Capítulo 01

༺ Isabela Martins ༻

Terminei de arrumar as últimas caixas da minha mudança para colocar no caminhão. Meus pais ainda estão possuídos por eu ter decidido ir para tão longe e morar em outra cidade, mas respeitaram minha escolha o que, convenhamos, já é uma vitória.

Depois de organizar tudo o que faltava, finalizei minhas malas. Amanhã, viajarei bem cedo. Estava fechando uma delas quando Yuri entrou no meu quarto. O olhar dele caiu sobre as bagagens prontas, carregado de tristeza.

— Não acredito que a nossa caçula vai mesmo embora... Vou sentir sua falta, pirralha — disse ele, se sentando na cabeceira da cama. Me ajudou a dobrar algumas roupas e sorriu com ternura.

— Também vou sentir sua falta, seu chato! — rebati, sorrindo. — Mas mudando de assunto... quando vai contar para os nossos pais sobre aquilo que você me confessou?

Ele desviou o olhar, caminhou até a porta e a fechou antes de me responder, já visivelmente incomodado.

— Você está louca? Não posso falar disso aqui, assim... Ainda não me sinto preparado pra contar aos nossos pais. Nem pros nossos irmãos. Não quero que ninguém me olhe com nojo, principalmente o Derek. Aquele ogro machista e preconceituoso, bruto como o nosso pai.

— Você devia contar logo. Ia ser libertador. Mas eu sei que isso é algo seu, e não vou me meter. Só saiba que, se tudo der errado, as portas da minha casa estarão abertas pra você, doutorzinho! — falei, puxando-o para um abraço apertado.

Nesse momento, nossa mãe entrou e nos viu abraçados. Seus olhos brilharam.

— Meus dois bebês! Ainda não acredito que minha caçula está nos deixando...

Ela limpou uma lágrima, e Yuri emendou, sentimental:

— Também não acredito. Até ontem, eu trocava a fralda dela que vivia cagada, mamãe. Agora olha só… já tá toda independente.

— Ah, nem vem! — interrompi, já bufando. — Não vou cair nessa chantagem emocional barata de vocês. E, Yuri, pare de dizer que trocava minha fralda! Isso é nojento!

Eles começaram a rir. E ele, claro, debochou:

— Tá vendo? Já tá até brava! Só porque eu disse que você vivia cagada...

Peguei um travesseiro e acertei nele com força, ameaçando:

— Sai daqui agora, Yuri! Seu filho da mãe, senão eu juro que te quebro!

Ele saiu correndo pela porta, rindo e gritando:

— Não falei mentira! Se não fosse por mim, você vivia cagada mesmo. Era a rainha da fralda suja!

— EU VOU TE MATAR, YURI!

Abri a porta e corri atrás dele pelo campo da fazenda. Minha mãe, rindo, observava a cena enquanto eu gritava que ia espancar o palhaço do meu irmão.

Meu pai, confuso, apareceu na varanda e perguntou:

— Mas o que foi agora?

— Adivinha? — disse minha mãe, divertindo-se. — O Yuri chamou a Isabela de cagona de novo.

Meu pai segurou o riso e balançou a cabeça.

— Esse menino não aprende! Depois apanha e reclama...

Continuei a perseguição. Yuri corria entre as árvores, ainda rindo. Até que tropeçou numa pedra e caiu de cara no chão.

— Agora eu te peguei!

Aproveitei e disparei uns t***s e socos, enquanto ele gritava:

— Já chega, Bel... Eu entendi! Socorro! Eu me rendo!

Caímos os dois no meio das folhas secas, deitados no campo. Olhei para o céu. O ar da tarde, o som das cigarras, aquele cheiro da grama… tudo me fez pensar no quanto sentirei falta dali.

Yuri, como se adivinhasse, comentou:

— Aposto que tá pensando no quanto vai sentir falta disso aqui, né?

— Sim. Mas quero conhecer outros lugares. Um dia eu volto. Você esqueceu a frase? "O bom filho à casa torna."

Ele se deitou ao meu lado. O pôr do sol tingia o céu de dourado, e ficamos ali, em silêncio, curtindo o momento.

Mais tarde, jantamos em família. Minha mãe preparou tudo com carinho, como se fosse aniversário. Meu pai permaneceu calado, como sempre. Sei que está sendo difícil para ele. Ele detesta admitir que a caçula cresceu.

Depois da refeição, Yuri ajudou minha mãe com os pratos. Notei que meu pai estava na varanda, olhando para o campo escuro, fumando em silêncio. Derek, como era esperado, se trancou no quarto, emburrado.

Fui até meu pai, toquei seu ombro e esperei que me olhasse.

— Pai… Eu sei que o senhor não queria que eu fosse, mas...

Ele soltou um sorriso amargo e cortou:

— Mas o quê, Isabela? Termina.

Respirei fundo, procurando as palavras.

— Mas é minha vida. Quero explorar novos horizontes, viver intensamente, conhecer gente nova... Essas coisas. O senhor entende?

Ele soltou uma risada seca e encarou o escuro.

— Entendo. Eu era como você. Mas tenho um mau pressentimento com essa mudança. Pode parecer loucura ou paranoia, mas sinto que uma energia ruim está vindo na sua direção. Isso vai te trazer dor.

— Ah, pai, por favor… Não começa com essas suas revelações ciganas. Já disse que não acredito mais nisso. Me deixa viver.

— É um dom de família, filha. E você sabe que, na maioria das vezes, eu estou certo...

— Mas agora não, pai. Eu não vou deixar você controlar minha vida como fez com os meus irmãos. A minha vida, cuido eu.

Ele me olhou com tristeza.

— Tudo bem, Isabela. Só não diga que não avisei...

Me aproximei e beijei sua bochecha.

— Não quero ir embora brigada com você. Eu te amo, seu velho teimoso.

— Está tudo bem. Mas me prometa uma coisa: qualquer sinal de perigo, volte correndo. E por favor, não fale sobre sua família pra qualquer estranho.

— Boa noite, seu Vinícius... Vou dormir antes que isso vire mais uma briga.

Me despedi e fui para o quarto. Amanhã cedo, pegaria estrada. O caminhão sairia logo atrás.

Acordei com o canto do maldito galo. Sim, aquele que sempre odiei. Confesso: até dele vou sentir saudade.

Tomei um banho gelado para despertar, escovei os dentes e me olhei no espelho.

— É isso aí, Isabela! Pronta pra nova vida?

Prendi o cabelo num coque, vesti meu jeans com a regata e joguei o casaco preto por cima. Peguei minha mochila e saí.

No quintal, todos estavam sentados tomando café da manhã e rindo. Minha família sempre foi assim: barulhenta, carinhosa, cheia de vida.

Minha mãe, Ana, é morena clara, cabelos longos e ondulados, olhos cor de mel. Uma mulher forte, mas cheia de ternura.

Meu pai, Vinícius, é ruivo, olhos verdes, rústico e de postura firme. Todos os meus irmãos puxaram para o lado dele. A única outra ruiva da casa é minha irmã, Sofia. Os meninos herdaram só os olhos verdes.

Enquanto eu admirava a cena, Yuri disparou mais uma das dele:

— Mais é uma bocó mesmo! No mundo da lua, de novo?

— E desde quando isso é da sua conta, idiota? Vai cuidar da sua vida!

Mostrei a língua, me sentei e tomei meu café rindo com eles. Foi leve, foi doce. Uma última manhã juntos.

Meia hora depois, coloquei as últimas coisas no meu Fusca azul — meu xodó — e me despedi dos meus pais. Apesar dos protestos, segui pela estrada com um sorriso no rosto. Algo me dizia que minha nova vida estava prestes a começar.

Quando decidi sair, ninguém aprovou. Mas aquela vida simples no interior de Abingdon, na Virgínia, com seus 8 mil habitantes, não era mais pra mim.

Agora, estou indo para Los Angeles, Califórnia. Nova casa. Novos rostos. Novos sonhos.

E pela primeira vez... liberdade.

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