A colina erguia-se solene, suas árvores dobrando-se ao peso do vento noturno. O céu estava nublado, ocultando as estrelas, como se o próprio firmamento temesse testemunhar o que estava por vir.Nagato estava assentado sobre uma raiz exposta, a postura reta, os olhos semicerrados em contemplação.Ele ouvia a floresta.Sentia o pulsar da terra sob seus pés, a respiração das folhas, o ciclo eterno da vida que ecoava entre os troncos centenários.Mas algo quebrava o equilíbrio.Algo que rompera sua imagem espelhada diante de Saci Tumbleweed, Hei e Kaena.Um murmúrio baixo, inquietante, rastejando como ocultas serpentes entre as árvores.A sombra de um pensamento.Nagato abriu os olhos.E então ele sentiu.Naaldlooyee. Ali.Não em carne e osso.Mas na escuridão.Ele não precisou olhar para saber.A presença do Lorde das Sombras era como um peso esmagador, uma névoa invisível que absorvia o próprio calor da noite.Nagato respirou fundo, mantendo-se impassível.— Veio em busca de respostas,
“Há noites que não dormem — elas apenas olham de volta.”— Ditado entre as cortesãs da Cidade-Ilha de MirlêaA fumaça de kahve dançava em delicadas espirais, como véus de uma antiga deusa, perfumando o pequeno aposento com notas de cardamomo e carvão. A mesa era de madeira gasta, o chão, frio como os olhos dos senhores que vinham e partiam com moedas entre os dedos e segredos nos bolsos.Lunara, de olhos cor de mel e expressão distante, segurava a pequena xícara como se ela pudesse aquecer algo além das mãos.— Três sumiram esta semana. — disse sua amiga, Selin, enquanto soprava o vapor da própria xícara. — Três. Como se fossem penas levadas pelo vento.— Não foi o vento que as levou. — Lunara respondeu, com voz seca como as terras do leste. — Foi algo mais escuro… algo com fome.Lunara nem sempre fora uma cortesã.Houve um tempo em que o mundo era feito de folhas caindo no outono, das histórias do pai — um poeta caçador — e da mãe, que tecia encantamentos com ervas e palavras doces.
“Nem todas as árvores têm raízes no chão — algumas fincam-se nas lembranças.”— Ceiba, guardiã das árvores sagradas e mãe da florestaEntre o sussuro das folhas, a lua deslizava pelo céu como um olho atencioso e antigo, lançando sua pálida prata sobre as copas cerradas da floresta. Sob seu véu translúcido, Ceiba caminhava, os pés descalços tocando a terra com a leveza de uma oração.Cada passo fazia-se prece. Cada folha sob seu calcanhar era memória.Ela não patrulhava. Ela comungava.Cercada pelos espíritos da floresta, que a seguiam em silêncio — pequenas entidades de luz e sombra, raízes ambulantes, sussurros encarnados em formas animais — Ceiba mantinha o olhar sereno ao horizonte noturno.Ela não temia o escuro. Temia o que se esconde quando até o escuro teme aparecer.A floresta sabia. As árvores não esquecem. E Ceiba também não.Ela ainda se lembrava do tempo antes do Eclipse. Antes do mundo curvar-se ao nome de Naaldlooyee. Antes das aldeias se calarem. Antes de as meni
“Há mares tão profundos que até os sussurros se afogam.”— Provérbio portuário do Arquipélago de MeridaA noite pesava sobre o porto de Cálmaran como um cobertor encharcado. Lá fora, o mar lamuria suas mágoas nas pedras do cais, e dentro da estalagem Fenda do Tainha, o cheiro de sal, suor e peixe velho misturava-se com algo mais íntimo: o aroma inconfundível do caldo de kenga, fervido devagar em panela de barro, como manda a tradição.Sentado à mesa de canto, Brenek, o marujo de barba entrelaçada e olhos como brasas do Norte, levava à boca uma colher do caldo espesso. Estava quente, picante e denso com lembranças — feito de restos do dia e temperos que só uma amante experiente saberia usar.A seu lado, Maru — a mulher de risada rouca e pele de âmbar tostado — o observava com meio sorriso. Ela vestia apenas uma camisa larga de linho desbotado sobre a fina calcinha de seda translúcida, os cabelos castanhos soltos como maré cheia.— É só comida, amor... Não é veneno. — disse ela, arquean
A lua pendia como um olho pálido no céu, sua luz doente filtrada por nuvens que se contorciam como vermes sob uma pedra. O vento soprava o odor metálico de sangue seco misturado ao aroma acre de madeira carbonizada — o cartão de visita da guerra.A brisa sussurrou entre as árvores.Cheiro de ferro e suor invadiu as narinas da jovem quando Kaoru deslizou pelas sombras como uma brisa noturna, seu esguio corpo se movendo com destreza felina. O acampamento ainda estava em estado de alerta após o caos causado pelo misterioso Saci, mas a tensão era diferente agora — e não por causa do entulho de soldados se preparando para a guerra do dia seguinte ou outro dia qualquer. Algo mais frio, mais denso, pairava no ar. Seus olhos de gata selvagem captaram um grupo de homens parados em frente ao barracão de pedra — ao leste do acampamento. Não apenas os homens de Donaldo. Entre os brutamontes, destacavam-se figuras vestindo mantos escuros e túnicas ritualísticas. Agentes de Naaldlooyee.O arre
"Aqueles que observam demais pelas janelas do poder… costumam acabar puxados para dentro."— Velho provérbio da Guilda da NévoaNo alto da encosta de pedra nua, onde o vento uivava como um velho cão faminto, Boreal, o Gatuno Arcano, observava a madrugada com olhos que pareciam ter esquecido como era dormir.Sentado diante de sua esfera de cristal — um artefato antigo de lapidação tão delicada que dizia-se ter sido moldada com o último sopro de um negro dragão — ele fitava o vulto translúcido que nela se formava.Donaldo.O ambicioso. O destemido. O amaldiçoado.— Ainda aí, monstro... — sussurrou Boreal, num fio de voz.Dentro da esfera, imagens pulsavam como lembranças vívidas. O calor de corpos enleados. Vestes caindo em lentas espirais. Risos abafados. A pele cintilando sob velas dançantes. Concubinas rindo baixinho, cada uma um pecado diferente — cabelos como rios de ouro, olhos de avelã, pele como mel de ocaso.Donaldo, nu em sua glória corrompida, sorria como um rei entronado no
Na penumbra que precedia a sangrenta batalha, a aldeia oculta pulsava em silenciosa atividade. Conforme alguns guerreiros afiavam suas armas com óleo de jarina, outros se entregavam a últimos instantes de afeto — mãos entrelaçadas sob mantos de fibra, promessas sussurradas contra peles pintadas de urucum, cada instante de doçura um tesouro roubado aos deuses da guerra.Sob as estrelas que insistiam em brilhar apesar da ameaça de tempestade, os guerreiros mais experientes executaram o Ritual da Fumaça Silenciosa. Um fogo sagrado crepitou no círculo de pedras, suas chamas consumindo ervas que transformavam o odor humano em névoa da floresta. Um por um, os homens atravessaram a cortina fumegante — seus corpos emergindo do outro lado como sombras vivas, indistinguíveis da mata.Eles sabiam. Nas entranhas da terra, nos sussurros das folhas, a mensagem ecoara clara: ao primeiro clarão do dia, os melhores de Donaldo avançariam. Não os bêbados e tolos envenenados pelas travessuras do Saci, nã
Mapache escolhera o refúgio com a destreza de quem joga xadrez contra o próprio destino.O vale entre os montes escuros... um lugar quase esquecido — perto o suficiente da fronteira do Vale Negro para ser conveniente, longe o suficiente da Floresta das Sombras para não atrair olhares indesejados. Quase um não-lugar. Quase uma brecha na realidade.A assassina agora habitava aquela dobra de terra, onde as rochas tinham veios de prata morta e o vento assobiava entre fendas como espectros com segredos.Tupã conhecia aquele tipo de lógica.Mapache não a escondera por bondade.Nem por estratégia comum.Aquele vale era um convite disfarçado.Algo entre uma armadilha e um altar.E Tupã se perguntava, conforme observava os montes ao longe, se a assassina sabia que seu refúgio tinha o hábito de... mudar de forma nas noites de lua cheia.Havia nevado tanto naquela noite.A neve caía em mantos espessos, envolvendo o mundo num silêncio mortal. Tupã estacou diante de Mapache e da deslumbrante jovem