Sophie me levou até o bar improvisado, onde um barman sorridente servia bebidas com a eficiência de quem estava acostumado a multidões.
— Duas taças de vinho quente, por favor. — pediu ela, e em segundos, o aroma doce e especiado invadiu minhas narinas.
Entregando uma taça a mim, Sophie ergueu a dela no ar, os olhos faiscando de entusiasmo.
— Às novas oportunidades e a sairmos da nossa zona de conforto!
— À manipulação descarada. — sussurrei, mas ergui a minha também, o cristal tilintando contra o dela. Um sorriso quase escapou, e eu o escondi atrás de um gole longo.
O tempo escorreu devagar enquanto Sophie me apresentava a alguns colegas de trabalho. Caras simpáticas, algumas piadas, cumprimentos formais. Tudo normal. Tudo mundano. Mas ainda assim, uma ausência se impunha como uma sombra invisível: o anfitrião da noite. O tal chefe dela.
Depois de resistir por alguns minutos, não contive a curiosidade.
— Sophie, onde está o seu chefe? Achei que ele estaria aqui para receber as pessoas.
Minha voz saiu baixa, carregada de ceticismo.
Sophie soltou uma risada curta e inclinou-se na minha direção, como se dividisse um segredo.
— Ah, ele vai aparecer. Mas gosta de fazer uma entrada dramática. Aquele tipo de homem que precisa que todos olhem para ele.
Revirei os olhos, tentando disfarçar o tédio.
— E como ele é?
Ela girou a taça antes de dar um gole demorado, como se buscasse as palavras certas.
— Ele é um advogado brilhante, não dá para negar. O escritório só chegou onde está por causa da visão estratégica dele. — Pausou, apoiando o copo no balcão. — Mas… ele tem uma reputação.
— Reputação? — arqueei uma sobrancelha, já prevendo o que viria.
— Mulherengo. Cafajeste. Sempre tem uma história nova envolvendo estagiárias.
O sarcasmo escorreu na minha voz antes que eu pudesse evitar:
— Parece encantador.
Sophie riu, sacudindo a cabeça.
— Bem, ninguém é perfeito, não é? — piscou, tentando manter o clima leve. — De qualquer forma, ele pode ser incrivelmente persuasivo. Quem sabe? Talvez você até goste dele.
— Duvido. — balancei a cabeça, voltando minha atenção para a taça.
Ela foi puxada de volta pelos colegas, rindo e conversando como se aquele fosse o lugar mais natural do mundo. Eu, por outro lado, me sentia cada vez mais deslocada.
O meu olhar vagueou pelo salão. Cada detalhe parecia gritar Natal — das luzes piscando como pequenas estrelas artificiais até as músicas que ecoavam de fundo, versões festivas de melodias que eu me recusava a cantar. Era como se a festa inteira tivesse sido planejada para cutucar minhas feridas.
Apertei o cristal nas mãos, o calor do vinho contrastando com o frio que subia pelo peito. Sophie podia ter boas intenções, mas não fazia ideia do quanto aquilo ainda me esmagava.
E antes que alguém percebesse que eu estava prestes a chorar — e transformar minha dor em espetáculo — decidi que precisava de ar.
PONTO DE VISTA DE ETHAN
O escritório no topo do edifício Paragon – Law Group era exatamente como eu gostava: amplo, luxuoso e impecável. Cada detalhe refletia o meu sucesso — e o meu gosto irrepreensível.
Eu estava encostado na minha mesa de mogno quando puxei a estagiária para mais perto, beijando-a com a intensidade que eu sabia provocar arrebatamento. Minhas mãos na cintura dela, firmes, transmitiam segurança. Ela tremia, rendida. Para ela, aquilo era extraordinário. Para mim, apenas mais um jogo.
Quando ela se afastou para recuperar o fôlego, eu dei aquele sorriso de canto que sempre funciona.
— Não vá se apaixonar, querida. Você sabe que eu sou problema.
Ela riu, nervosa, mas já estava entregue.
— Acho que é tarde demais.
Arqueei uma sobrancelha, deixando a malícia brilhar.
— Sempre há tempo para mudar de ideia. Ainda não houve uma mulher nesse mundo que conseguisse me prender… não depois do meu último relacionamento.
Ela não respondeu. Também não importava. Meu olhar caiu sobre o relógio na parede, e um suspiro escapou dos meus lábios. Atrasado.
Ajustei o cinto preto que segurava o casaco vermelho da fantasia. O traje era impecável — sob medida, claro. Os detalhes em pele falsa pareciam reais, e as botas brilhavam sob a luz. Um Papai Noel perigoso, mas convincente.
— Droga. Estou atrasado para o grande momento.
— A festa? — ela perguntou, ajeitando o cabelo com as mãos trêmulas.
— Claro. Sou o anfitrião, afinal. — pisquei para ela, com meu melhor sorriso ensaiado. — O mestre de cerimônias. Não posso deixar os candidatos ao cargo de CEO esperando. Eles já estão nervosos o bastante.
O desapontamento brilhou em seus olhos. Vi, mas ignorei. Expectativas de compromisso nunca fizeram parte do meu roteiro.
Enquanto atravessava o corredor em direção ao elevador, meus pensamentos se alinhavam com a mesma precisão da minha postura.
Casamento? Compromisso? Que piada. O matrimônio sempre me pareceu uma gaiola dourada, uma armadilha para os tolos. Eu já fui um deles, uma vez. Mas aprendi rápido. Desde então, cultivo minha independência como o bem mais precioso. Conquistar sem me prender. Desfrutar sem me iludir.
— As pessoas adoram chamar homens como eu de cafajestes — murmurei para mim mesmo, ajeitando o gorro. — Mas quem está errado de verdade? Eu, ou elas, que confundem diversão com promessas de eternidade?
O elevador se abriu com um som metálico suave. Entrei, observando meu reflexo perfeito nas portas de aço polido.
— Sou bom no que faço. Dentro e fora do tribunal. — sorri para mim mesmo, satisfeito.
Enquanto o elevador descia, já ensaiava mentalmente minha entrada triunfal. O público estava à minha espera. E ninguém sabe ser o centro das atenções como eu.
As portas se abriram. A música natalina da festa preencheu o ar.
Mas então eu ouvi.
Um som baixo. Irregular.
Choros.
Franzi a testa e segui o som, deixando a música para trás. O corredor estava silencioso, até que encontrei a origem. Uma das sacadas externas do prédio.
E foi ali que tudo mudou.