Dafne não sabia como conseguiu ficar de pé. Seus joelhos quase batiam um no outro, de tanto que ela tremia. A ansiedade e o nervosismo consumindo cada célula de seu corpo.
Cézar deixou sua cadeira e andou em torno da mesa.
Depois de todo esse tempo Dafne tinha esperado que fosse capaz de olhar para Cézar e ver apenas um homem que tinha, uma vez, conhecido e amado com todo o seu ser, e que agora não mais representava tanto para ela.
Mas perceber que Cézar era a outra metade dela mesma, a parte que a fazia inteira e completa, ainda estava lá, tão certa e inevitável como sempre tinha estado.
- Agora que já concluímos que você não precisa de óculos, talvez queira tirá-los, senhorita. Parece um absurdo esconder olhos tão bonitos.
A última parte foi acrescentada com uma certa ironia, como se ele não tivesse a intenção de um elogio.
Incapaz de pensar numa razão para recusar, Dafne tirou-os e os guardou na bolsa, tentando não encará-lo para que Cézar não notasse o que ela estava sentindo. Ele abriu a porta e, com a mão na cintura dela, conduziu-a através do vestíbulo bem decorado para a sala de estar.
- A sala de brinquedos e o quarto dela estão deste lado.
Passaram por um largo corredor.
- E estes aposentos serão os seus, se você aceitar o emprego. Agora, se você quiser vir e conhecer Lavínia...
Voltando-se, Cézar dirigiu-se para uma grande e arejada cozinha, onde a senhora Carmem ficava de olho em sua incumbência enquanto preparava o desjejum.
Vestida com uma camisa de algodão de mangas compridas e macacão vermelho, Lavínia estava ocupada colocando uma boneca em um carrinho. Levantando a cabeça com a entrada deles, correu para Cézar e atirou os braços em torno das pernas dele.
- Olá, querida. - ele se abaixou para pega-la nos braços. - Eu gostaria que você conhecesse a senhorita Vieira, princesinha. - Então, com um sussurro de conspirador, acrescentou. - Se nós formos bonzinhos com ela, a senhorita poderá vir morar conosco e tomar conta de você.
Enquanto afrouxava o abraço e se voltava para encarar a recém-chegada, Dafne se aproximou respirando fundo, tentando se conter para não demonstrar a emoção em que se afogava. Com o coração a ponto de explodir, sorriu, trémula, para a menininha. Era uma bonita e elegante criança, a pele viçosa como pêssego, os cachos dourados e abundantes, as bochechas com covinhas, os olhos com longos cílios de um raro azul-profundo.
Por longos momentos elas olharam uma para a outra sem nada dizer. Então, com um claro soprano infantil, Lavínia perguntou.
- Você quer vir cuidar de mim?
- Claro que eu quero! Eu estava cuidando de duas menininhas lindas como você, mas agora elas têm de ir embora, e seria maravilhoso ter outro anjo para cuidar.
Depois de pensar nisso por um segundo ou dois, Lavínia se empertigou nos braços de Cézar, para que ele a soltasse. Assim que ele a colocou no chão, ela deu uma corridinha, para voltar quase de imediato com um grande cachorro de pelúcia com um lenço listrado de vermelho e azul e uma expressão engraçada na cara.
- Este é o Ted. – a menina apresentou, mostrando o biichinho com um sorriso contagiante.
Dafne se ajoelhou, pedindo aos céus que suas lágrimas não escapassem agora. Ela era tão linda, e o cheirinho de seus cachinhos chegavam em ondas de pura ternura.
-Como vai, Ted?
- Ele é um menino. - Ela atirou o urso nos braços de Dafne
- E um cachorrinho de muito bom gosto, olhe só essa gravata. Ele se incomodaria se eu o fizesse carinho em seu pelo macio?
Inclinando-se contra o rosto de Dafne, trazendo cheiro de biscoitos, Lavínia confidenciou num sussurro infantil.
- Não conte a ninguém, mas o Ted gosta que acariciem sua barriguinha.
- E também gosta de um cochilo de manhã – sugeriu Cézar, com um olhar para a governanta.
- Venham comigo, minha pequena e o Ted também – A senhora Carmem apanhou a criança e seu urso em seus braços. - É hora de tirar uma soneca.
Quando o trio partiu, Lavínia acenou para Dafne por cima do ombro da senhora.
Cézar pôs a mão no cotovelo de Dafne e ajudou-a a ficar de pé.
- Obrigada. - Tentando esconder sua desolação de ve-la se afastar tão rápido, ela acrescentou. - Eu esperava poder ficar mais com Lavínia para nos conhecermos e...
- Terá bastante tempo quando se mudar para cá.
Mal acreditando no que ouvia, ela sentiu o coração bateu forte.
- O senhor quer dizer...
- Quero dizer que você foi aceita. Lavínia gostou de você.
- Como pode saber?
- Só as pessoas de quem ela gosta são apresentadas ao Ted. Assim, se você quiser o emprego.
Cheia de alegria e excitação, Dafne exclamou.
- Sim, senhor Hoffmann! É claro que eu quero!
- Então, logo após tomarmos o café, eu a levarei até os Garcia para apanhar suas coisas. Desse modo, terá a tarde e à noite para se instalar antes de começar o trabalho, amanhã de manhã.
Depois de tanto desgosto e sofrimento, Dafne mal podia acreditar em sua boa sorte. Mas, mesmo enquanto se alegrava, a voz de alerta a prevenia para não deixar a alegria cegá-la para o perigo de estar ali.
Porque a cada minuto na companhia de Cézar, aumentava ainda mais o risco de se trair, portanto devia ficar longe dele tanto quanto possível, e rezar para que nunca suspeitasse de quem ela era na verdade.