“Mãe… Mãe, por favor! Acorda, mãe!”
Clarice abriu os olhos, apoiando a mão no peito, ofegante. O quarto ainda estava escuro, uma leve luz entrava pelas cortinas, a luz prateada da lua cheia. A madrugada ia alta e ela deveria estar descansando para pegar seu voo para Pinewood cedo no dia seguinte, mas fazia muito tempo que não conseguia dormir bem. Ela se levantou, os pés descalços tocando o chão frio. Suas cisas já estavam encaixotadas, não pretendia levar muito para sua nova “antiga” casa, apenas o essencial. A única coisa que ainda estava fora das poucas caixas era o porta-retrato que estava repousando ao lado do seu travesseiro. Uma foto da sua mãe, Elaina. As memórias do acidente que havia acontecido há somente um mês a assombravam todos os dias, e a culpa também. As últimas palavras de sua mãe para ela ainda estavam martelando em sua cabeça, ela jamais esqueceria e jamais deixaria de se culpar, afinal, Clarice quem estava na direção, ela quem perdeu o controle do carro. Clarice engoliu dois comprimidos, sem água mesmo, e voltou para a cama, abraçando o porta-retrato e fechando os olhos, imaginando sua mãe ali, os braços dela ao seu redor. Só depois de quase duas horas, ela adormeceu.***
O voo até Lakecity foi mais demorado do que ela imaginou que seria, e ela ainda
precisaria pegar um ônibus já que Pinewood não tinha aeroporto. No caminho, Clarice descobriu que o nome do senhor era Jorge, e soube ainda que ele conhecia sua mãe desde que ela era uma pré-adolescente. Jorge ficou sentido pela notícia do falecimento de Elaina e afirmou que ele e sua esposa estariam disponíveis para ajudá-la na adaptação, já que a casa onde Clarice ficaria era bem afastada da zona principal da cidade.— Aqui é bem deserto, mas também é bem tranquilo, eu e minha esposa moramos há alguns quilômetros daqui, acho que umas meia hora — Jorge falou, abrindo a porta e descendo do carro, seguindo para a porta do fundo e abrindo-a, pegando a mala da moca. — O sinal de celular não é tão bom, mas você pode ligar que a gente atende, se aconhecer alguma coisa a Dorinha e eu vamos vir bem rápido, tá bom?
— Não se preocupe comigo, tá tudo bem! — ela garantiu, segurando a mala pesada e olhando para a casa da sua infância. — Estou acostumada com essa casinha.
— Claro, claro… Só quero que você saiba mesmo, sua mãe era uma boa amiga minha, então… Vou te ajudar em tudo o que eu puder!
— Obrigada, Jorge — a ruiva agradeceu, com um sorriso de orelha a orelha.
Gostava da gentileza de Pinewood, era sua coisa favorita na cidade.
Depois disso, o senhor entrou em seu carro e seguiu a estrada, sumindo de vista, então, finalmente, Clarice pode caminhar até a casa.
Uma pequena cerca com um portãozinho, tudo de madeira, dividia o terreno. A cerca, outrora branca, estava desbotada e com certeza ela iria dar uma boa pintura nela. A casa ficava na parte inicial de um grande terreno que fazia divisa com a densa floresta que cercava os dois lados da estrada, então, assim que passou pelo portão, Clarice se viu numa pequena campina de grama alta e, aos fundos, a floresta imponente que a cercava.
Ela tirou a chave do bolso e a colocou na fechadura, abrindo a porta com um pouco de esforço, parecia um pouco emperrada depois de tanto tempo fechada, então entrou, deixando a mala de lado e suspirando.
Os móveis ainda estavam como elas haviam deixado há mais de dez anos, cobertos por panos brancos, tinha muita poeira e, definitivamente, precisava de uma faxina.
Mas estava em casa novamente e, principalmente, mais perto de sua mãe do que nunca agora.
Tinha um lar, e esperava que sua vida começasse a melhorar a partir dali.