Capítulo 1

Rose 

Uma emergência é anunciada nos altos falantes do North Valey Hospital e abandono o copo de café que acabei de pegar na mesa do refeitório e saio correndo pelos corredores de paredes azul amarrando meu longo cabelo.

Adoro o último mês do ano 

Sou uma das residentes que está de plantão participei de uma cirurgia de dez horas e estou na emergência a doze, já foi atendido dois casos de queimadura de segundo grau por causa de pessoas que queriam fazer um churrasco pro familiares que eles odeiam, mais uma senhora que cortou a mão por que se estressou enquanto cortava os legumes, fora o caso daquele cara que sofreu um enfarto por que os sobrinhos estavam o enlouquecendo por causa dos presentes de Natal. Por isso eu amo essa época do ano, é com o se fosse uma loja de doces, e eu diabética. Neve, festividades, final de ano e visitas familiares. Meio estranho eu sei.

E apesar do cansaço eu adoro estar aqui me empanturrando 

Essa adrenalina que corre nas veias toda vez que corro por esses corredores pronta pra tudo, ou quase tudo. Confiança. Um pré-requisito para se continuar na residência de medicina ou você confia que pode fazer tudo o que puder para salvar alguém ou vai fracassar. E no ramo que eu escolhi o fracasso não é uma opção.

Chego no setor de emergências que agora está mais tranquilo apenas com dois bêbados que estão tomando soro. Vou até as portas de vidro que se abrem automaticamente pegando no caminho luvas 16, espero do lado de fora soltando uma lufada de ar gelado que faz fumaça, o chão está coberto por uma camada branca de gelo criada pela neve e o céu está escuro com as nuvens tampando a luz da lua arrumo as luvas na mão quando olho para o lado vendo mais um residente chegando, Megan, o médico plantonista chega em seguida repassando as informações dadas pelos socorristas da ambulância 

- Homem, acidente de carro, estado grave, perna quebrada, possível traumatismo craniano e hemorragia interna - A voz de Jesse Fletcher o Neurologista soa pelo ambiente.

Eu e minha família não somos muito próximos, minha mãe é advogada uma das melhores da Escócia e meu pai bom ele trabalha com algo que prefiro não saber pela certeza de que não está dentro da lei, apesar de estarmos longe o velhote sempre me liga pra saber como estou ou me visita quando pode, então é normal que eu me sinto mais familiarizada com o hospital do que com a minha própria casa.

Eu também fico um pouco melancólica no último mês do ano

A ambulância chegando o mais rápido possível me tira dos meus devaneios, o paramédico na direção tomando o cuidado pra não perder o controle na pista escorregadia, assim que a ambulância para eu corro para abrir as portas traseiras com as sirenes soando alto em meus ouvidos, a luz vermelha do giroflex iluminando o véu da noite enquanto retiramos o paciente da ambulância 

- No três a gente puxa ele - Jesse fala e começa a contagem mudamos ele pra uma maca e corremos o levando para dentro do hospital 

- Pressão nove por seis, hemorragia interna.... - O paramédico começa a falar os medicamentos que já deram e sobre a parada cardíaca, mas quando o coração do homem deitado na maca para mais uma vez eu meio que paro de ouvir o que estão falando, a adrenalina corre solta em mim me fazendo agir rapidamente. Subo nas grades laterais e começo a reanimação 

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- Por favor, por favor não morra - Sussurro para o homem, sua pele está pálida e isso me preocupa um pouco mais, enquanto entramos no quarto uma das enfermeiras fecha a porta puxando as cortinas das janelas nos protegendo dos olhos curiosos das poucas pessoas na sala de emergência .

Quando enfim estabelecemos seus batimentos com alguns medicamentos e sua pressão sanguínea volta a subir, avaliamos seu caso e os ferimentos mais graves, peço alguns exames. Enquanto as enfermeiras saem do quarto olho melhor pra ele, sua camisa social está aberta onde estourei os botões para poder usar o carrinho de reanimação quando ele sofreu mais uma parada.

Seu peito é firme e musculoso com alguns poucos pelos, seu abdômen é reto e definido E ainda é perfeito apesar da enorme mancha roxa onde ele quebrou duas costelas e uma leve trilha de pelos desce do seu umbigo indo para dentro da calça social preta, seus cabelos são curtos e bem cortados de um castanho escuro da mesma cor dos seus olhos chocolates, aqueles olhos que me surpreenderam quando se abriram mostrando a surpresa por não saber nada do que estava acontecendo na única vez em que recobrou a consciência apenas para a perder logo em seguida.

Eu deveria ter vergonha de estar analisando um cara que nem consegue se manter acordado. No saco com seus pertences pessoais tem apenas um celular destruído e seus sapatos caros, nada que ajuda a identificá-lo 

Eu sinto uma estranha simpatia por esse homem, uma coisa que não consigo explicar. Me encosto na parede e suspiro o olhando, vai ver é por que sempre fico estranha nesse mês. Mas quando aqueles olho chocolates me encararam me pareceu tão... vazios 

Estou ficando louca que ótimo

- Obrigado... Por ficar vivo - Agradeço em voz baixa saindo do consultório para que as enfermeiras o levem para fazer os exames.

Por ter escolhido a profissão que escolhi, é quase automático sentir empatia. Empatia pelos meus pacientes, empatia pelos pais que estão na sala de espera rezando para o filho sair vivo da sala de cirurgia , ou empatia por aquele irmão que pede pra não ser desamparado por causa de um assalto que deu errado.

Esse sempre foi um grande problema pra mim. Empatia pelos meus pacientes e seus familiares , não para os demais. 

Aconteceram mais algumas emergências mas foi bem mais tranquilo. Eu acabei assistindo mais uma cirurgia a do homem do acidente de carro, paramos a hemorragia interna e engessamos a perna quebrada, e descobrimos uma fratura na coluna, a tomografia que pedi mostrou que sofreu uma fratura craniana leve mas está com Pneumoencéfalo - ar no crânio - e vai ter que ficar em observação para que não evolua com fístula liquórica ou meningite. Ele foi transferido para a UCI - unidade de cuidados intermediários - para se recuperar da cirurgia e ficar em observação. O caso mais emocionante que tive nesse plantão o restante foi coisas tão cotidianas que vemos todos os dias 

Enquanto retirava a roupa azul asséptica própria para a sala cirúrgica me preocupo com o velhote, já faz um tempo que ele não dá notícias e como tenho certeza que ele não mexe com coisas totalmente legais, fico preocupada quando ele demora muito para dar notícias. Quando tiro a máscara do rosto seguida pela touca dos cabelos e vou abrir a porta ouço a voz de Jesse me chamando, me viro encarando o homem que deve ser dez centímetros mais alto do que eu, sua pele clara e seus olhos verdes completam a sua postura rígida e voz fria.

- Hoje quando o paciente chegou na ambulância, você pediu pra que ele não morresse?! - Sua voz é como uma lâmina que corta minha confiança em fatias, ele não está perguntando 

Meus ombros caídos e minhas pálpebras quase se fechando denunciam meu cansaço, mas assim que ouço seu tom acusatório como se eu fosse uma criança a ser repreendido arrumo minha postura e o olho de cima - apesar de ele ser mais alto-

- Se você já sabe a resposta, por que nos fazer perder tempo perguntando ?

Ele estreita os olhos para mim e fecha os dentes fazendo o músculo do seu maxilar visível. Que se dane ele, se posso aguentar Eddie meu irmão mais velho super protetor até hoje, posso lidar com isso.

- Olha aqui menina, você é só uma criança sentada na mesa dos adultos vê se não faz merda, você não pode esperar que o paciente sobreviva por vontade própria, é sua função o salvar 

Reviro os olhos 

- Se eu sou uma menina, você é o velho rabugento, Dr Fletcher, e se minha função é salvar vidas a sua é parar de meter o bedelho na minha, não pedi sua opinião, muito menos suas ofensas camufladas de " Lições " - faço aspas com os dedos, abro a porta e antes de sair falo - E quando estávamos transando no sofá da sua casa eu não era tão menininha assim né?

Meu relacionamento com Jesse Fletcher sempre foi complicado desde que eu transei com ele alguns dias antes de descobrir que ele seria meu superior. Chocante eu sei. Mas nunca abaixei a cabeça, ele quer ser um idiota que aguente que aguente a idiotice dos outros também.

Mas apesar disso o cara é um ótimo médico e apesar de seus surtos frequentes com os acadêmicos é um professor decente. E também é um gato.

Passando pelos corredores a caminho do vestiário paro em uma máquina de comida e compro um salgadinho quando lembro que ainda sou responsável pelo desconhecido 

Mais uma tarefa antes de ir pra casa 

Suspiro cansada indo até um dos consultórios mexendo no computador para ver onde ele foi parar 

107 ala D ótimo bem na ala da Taylor 

Apresso o passo terminando de comer o salgadinho afim de ir embora de uma vez quando passo pelas portas de vidro da ala D vou para o corredor dos pacientes da UCI.

Mia Taylor está sentada de frente para o balcão mexendo em seu celular mascando um chiclete , quando paro em sua frente ela faz uma bola com a goma e estoura em seguida.

- Você parece uma vaca mascando assim.

- Vai se ferrar - Ela responde revirando os olhos 

Pego o telefone e coloco na sua frente

- O que você está fazendo? - Mia pergunta passando a mão em seus cabelos loiros me encarando com seus grandes olhos castanhos claros com curiosidade.

- Eu nada, agora você vai me fazer um favor . Tem um paciente que chegou na emergência hoje e ficou internado, não achamos nada para identificar ele ainda e só vou poder pedir pra alguém ligar pra delegacia mais tarde - Digo olhando para o relógio no meu pulso vendo que já passam das cinco da manhã - Se ligarem procurando alguém desaparecido ou que sofreu um acidente de carro vê se não é o paciente do 107?

Ela bufa revirando os olhos mas pega o telefone e liga para a telefonista explicando o caso 

- Valeu Mia, nos vemos depois de amanhã - Falo já me virando pra ir pra casa 

- Você não tem vida fora desse hospital Rose aposto que volta antes de dezesseis horas - Ela responde com um sorriso convencido no rosto 

Assim que entro no carro, encosto a cabeça no banco apenas para descansar um pouco.

Sou acordada por uma ligação e pego atendendo mas vejo que é o despertador, dormi horas no carro , me espreguiço bocejando e ligo o carro guiando até em casa, passo pela estrada de terra batida vendo as árvores do lado de fora , minha casa é um pouco mais afastada da cidade, gosto de estar sozinha, afastada sem todos os olhares de pena que me lançam aqueles que sabem do meu passado. Mesmo depois de tantos anos .

Ao abrir a porta Boo me salda com um Silvo e os pelos arrepiados como se eu fosse um demônio e ele estivesse fazendo um exorcismo dou um pulo com o susto de sua aparição repentina -por isso o nome o gato adora assustar os outros - um dia ele simplesmente apareceu na minha porta e ficou lá dois dias depois invadiu minha casa por uma janela que esqueci aberta pra se abrigar da chuva , e depois disso tomou posse da minha casa, como se eu fosse a intrusa ele vive me assustando aposto que faz isso na esperança de eu ir embora de vez mas quando me lembro que sou eu que o alimento - apenas por desencargo de consciência - penso que ele faz isso por ser uma pequena e fofa reencarnação de Lúcifer e está aqui só pra me atormentar mesmo 

- Oi pra você também bichano - Vou tirando a roupa até o quarto e me jogo na cama fechando os olhos

Um dia de cada vez. Vamos seguindo um dia de cada vez.

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