Logo que as imprudentes palavras foram ditas, Dafne se amaldiçoou por ser tão tola e imprudente. Por que estava antagonizando Cézar Hoffmann quando desejava tanto o emprego?! “Não seja estúpida, Dafne! Você precisa que ele te contrate!”
- Posso viver sem seu sarcasmo, senhorita Vieira.
- Sinto muito, senhor. Mas, com certeza, tenho direito a uma vida particular, não acha?
- Todos nós temos. Só quero me assegurar de que a sua não prejudicará suas responsabilidades. Quando a avó de Lavínia faleceu...
"Eles a chamam de Lavínia!" pensou ela tentando conter a emoção.
- E eu tive de contratar uma babá, cometi um grande erro. Não tenho nenhuma intenção de errar de novo.
- Se eu tivesse um parceiro afetivo, nem sonharia em deixar que isso prejudicasse a criança sob meus cuidados, senhor. Eu sou uma profissional, e coloco a criança sob os meus cuidados como a minha maior prioridade. – Dafne puxou o fôlego, evitando o olhar dele. - Mas não, não há ninguém em minha vida que recebe esse título.
- Por que usa óculos? - Sua pergunta, vindo com a velocidade de um golpe de cascavel, a desconcertou.
Por mais de um minuto ela sentiu seu coração disparar feito um tambor, pensando que tinha finalmente cometido um erro grave e sido descoberta.
-Não entendi, senhor.
- Eu perguntei por que você está usando óculos.
-Porque preciso deles.
Repentinamente, Cézar ficou de pé, inclinou-se por sobre a mesa e, sem nem pedir licença, levantou o objeto do nariz dela. Por um longo momento, enquanto o choque a deixava rígida, ele olhou com profunda atenção os seus claros olhos, da cor da água-marinha.
O que quer que ele tenha visto, ansiedade, dor, solidão, tristeza, não demonstrou nenhum sinal de reconhecimento ou de compaixão. Dafne agradeceu a seu anjo da guarda.
Cedo demais, contudo, pois Cézar não se deu por vencido. Tirou os óculos dela e ergueu-os contra a luz. Em seguida, os devolveu.
- Por que precisa deles se não têm nenhum grau, senhorita Vieira?
Dafne gaguejou a única resposta que conseguiu elaborar.
- Pensei que seria melhor se eu parecesse mais velha.
- Parecer mais velha não a torna necessariamente mais adequada para esse trabalho. E eu não gosto de embustes.
A tensão fazia sua cabeça latejar e, convencida de que ele nunca lhe daria o emprego, Dafne se sentiu desolada e desamparada. Desejando apenas escapar antes que Cézar notasse seu desespero, ela começou a levantar-se.
- Bem, se o senhor já decidiu que eu não sirvo...
- Por favor, sente-se. Eu não disse que a senhorita poderia ir. – Cézar olhou para ela com tamanha frieza e autoridade, que Dafne se encolheu com o calafrio que atravessou seu corpo. - Ainda não tomei nenhuma decisão. Enquanto você estava vindo para cá, conversei bastante com sua patroa.
Ele fez uma pausa, como se prolongando o suspense de propósito, enquanto os segundos passavam e Dafne imaginava que podia escutar o ruído de seu próprio fluxo sanguíneo.
-A Sra. Garcia me disse que você ficou mais de dois anos com ela, e falou muito bem de você. Quem foi seu empregador anterior?
- Como?
- Quero dizer, antes da família Garcia. Com certeza você se lembra.
Dafne odiava mentir, mas não tinha outro jeito nesse momento.
- O Sr. Costa. – improvisou rapidamente. - Quando sua mulher o deixou.
- E?
– Cuidei de seu filhinho. No fim, ela voltou, e eles se reconciliaram, de modo que não fui mais necessária.
Notando que Cézar observava suas mãos, que se moviam sem descanso em seu colo, Dafne as apertou para mantê-las firmes no lugar.
- Tem as referências do Sr. Costa? – ele perguntou, levantando uma de suas sobrancelhas marcantes.
- Sinto muito, mas temo não saber onde as coloquei.
O olhar incrédulo parecia tornar claro que Cézar não acreditava em nenhuma palavra do que ela acabou de dizer.
Dafne podia sentir o gosto da culpa subindo para sua garganta, quando ele disse.
- Devem ter sido muito satisfatórias, para que uma família importante como os Garcia, a empregasse sem nenhuma ressalva.
Apanhando a caneta que esteve usando, Cézar começou a bater na mesa, cada pequena explosão de som como uma pancada de martelo, esticando os nervos dela já no limite e fazendo-a estremecer.
- Muito bem, desde que Lavínia te aceite e goste de você, o emprego é seu, se o quiser, por um período experimental de trinta dias. Agora as coisas práticas. – Cézar analisou sua expressão com interesse. - Concordo com as mesmas condições de tempo de seu empregador anterior, e, se ficar depois do período de experiência, receberá duas semanas de férias por ano. Seu salário será de cinco mil reais, e há uma suíte ao lado do quarto da Lavínia, que penso que achará confortável.
Dafne não conseguia acreditar nas palavras dele, seu coração tremia, como se estivesse prestes a enfartar. Ela continuou olhando fixamente para ele em silêncio. Até que Cézar observou, ríspido.
- Parece surpresa, senhorita. Mudou de ideia sobre querer o emprego?
-Não, de modo algum... Apenas achei que não conseguiria...
- Por que não? – questionou com escarnio.
- Tive a impressão de que o senhor não gostou de mim.
- Não me ocorreu que fosse necessário gostar da babá que eu contratasse. O que importa para mim, é Lavínia se dar bem com você. Ela é uma menina alegre, amigável e muito precoce para sua idade. No momento, a senhora Carmem, a minha governanta, está cuidando dela, e, de acordo com aquela boa senhora, a criança não é nenhum problema. Mesmo assim, é demais para uma governanta cheia de afazeres. De modo que, se tudo está bem e você decidir aceitar minha oferta, eu gostaria de tê-la aqui, pronta para começar, amanhã de manhã.
-Usando um uniforme? – ela perguntou.
A despeito dos esforços de Dafne para falar com suavidade, havia um tom brusco na pergunta. Depois de um momento de deliberação, Cézar respondeu com frieza.
- Penso que não, por enquanto. Agora, antes de prosseguir, talvez você queira me fazer algumas perguntas. Ou talvez já saiba tudo o que precisa saber, não é mesmo senhorita Vieira.
- Tudo o que sei, foi o que a senhora Garcia me contou.
- Mesmo? – ele riu ironicamente. – Não buscou na internet sobre o seu possível empregador? – Dafne negou com a cabeça, baixando os olhos. - E o que a Luiza Garcia te contou? – Cézar parecia aborrecido, como se suspeitasse que estavam espalhando rumores a seu respeito.
- Apenas que é ou viúvo ou divorciado, e sua filha tem cerca de três anos.
- Não sou nem viúvo nem divorciado.
"Então ele deve estar ainda casado... com a Rafaela..."
- E Lavínia, não é minha filha. – aquelas palavras foram o mesmo que receber um tapa no rosto. - Minha mãe morreu logo depois que nasci, e, quando eu tinha nove anos, meu pai se casou de novo. Sua segunda esposa tinha um filho de três anos. Lavínia é filha de meu meio-irmão. Para falar a verdade, nunca fui casado.
- Oh, mas eu pensei...
- O que pensou, senhorita Vieira?
- Nada...
- Certo. Bem, se não há nada que queira me perguntar, talvez gostaria de olhar suas acomodações e conhecer a Lavínia, para saber se ela vai... – ele deixou a frase no ar por instantes, como se quisesse provocar agonia em Dafne. – Veremos se ela vai te aceitar.