Capítulo 2

Enquanto pego o jaleco no closet faço um coque rápido no cabelo e visto os saltos altos , meu pai sempre disse que uma boa apresentação é tudo, e como hoje é dia de clínica eu provavelmente não vou poder ir para o centro cirúrgico mas coloco um par de tênis na bolsa-só por precaução- coloco a comida de Boo e vou pegar o carro 

A caminho do hospital no rádio toca alguma dessas músicas dos anos oitenta que eu vivia escutando quando estava na adolescência por causa de Mason, meu melhor amigo. Ao olhar no retrovisor interno do carro quando paro em um sinal vermelho vejo a nostalgia refletida em meus olhos, as lembranças de quando ele me levou  para minha primeira festa escondida explodindo diante de meus olhos me roubando da realidade. Tocava Sweet Child O'Mine na rádio Mason e sua voz totalmente desafinada cantava no ritmo da música sem perder uma estrofe enquanto tamborilava os dedos no volante e eu ria ,estava escuro do lado de fora apenas com a luz da lua enquanto passávamos pela estrada de terra indo em direção de uma das montanhas que cercavam a cidade,  ao chegar no topo vejo o fogo da fogueira iluminar troncos deitados no chão e pessoas sentadas cantando bebendo,  fumando. Essa foi a primeira vez que fumei maconha com dezesseis anos e também foi meu primeiro beijo. Com Mason.

A buzina do carro atrás do meu me tira das lembranças dolorosas do passado e arranco com o carro, dói saber que já fomos tão felizes juntos , que foi ele quem  me ensinou como era ser feliz. 

Ao chegar no hospital pego a bolsa no banco do passageiro e entro indo direto pro vestiário pondo o jaleco, guardo a bolsa e espero os demais chegarem já que cheguei um pouco adiantada -quarenta minutos nada demais- enquanto espero pego o Tablet na recepção e vou olhando o prontuário dos pacientes que vamos passar a visita hoje -passar no quarto e explicar o diagnóstico para os familiares e os procedimentos sugeridos- ao chegar no vestiário novamente vejo o nome ; 

Benjamin John's Franklin e sorrio largamente: Meu paciente favorito 

Vejo os outros residentes chegando e com eles minha alegria vai diminuindo, eu não sou exatamente sociável,mantenho meu círculo de amigos o menor possível- e só os tenho por insistência deles- talvez eu tenha ficado um pouco anti social, reclusa, depreciativa depois do acidente, minha psicóloga a que eu não visito a dois anos me disse que eu sofro de Autofobia que é medo de abandono , e que invés de eu me apegar as pessoas que tenho- o que geralmente quem sofre disso faz- eu os afasto por medo de me apegar e perdê-los depois 

Uma puta baboseira de merda

Só por que meus pais foram relapsos a minha criação no colégio interno de freiras? Por que não tinha amigos por que era uma criança gordinha?- a puberdade fez um verdadeiro milagre comigo- por que meu primeiro namorado  morreu em um acidente de carro e eu uma estudante de medicina não consegui o salvar? 

Não sei de onde ela tirou isso. 

Eu apenas sou seletiva com as pessoas. 

Olha meus pacientes, eu gosto de todos eles por exemplo.

— Hey Rose viu quem está na visita hoje ? — Lissa minha melhor amiga que faz residência aqui aparece ao meu lado tocando meu ombro 

— Idiota 1 ou Idiota chefe? — idiota 1 seria Fletcher e o idiota chefe é o maior babaca de  todos Jesse Fletcher é o bambi em comparação com o Dr Alto 

— Segunda opção, John vai liderar hoje — Ela solta um gemido frustrado, eu entendo sua dor 

— Será que ele poliu  a careca hoje? Eu vi semana passada e estava mais brilhante que o chão do Palácio de Kensington aposto que ele passa lustra móveis ou algo do tipo — Seus olhos se arregalam e ela prende a respiração ficando muda de repente olhando sobre meus ombros 

Fecho os olhos e mordo o lábio sussurrando;

— Ele está bem atrás de mim, não está?

Ela apenas da um aceno curto com a cabeça e sai fugindo igual o diabo foge da cruz.

Traidora , se for pra se ferrar que se ferre junto. Não? Tá certo eu também teria fugido 

— Xampu Rejuvenescedor 3D DNA da Maçã, Phytoervas — A voz de John Alto o médico chefe soa atrás de mim eu fecho os olhos e me viro em dúvida se pergunto do que ele está falando ou não, então decido que fingir que não fiz nada é a melhor solução e fico em silêncio com cara de paisagem 

— Achei que queria ser médica Sinclair  e não cabeleireira — Uma coloração avermelhada floresce em seu pescoço subindo tingindo o rosto e cobre até a careca. Ele tá puto 

— Nem cabelo você tem então não faz muita diferença já que não poderia te ajudar a lustrar  — Eu falo sem pensar 

Algumas pessoas riem e então percebo a grande merda que acabei de falar. Eu estou mais fodida que a Mia Khalifa. A coloração vermelha do rosto de John fica em um tom de vermelho Scarlet  e arregalo os olhos preocupada que todo o sangue do homem tenha ido pra cabeça. 

Jesus

Eu até pensei em dizer algo mas decidi ficar quieta esperando ele não morrer de hemorragia cerebral. Ele respira fundo uma vez. Duas. Três e me olha sorrindo calmamente e murmura algo 

— O que ? — pergunto incerta , vai que foi a ordem, se eu ficar quieta vai ser pior ele me olha com um olhar mortal 

 — Você fica no toque hoje

Os outros me olham e tentam segurar a risada.  Bando de salafrários se livram do exame retal e enquanto eu estiver lá cutucando os caras eles vão estar fazendo cirurgias.  Suspiro mas continuo em silêncio sabendo que se abrir a boca vou piorar tudo e enfim todos saem para ir para os quartos do paciente esquecendo a grande bola fora que eu dei.

Após esquecido o pequeno incidente sobre comentários alheios -tenho que aprender a falar da careca dele mais baixo- passamos pelos quartos dos pacientes explicando para seus familiares tudo e tirando as dúvidas, e conforme vamos passando o grupo vai diminuindo já que cada residente fica responsável por um paciente pra marcar os procedimentos e tudo mais. Quando chegamos no quarto do Benjamin, John apenas explica o caso dele para os alunos já que não tem familiares com ele e pergunta o que pode ser feito para o ajudar. Ouço as propostas revirando os olhos com um aperto no peito.

— Nada — O paciente fala com a carranca de sempre — Eu vou morrer não tem jeito 

— Benjamin — Eu o chamo sorrindo quebrando o silêncio que tinha se formado na sala — Eu cuido dele e depois vou para os exames posso Doutor Alto? — peço com a voz suplicante e ele apenas assente com a cabeça afirmando e sai levando os outros com ele 

— Não deveria falar assim — Eu repreendo e pego o estetoscópio começando a fazer os exames nele 

— É a verdade — ele murmura e em seguida xinga a TV reclamando que o controle não está mudando os canais 

— Ainda podemos ter esperanças nunca se sabe o que vai acontecer — Digo camuflando minha própria frustração 

A verdade é que no caso dele só um milagre o salvaria , sua doença é grave e não sabemos como ele ainda está vivo, ele apenas está aqui esperando seu tempo acabar, como foi com sua esposa. Um milionário fazendeiro, escolheu morrer no mesmo hospital em que sua esposa venceu o câncer, apenas para morrer em um acidente de carro causada por um motorista bêbado. 

A vida é uma vadia 

Eu atendi a mulher dele a dois anos quando chegou do acidente de carro, e um ano depois eu quem o diagnostiquei com cardiopatia isquêmica lembro até hoje quando ele me perguntou o que era 

— Sou um fazendeira menina me explica de um jeito fácil — ordenou com a carranca habitual 

—É como o motor de um carro, quando o tubo que leva a gasolina ao motor está muito “sujo” por dentro. — Paro para ver se ele está entendendo ele acena com a cabeça então continuo  — O motor do carro necessita de gasolina para trabalhar. A gasolina está no depósito e é transportada ao motor por um tubo que por vezes com a idade fica “sujo”; não fica completamente entupido mas a quantidade de gasolina que debita ao motor não chega para as necessidades. -Paro de novo o deixando absorver tudo 

— Assim, enquanto o motor esta em repouso, não está em esforço, o motor trabalha bem. No entanto, quando se acelera ou quando se faz esforço, ele começa a dar problema e depois quebra. O seu coração está cansado senhor  John's.

Ele apenas deu um aceno com a cabeça murmurando em seguida " Minha Elen sempre disse pra mim comer menos carne"

— Não seja burra menina — A mesma voz sisuda me traz do meu dejavu. Hoje é o dia das lembranças melancólicas?

Coloco a mão no peito fingindo estar ofendida me levanto da cama e vou até a TV trocando o canal quando mais uma vez ele reclama do controle colocando no Master Chefe ele adora programa culinário 

— Todos vamos morrer um dia Ben isso não significa que temos que nos conformar com isso chegando mais cedo do que deveria — Falo com uma sabedoria atípica dou de ombros depositando um beijo em sua bochecha — Volto depois da visita 

Às vezes os filhos de Ben vem o visitar  e nesses dias ele fica mais ranzinza que o normal , seus filhos são urubus atrás de "carne podre" não vêem a hora dele morrer pra ficar com a herança e não fazem questão de esconder isso para a equipe médica sempre perguntando quando ele vai "bater a botas" e no quarto na hora da visita é um show de falsidades a ABC não sabe os atores que tá perdendo.

Bando de hipócritas 

No final do dia meus pés estavam doloridos de ficar tanto tempo em pé mas isso já não incomoda tanto o que incomoda é a sensação do gel nos dedos , mesmo tendo lavado a mão umas cinco vezes posso jurar ainda sentir a textura do gel usado pro exame de toque retal, só de lembrar tenho um leve estremecimento, vinte e um , esse foi o número de homens que vieram fazer o exame. Hoje. Pelo que conheço de John Alto vou continuar de castigo pelo resto da semana e só de pensar me dá um desânimo enorme , eu aceitei ficar com o plantão da noite na vaga esperança de  conseguir uma cirurgia e salvar meu cérebro de um derrame, mas descobri que adivinha quem também está de plantão ? Isso mesmo meu médico favorito John e nesse momento estou fugindo dele, tenho certeza que se ele me achar por aqui vai me fazer cuidar da obstetrícia essa noite e apesar de amar minha profissão eu realmente não sou muito fã de ver bebês saindo de vaginas.

Por isso nesse momento estou com minha bandeja na mão procurando um lugar pra me esconder e poder comer em paz sem correr o risco de ser encontrada pelo Dr Evil- apelido do John- . Passo pelos corredores até que algo me chama atenção e é como um estalo em minha mente me viro olhando para os lados e abro a porta entrando no quarto.

O quarto do desconhecido do acidente de carro

Aposto que ele não vai se importar. Ele não acordou desde que chegou aqui. Seus exames mostram que o corpo está se recuperando e o inchaço do cérebro já diminuiu mas ele não acorda achamos que está com o corpo ainda muito cansado para acordar e enquanto isso ainda não achamos nenhum familiar e ninguém veio o procurar, em mais de quarenta e oito horas.

— Você não vai se importar não é? — Pergunto para o vazio já que sei que não  haverá respostas. Mas. O que vale é tentar. Como não recebo nenhum sinal negativo eu me sento na poltrona de frente para a janela apoio a bandeja com minha lasanha nas pernas dobradas em cima do estofado  e começo a comer.

— Acho que nunca comi com tanta paz nesse hospital — Externo meu pensamento olhando para a paisagem pela janela e suspiro aliviando o estresse.  Aqui é tão quieto e calmo — Já sei onde vou comer até você acordar — O aviso dando uma olhada para seu corpo deitado na cama e  mesmo sabendo que possivelmente ele nem esteja me ouvindo é sempre bom deixar as coisas claras, aqui pelo menos vou poder ter um tempo em silêncio e aposto que não vão me procurar aqui. Meu celular vibra com mensagens e pego vendo que estão me chamando enfio a última garfada de comida e sorrio acho que é a primeira vez nessa semana, se não nesse mês, que consigo terminar de comer sem ser interrompida.

— Até depois — Falo saindo do quarto que agora ele ocupa para poder repousar, andando pelo corredor dou de cara com o terrível Dr Evil. Não tenho sorte mesmo. 

Obstetrícia? Lá vou eu

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