༺ Isabella Martins ༻
Algumas semanas depois...
Estou no meu pequeno ateliê, finalizando mais uma das minhas obras, enquanto Edgar tenta, pela milésima vez essa semana, me convencer a ir com ele à festa da empresa onde trabalha. O homem tá mais insistente que vendedor de plano de celular.
Reviro os olhos quando ele começa a ladainha de novo.
— Isabella, por favor! Vai comigo nessa festa. Eu não conheço ninguém lá. Não quero ficar sozinho...
Ele faz aquela carinha de cachorro abandonado — o que, somado a esses olhos verdes dele, quase me derrete. Tomo um gole do meu café e olho pra ele, resignada:
— Edgar, eu não me sinto bem nesses ambientes… ainda mais quando não conheço ninguém.
— E você acha que eu conheço? Metade daquela empresa me ignora porque sou ‘gay’. Só te peço trinta minutinhos. Depois a gente vaza!
Limpo minhas mãos no pano e o encaro, séria:
— Tá bom. Sei que não vai parar até eu dizer sim. Então... eu vou com você.
— Ah! Obrigado, amor da minha vida! Prometo que depois desse evento te levo a um lugar bem legal.
Ele b**e palminhas, animado, e cai na gargalhada quando digo:
— Só espero que não seja numa daquelas boates gays. Da última vez, você me deixou sozinha!
Edgar sorri com aquele ar safado, lembrando da ocasião:
— Já pedi desculpas por aquilo! Eu tava na seca, Isa... Fazia tempo que não pegava nada.
Dou um tapa no ombro dele, rindo com sarcasmo:
— Sei... me poupe dos detalhes. Enfim, sábado então. Mas olha só: se você se atrasar, vai sozinho!
— Ah, não me atraso, não! Sou bem pontual. Bom, vou indo... tenho um encontro às escuras. Beijos, minha rosa do campo!
Ele se despede jogando beijos pelo ar. Eu só sorrio e penso: homão da porra... que desperdício! Mas fazer o quê, né? Se ele curte a mesma fruta que eu...
Alguns minutos depois, finalizo meu quadro. Ficou lindo! Outro trabalho entregue com sucesso. A cliente pediu um jardim cheio de orquídeas com uma fonte ao centro. Tiro o avental, lavo as mãos na pia e vou até a cozinha.
Abro o freezer e pego uma lasanha congelada. Coloco no micro-ondas, sirvo um copo de suco de laranja com gelo e espero o apito.
Assim que o micro-ondas avisa, tiro a lasanha e sento para comer. Uma garfada e... uau! Tá maravilhosa. Com o suco então, ficou perfeito.
Depois de lavar o prato, meus pensamentos voam pra minha família. Tô morrendo de saudades. Preciso ligar pros meus pais. Amanhã, com certeza.
Por agora, preciso queimar umas calorias. Tenho comido muita besteira ultimamente. Me visto com a roupa de ginástica, pego celular, chaves e fones de ouvido, e sigo para o parque que descobri alguns dias atrás. Um lugar perfeito pra caminhar e, quem sabe, me inspirar.
O parque está cheio — crianças, casais, idosos, uma mistura boa.
Me alongo e começo a caminhar. Observo cada canto. Isso aqui daria um quadro incrível. Enquanto caminho, dou uma olhada no celular. Meu irmão Yuri resolveu me bombardear com mensagens sem graça.
Reviro os olhos... e bam! Trombo com alguém.
— Mas que merda! Por acaso você é cega? Sua estúpida! — diz o homem com frieza, me analisando de cima a baixo com olhos azuis gélidos e expressão dura.
Tomo fôlego e respondo no mesmo tom, com sarcasmo afiado:
— Olha, me desculpe! Eu realmente não te vi. Mas você também não é cego, né? Podia ter desviado, seu idiota!
Cruzo os braços, o encaro. Ele levanta o rosto devagar e me olha com estranheza, como se me reconhecesse de algum lugar.
— Nossa... eu... olha, desculpa por ser grosso. Não estou num bom dia. Mas... a gente já se viu antes?
Pronto. Agora virou novela. Encosto os fones nos ouvidos e rebato sem paciência:
— Nunca te vi na vida. E sou grata por isso! Detesto homens brutos e ogros. Você parece o próprio Shrek. Adeus.
Começo a correr, ignorando qualquer resposta. Não vou deixar um idiota desses estragar minha tarde. Faço meus exercícios e volto pra casa.
A semana voa.
Correria total no ateliê e na escola. A última cliente amou meu trabalho e indicou várias amigas. Isso gerou mais encomendas — e mais grana, o que sempre ajuda com as contas.
Saio do meu fusca e vejo Edgar com sacolas nas mãos. Aposto que andou fazendo compras no shopping. Ele sorri de orelha a orelha, e eu já olho desconfiada:
— Não gosto desse seu sorrisinho falso! Algo me diz que não vou gostar do que estou prestes a descobrir. O que você está aprontando?
Ele ri, com aquele tom debochado:
— Ah, Isabel... você é muito paranoica! Relaxa. Só trouxe algo pra você vestir no evento.
Passo por ele, abro a porta da casa e ele me acompanha. Hoje, finalmente, é o tal evento da empresa onde ele trabalha. Quero me livrar disso logo.
Ele me entrega a sacola. Pego com pouca vontade e aviso, subindo as escadas:
— Vou me arrumar. Me espera aqui. E não gosto de ninguém me olhando enquanto troco de roupa.
— Relaxa, eu não curto essa fruta. Apesar de que... adoraria ver essa sua bundinha branca.
Ele pisca, sacana. Mostro o dedo do meio pra ele e seguimos no clima de zoeira.
Tomo meu banho, coloco uma lingerie preta combinando com o vestido também preto que Edgar trouxe. Faço uma make com batom vermelho marcante, arrumo o cabelo solto com um leve volume, coloco brincos, colar de ouro e, por fim, salto alto. Borrifo o perfume e me olho no espelho.
Linda. Poderosa. Pronta pra matar. Dou risada do meu próprio pensamento.
Ao descer, Edgar me encara, fascinado:
— Nossa... você está maravilhosa! Se eu não fosse gay, te pegava de jeito!
Caímos na gargalhada. Respondo com um sorriso:
— É melhor irmos, gostoso! Se não, vamos nos atrasar.
Dou um tapa na bunda dele e saímos rindo. No carro, conversamos sobre tudo.
Chegando ao evento...
Edgar entrega o carro ao manobrista e entramos. Ele me apresenta a algumas colegas de trabalho e alguns homens que me devoram com os olhos e soltam cantadas ridículas.
Me sirvo de uma taça de champanhe, tentando ignorar os comentários. Edgar vai falar com alguns executivos e eu fico num canto, sozinha. Odeio me sentir isolada.
De repente, uma voz rouca e familiar me atinge em cheio.
— Senhorita! Nos encontramos de novo... será o destino querendo nos unir?
Viro o rosto e quase engasgo com a champanhe. O babaca do parque.
Só que agora... num terno cinza impecável, cabelos penteados pra trás. Lindo. Muito mais do que eu lembrava.
Mas não deixo transparecer.
— Pena que eu não possa dizer o mesmo. Era só o que me faltava! Justo você pra estragar a minha noite.
Ele me encara, sério, como se não esperasse minha resposta afiada. Vai retrucar, mas então Edgar chega:
— Olá, senhor Scott! Vejo que conheceu minha amiga Isabella Martins...
Paro. Arregalo os olhos.
— Isabella, esse é meu chefe... o senhor Diogo Scott.
É sério isso? Edgar sorri, sem imaginar a tensão no ar. Diogo leva a taça aos lábios e comenta com ironia:
— Já estávamos nos conhecendo, seu Edgar. Sua amiga é muito... educada.
Filho da mãe. Respiro fundo, passo as mãos nos cabelos e aviso:
— Edgar, preciso ir ao toalete. Já volto.
Saio dali com um sorriso forçado. No banheiro, retoco o batom e me olho no espelho.
Era só o que me faltava... esse homem ser o chefe do Edgar.
Sinto uma energia pesada nele. Desconfio de cada gesto, cada olhar.
Respiro fundo. As palavras do meu pai ecoam na mente. "Confie na sua intuição, filha."
Pois bem, pai. Intuição gritando aqui.
Não posso me deixar abater. Me mantenho firme.
Foco, Isabella. Não se deixe intimidar pelo ogro do Diogo Scott.