Conforme a curandeira aplicava o cataplasma de amargas ervas em seus ferimentos, Bat fechou os olhos — e foi arrastado de volta àquela momento. A tenda de Donaldo. O ar pesado com o cheiro de incenso e sexo e suor. As concubinas nuas, seus corpos dourados pela luz das lamparinas, inconscientes do assassino que se movia entre as sombras como um peixe em águas escuras. Bat atravessara as pregas do tecido como se fossem névoa, sua lâmina faminta pelo coração do explorador das sombras. O golpe foi perfeito — silencioso e preciso e mortal. Mas atingiu apenas a vaziez. O cobertor esfarrapado cedeu sem resistência. Bat recuou, seus sentidos em máximo alerta. "Como? Como?..." — Acha que pode me matar em meu próprio território? A voz... veio de todos os lados e de lugar nenhum. Nisso, uma faca cortou o ar. Bat desviou por um triz, mas não o suficiente — a lâmina lhe abriu a bochecha como um perverso beijo. Sangue quente escorreu por seu queixo. Ele contra-atacou, emergindo das sombras
Tupã atacou – um soco direto que cortou o ar com um assobio metálico. Seu adversário evaporou como fumaça, posicionando-se atrás dele num piscar de olhos. O chute baixo que devolveu atingiu Tupã como um chicote de sombra, enviando-o de encontro ao chão próximo ao altar.O impacto ecoou em seus tornozelos biomecânicos, um latejar elétrico percorrendo suas pernas. Mas ele já estava se movendo antes mesmo de parar de rolar, evitando lâminas de trevas – sua mão esquerda cravou-se no solo negro, impulsionando seu corpo num movimento fluido conforme sua perna varria o espaço onde o inimigo deveria estar.O anarok saltou, mas por uma fração de segundo seu equilíbrio vacilou no ar – tempo suficiente.Duas lâminas – banhadas em água sagrada – zuniram da manga de Tupã, cruzando o espaço entre eles como prateados relâmpagos.O inimigo dissolveu-se novamente.As lâminas cravaram-se no flanco esquerdo do altar negro – e então, o vale uivou.Sombras contorceram-se como animais feridos, gemidos gutu
Tupã avançava mais uma vez em direção ao altar — agora rachando, pulsando com energia negra como um coração prestes a explodir —quando a voz de Naaldlooyee cortou o ar antes mesmo de sua figura se materializar das trevas: — Ora, ora, veja só quem resolveu fazer outra entrada dramática. O Lorde das Sombras Abissais surgiu como uma mancha de óleo na realidade, seu capuz negro ocultando tudo, exceto um sorriso que parecia rasgar o próprio tecido do mundo. — Deixei alguns sentinelas de prontidão para lhe dar as boas-vindas... mas, quanto ao motivo de sua volta... alguém já deve ter lhe contado, não? — Sua voz era melíflua, venenosa. — Sua amada Yara já não está aqui. Não como você a conhecia. As Trevas a devoraram... viva. Um gesto desdenhoso, e um portal de sombras se abriu no ar, revelando o altar no mundo inverso — vazio, abandonado, como um casulo após a borboleta ter partido. Antes que Tupã pudesse reagir, Naaldlooyee fechou o portal com um estalar de dedos e apontou para a
"Quando o medo se torna hábito, o silêncio vira lar." — Juramento dos Filhos do Eclipse Bat saltava. Como um espectro entre galhos trêmulos, o Máscara de Morcego cruzava os céus da floresta com antinatural fluidez. O vento rasgava sua capa curta com assobios baixos, e as árvores, cúmplices do seu avanço, curvavam-se levemente à sua passagem. Ele não fazia som. Não quebrava folhas secas. Não deixava pegadas. Era como se o mundo em volta simplesmente recusasse reconhecê-lo. Acima dele, a lua era uma foice branca, espreitando entre nuvens densas como véus de uma viúva triste. A escuridão era sua aliada. Sua casa. Seu espelho. A notícia da falha da assassina dourada chegara até ele como um sussurro no ouvido de um morto. E agora, ele caçava o erro. Conforme saltava de um galho para outro, Bat recordava a voz grave de Arikhan, o Espectro do Eclipse. "Se ela falhou… é porque o inimigo não é mais humano." Donaldo. O explorador. O predador renascido. O receptáculo das trevas.
Tupã tentou forçar seu corpo a se erguer, mas seu sistema travou — um erro catastrófico percorrendo seus circuitos como um vírus. Por trás dele, o riso do anarok ecoou, agudo e cruel, conforme Naaldlooyee se deleitava, sua própria imaginação correndo solta.— Em vez de apenas ouvir — sussurrou o Lorde das Sombras —, presumo que você queira ver os momentos mais íntimos entre Yara e eu.Um gesto de mãos entrelaçadas, e as trevas invadiram a visão de Tupã.Imagens se formaram.Yara, de costas arqueadas, as pernas abertas, os lábios entreabertos em gemidos que ele nunca ouvira.Yara, cavalgando Naaldlooyee num frenesi que dilacerava a alma.Yara, submissa, voluntariosa, desejosa — em poses que Tupã jamais lhe ensinara, em êxtases que nunca lhe dera.Cada cena, uma faca.Cada som, um veneno.— NÃO!O grito de Tupã foi um distorcido rugido metálico, seu sistema entrando em colapso. Faíscas explodiram de suas juntas, fios superaquecidos derretendo sob a pele artificial. Sua visão piscou, alt
Naaldlooyee...Desde o primeiro dia em que estivera naquele lugar, Yara sentira o peso de seu desprezo, o frio de sua hostilidade. Se o abismo era feito de trevas, então talvez a água fosse sua única válvula de escape, ela pensara. Talvez fosse a chave para escapar daquela prisão de escuridão.Yara cerrara os dentes, reunindo cada fragmento de força que ainda lhe restava. Sentira o sangue pulsar em suas veias.Um lembrete. Um silencioso lembrete. De quem ela era—ou de quem um dia fora. Não importava. O que importava era o agora. E no agora, havia apenas uma coisa a fazer.Ela cantara, chamando a água.Mesmo que suas mãos tremessem. Mesmo que sua voz fosse pouco mais que um sussurro rouco. Mesmo que não soubesse se alguém—ou algo—a ouviria. Yara cantara —uma melodia que ecoava os sonhos em que dançara e saltara entre as águas, tão leve quanto o vento cortando os campos. Uma melodia quebrada, frágil, mas repleta de uma verdade que nem mesmo o abismo poderia negar.A canção das águas, an
O disparo estilhaçou a quietude da manhã, ecoando pela clareira como um trovão. Por um instante, o tempo pareceu suspenso — até o canto dos pássaros sumiu, engolido por um denso e expectante silêncio.A floresta transformou-se num teatro de tensão.Os mercenários avançavam em passos medidos, dedos nos gatilhos, olhos varrendo a vegetação em busca do menor sinal de vida, cada sombra parecendo esconder uma ameaça, cada galho quebrado, uma armadilha.No entanto...— Ele está morto — declarou um deles, sua voz resoluta, quase satisfeita. — Ninguém sobrevive a um tiro tão certeiro.Mas quando chegaram ao local onde Tupã caíra, encontraram apenas folhas amassadas e lama salpicada de vermelho.— Onde ele está? — perguntou outro, o tom carregado de tensão.O líder do grupo, um homem de rosto endurecido e cicatrizes profundas, estreitou os olhos, estudando o ambiente em volta.— Se escafedeu! — Sua voz era grave, carregada de frustração. — Olho vivo! Esse desgraçado não é como os outros macaco
Visões começaram a se formar na mente de Yara: árvores em chamas, o solo rachado como se vertesse sangue, e uma sombra crescente que devorava tudo em seu caminho. A dor da floresta era quase tangível, transbordando para dentro dela como uma onda avassaladora. Seu corpo tremia, tomado pela agonia que não era apenas sua, mas de algo muito maior.Yara cerrou os punhos, respirando fundo.— Tupã... — sussurrou, a voz entrecortada, não mais que um sopro. — Onde você está?Por mais desesperador que fosse o cenário, algo dentro dela insistia que ele ainda estava vivo. Talvez fosse uma esperança tola, ou talvez fosse a própria floresta, sussurrando que não o abandonara. Mas o tempo estava contra eles, e ela sabia disso.Estava prestes a se mover, para investigar a situação, quando um calafrio subiu por sua espinha. Antes que pudesse reagir, uma gélida mão sombria agarrou seu tornozelo, arrastando-a com força para o rio de águas turvas ao seu lado.Um grito sufocado escapou de Yara conforme ela