O vento soprava entre os bambuzais, murmurando mantras aos aguçados ouvidos de Mei-Lian.Desde criança, ela escutava as histórias dos antigos mestres taoístas — os andarilhos da harmonia, aqueles que enxergavam além do véu da realidade e compreendiam o equilíbrio entre todas as coisas.Seus dias eram banhados pelo sol dourado da manhã, e suas noites pelo brilho prateado das estrelas, enquanto praticava os sutis movimentos da espada, do leque e da respiração.Seus mestres lhe diziam que a vida não era uma estrada reta, mas um rio sinuoso, onde a resistência levava à dor, e a aceitação, à paz.E Mei-Lian acreditava nisso.Até que o destino decidiu testá-la. Primeira Paixão: A Dança do LequeO leque era sua primeira paixão. E não apenas como arma.Ela via poesia no dobrar da seda, na suavidade de um gesto que confundia, encantava e, num piscar de olhos, poderia matar.Os monges diziam que era vaidade.Mas Mei-Lian não via problema em ser bela e perigosa ao mesmo tempo.Em noites de festi
Da escuridão em volta, gargalhadas ecoavam — risadas cortantes e maliciosas que pareciam vir de todos os lados e de lugar algum. Vozes que sussurravam segredos profanos e promessas obscuras, conforme clones sombrios de Naaldlooyee emergiam aqui e ali. As sombrias mãos, frias como a morte, moviam-se com ritualístico rigor, esculpindo marcas arcanas em seu corpo, cada símbolo gravado uma mistura de dor e êxtase, como se a própria essência da sombria magia estivesse sendo urdida em sua carne.A jovem contraiu os lábios rachados.Ela precisava sair dali.O pensamento martelava em seu crânio como um tambor de guerra. Mas cada tentativa deixava apenas sangue sob suas unhas e desespero em seu peito. Seus olhos pesavam como lápides, as pálpebras tremendo contra a vontade de ferro que as mantinha abertas.— Durma — sussurravam as sombras em vozes de seda e navalha. — Apenas feche os olhos...Não.NÃO.Se cedesse agora, seria o fim. As trevas a devorariam por inteira, penetrariam até onde nem m
A colina erguia-se solene, suas árvores dobrando-se ao peso do vento noturno. O céu estava nublado, ocultando as estrelas, como se o próprio firmamento temesse testemunhar o que estava por vir.Nagato estava assentado sobre uma raiz exposta, a postura reta, os olhos semicerrados em contemplação.Ele ouvia a floresta.Sentia o pulsar da terra sob seus pés, a respiração das folhas, o ciclo eterno da vida que ecoava entre os troncos centenários.Mas algo quebrava o equilíbrio.Algo que rompera sua imagem espelhada diante de Saci Tumbleweed, Hei e Kaena.Um murmúrio baixo, inquietante, rastejando como ocultas serpentes entre as árvores.A sombra de um pensamento.Nagato abriu os olhos.E então ele sentiu.Naaldlooyee. Ali.Não em carne e osso.Mas na escuridão.Ele não precisou olhar para saber.A presença do Lorde das Sombras era como um peso esmagador, uma névoa invisível que absorvia o próprio calor da noite.Nagato respirou fundo, mantendo-se impassível.— Veio em busca de respostas,
“Há noites que não dormem — elas apenas olham de volta.”— Ditado entre as cortesãs da Cidade-Ilha de MirlêaA fumaça de kahve dançava em delicadas espirais, como véus de uma antiga deusa, perfumando o pequeno aposento com notas de cardamomo e carvão. A mesa era de madeira gasta, o chão, frio como os olhos dos senhores que vinham e partiam com moedas entre os dedos e segredos nos bolsos.Lunara, de olhos cor de mel e expressão distante, segurava a pequena xícara como se ela pudesse aquecer algo além das mãos.— Três sumiram esta semana. — disse sua amiga, Selin, enquanto soprava o vapor da própria xícara. — Três. Como se fossem penas levadas pelo vento.— Não foi o vento que as levou. — Lunara respondeu, com voz seca como as terras do leste. — Foi algo mais escuro… algo com fome.Lunara nem sempre fora uma cortesã.Houve um tempo em que o mundo era feito de folhas caindo no outono, das histórias do pai — um poeta caçador — e da mãe, que tecia encantamentos com ervas e palavras doces.
“Nem todas as árvores têm raízes no chão — algumas fincam-se nas lembranças.”— Ceiba, guardiã das árvores sagradas e mãe da florestaEntre o sussuro das folhas, a lua deslizava pelo céu como um olho atencioso e antigo, lançando sua pálida prata sobre as copas cerradas da floresta. Sob seu véu translúcido, Ceiba caminhava, os pés descalços tocando a terra com a leveza de uma oração.Cada passo fazia-se prece. Cada folha sob seu calcanhar era memória.Ela não patrulhava. Ela comungava.Cercada pelos espíritos da floresta, que a seguiam em silêncio — pequenas entidades de luz e sombra, raízes ambulantes, sussurros encarnados em formas animais — Ceiba mantinha o olhar sereno ao horizonte noturno.Ela não temia o escuro. Temia o que se esconde quando até o escuro teme aparecer.A floresta sabia. As árvores não esquecem. E Ceiba também não.Ela ainda se lembrava do tempo antes do Eclipse. Antes do mundo curvar-se ao nome de Naaldlooyee. Antes das aldeias se calarem. Antes de as meni
“Há mares tão profundos que até os sussurros se afogam.”— Provérbio portuário do Arquipélago de MeridaA noite pesava sobre o porto de Cálmaran como um cobertor encharcado. Lá fora, o mar lamuria suas mágoas nas pedras do cais, e dentro da estalagem Fenda do Tainha, o cheiro de sal, suor e peixe velho misturava-se com algo mais íntimo: o aroma inconfundível do caldo de kenga, fervido devagar em panela de barro, como manda a tradição.Sentado à mesa de canto, Brenek, o marujo de barba entrelaçada e olhos como brasas do Norte, levava à boca uma colher do caldo espesso. Estava quente, picante e denso com lembranças — feito de restos do dia e temperos que só uma amante experiente saberia usar.A seu lado, Maru — a mulher de risada rouca e pele de âmbar tostado — o observava com meio sorriso. Ela vestia apenas uma camisa larga de linho desbotado sobre a fina calcinha de seda translúcida, os cabelos castanhos soltos como maré cheia.— É só comida, amor... Não é veneno. — disse ela, arquean
A lua pendia como um olho pálido no céu, sua luz doente filtrada por nuvens que se contorciam como vermes sob uma pedra. O vento soprava o odor metálico de sangue seco misturado ao aroma acre de madeira carbonizada — o cartão de visita da guerra.A brisa sussurrou entre as árvores.Cheiro de ferro e suor invadiu as narinas da jovem quando Kaoru deslizou pelas sombras como uma brisa noturna, seu esguio corpo se movendo com destreza felina. O acampamento ainda estava em estado de alerta após o caos causado pelo misterioso Saci, mas a tensão era diferente agora — e não por causa do entulho de soldados se preparando para a guerra do dia seguinte ou outro dia qualquer. Algo mais frio, mais denso, pairava no ar. Seus olhos de gata selvagem captaram um grupo de homens parados em frente ao barracão de pedra — ao leste do acampamento. Não apenas os homens de Donaldo. Entre os brutamontes, destacavam-se figuras vestindo mantos escuros e túnicas ritualísticas. Agentes de Naaldlooyee.O arre
"Aqueles que observam demais pelas janelas do poder… costumam acabar puxados para dentro."— Velho provérbio da Guilda da NévoaNo alto da encosta de pedra nua, onde o vento uivava como um velho cão faminto, Boreal, o Gatuno Arcano, observava a madrugada com olhos que pareciam ter esquecido como era dormir.Sentado diante de sua esfera de cristal — um artefato antigo de lapidação tão delicada que dizia-se ter sido moldada com o último sopro de um negro dragão — ele fitava o vulto translúcido que nela se formava.Donaldo.O ambicioso. O destemido. O amaldiçoado.— Ainda aí, monstro... — sussurrou Boreal, num fio de voz.Dentro da esfera, imagens pulsavam como lembranças vívidas. O calor de corpos enleados. Vestes caindo em lentas espirais. Risos abafados. A pele cintilando sob velas dançantes. Concubinas rindo baixinho, cada uma um pecado diferente — cabelos como rios de ouro, olhos de avelã, pele como mel de ocaso.Donaldo, nu em sua glória corrompida, sorria como um rei entronado no