsa e saímos. Com o dinheiro que consegui transferir antes de João descobrir, comprei apenas o básico: algumas roupas simples, um novo celular, um lugar discreto para guardar meus documentos. Eu não sabia por quanto tempo essa fase ia durar, então estava sendo cuidadosa. Anna me levou ao centro da cidade. Paramos em frente ao parque onde meus pais costumavam me levar quando eu era pequena. A vista me apertou o peito. Os caminhos floridos, os bancos pintados de branco, o som das crianças brincando à distância… tudo ainda estava ali, como se o tempo não tivesse passado. Nos sentamos em um banco sob a sombra de uma árvore alta. Fiquei em silêncio por um tempo, só ouvindo o som dos galhos se movendo com o vento. – A situação está difícil, eu sei, querida – Anna disse, com aquele olhar suave que sempre parecia saber exatamente o que eu estava sentindo. – Mas logo vai mudar. Assenti, ainda observando o parque. – Eu só queria... justiça, sabe? Por tudo. Pelo meu filho. Pelos meus pais. Por mim. – minha voz saiu baixa, como se temesse ser ouvida pelo passado. Anna pegou minha mão e apertou com carinho. – E você vai ter. Mas não pode ter medo de aceitar ajuda. Às vezes, ela vem de onde menos esperamos. Seu olhar foi direto ao bolso da minha bolsa, onde o cartão de Ronaldo estava guardado. Quase como se ela soubesse que ele ainda estava ali. – Talvez já esteja na hora de você ligar para ele. – completou. Permaneci em silêncio, mas sabia que ela tinha razão. Só ainda não sabia se estava pronta para dar esse passo. Porque, por mais que ele dissesse estar ali para ajudar… uma parte de mim ainda tinha medo. Não só de confiar. Mas de me permitir recomeçar. Anna precisou voltar mais cedo para casa após receber um chamado urgente do trabalho. Preferi continuar andando, aproveitando o clima agradável. O verde ao meu redor, o céu límpido, o canto dos pássaros... o dia estava perfeito para uma caminhada. Eu estava tão imersa em meus próprios pensamentos que não percebi quando uma garotinha correu em minha direção e se jogou nos meus braços. – Opa! – sorri, surpresa. – Está tudo... Emma? – perguntei, espantada. – Oi, Margarida – respondeu ela, sorrindo como se fosse a coisa mais natural do mundo. – Você está bonita hoje. Sorri, tocada pelo carinho, e a puxei com delicadeza para sentar-se ao meu lado no banco. – Você também está linda, minha querida. Mas como soube que era eu? – Eu estava passeando ali – apontou para uma das trilhas do parque – e vi você. O papai foi comprar algodão doce pra mim. Por que você está sozinha? – Só quis dar uma volta – expliquei, com um sorriso. – E você? Não é perigoso se afastar do seu pai? – Nãooo – disse, rindo. – Ele já está vindo. – Deu de ombros, como se nada fosse. – Se você aceitasse morar com a gente, aí você não estaria sozinha, Margarida. Sabia? Fiquei olhando para ela, tocada. Aquela pequena menina dizendo aquelas palavras fez meu coração palpitar de um jeito estranho. Quase doloroso. – O papai é muito bonzinho, Margarida – continuou, sem qualquer filtro. – Você ia amar viver na nossa casa. Ao longe, vi Ronaldo olhando para os lados, claramente preocupado. Quando levantei os braços e acenei, ele pareceu relaxar ao ver a filha sentada ao meu lado. Veio em nossa direção com passos rápidos, entregou o algodão doce para Emma e a repreendeu gentilmente por tê-lo deixado tão preocupado. – Desculpe, Margarida. Às vezes ela ultrapassa os limites. – Não tem problema. Emma é uma ótima companhia – afirmei, sorrindo. Só percebi o que tinha dito depois. Era verdade. O silêncio que se instalou entre mim e Ronaldo, enquanto ela comia o doce cor-de-rosa, não foi incômodo. Pelo contrário. Foi reconfortante. Parecia certo. Mesmo que ainda fôssemos quase estranhos. Ronaldo olhou as horas no relógio e avisou que precisava ir. Emma me abraçou com tanta força que por um segundo achei que ela soubesse tudo o que estava acontecendo comigo. Porque aquele abraço foi mais do que um simples carinho – foi acolhimento. Observei os dois partindo. Ronaldo a colocou sobre os ombros, e ela riu alto, balançando os pezinhos com alegria. Uma avalanche de sentimentos me invadiu. Continuei ali, sentada, observando o céu que lentamente escurecia. E, então, levantei a cabeça. Minha decisão estava tomada. Eu ainda tenho forças. Ainda posso lutar. E, por isso, ainda posso arriscar alguma coisa. Retirei o cartão da bolsa. Com os dedos trêmulos, disquei o número de Ronaldo. – Alô? – Oi, sou eu... é... – Margarida – a voz grave do outro lado me fez arrepiar. – Isso... Você tem um tempo para conversar? – perguntei, tentando soar firme. – Onde você está? – Ainda no parque, mas já ia para casa. Está escurecendo e... – Fique onde está. Estou indo te buscar – afirmou, antes de desligar. Fiquei ali, com o celular ainda na mão, ouvindo o silêncio que se seguiu ao bip da ligação encerrada. Meu coração batia forte. Eu havia tomado uma decisão – e agora precisava sustentá-la até o fim. Ele chegou pouco tempo depois, como se tivesse largado tudo. Estava vestido como se viesse direto do trabalho. Sério, determinado. Sentou-se ao meu lado no banco, e esperou em silêncio. Sem pressa. Dando espaço para que eu falasse primeiro. – Oi... Eu... Bem, eu andei pensando na sua proposta e... eu aceito – declarei, sem rodeios. Ronaldo me olhou nos olhos com uma intensidade que fez minha respiração falhar por um instante. – Tem certeza? – Tenho. Absoluta – respondi com firmeza. Ele assentiu em silêncio, se levantou e estendeu a mão para mim. Quando segurei a dele, senti um calor estranho, uma vibração que subiu pelo meu braço e fez meu coração acelerar ainda mais. – Então, de hoje em diante, doce Margarida... Seremos eu e você. Contra tudo e todos eles – disse com convicção. – Vamos. Vou levá-la para casa, e no caminho conversamos sobre nosso arranjo. Olhei para nossas mãos ainda unidas. E quando soltei, quase imediatamente senti falta do toque. Afastei os pensamentos, respirei fundo e o segui. Segui para uma nova fase. Um novo começo. Um novo aliado. Dessa vez, muito mais forte e poderoso.