Anjo azul

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      ACORDEI COM BARULHO DO despertador do celular. E já me levantei otimista. Algo dentro de mim dizia que aquele emprego era meu. Eu sintia isso!

  A minha entrevista foi numa sexta-feira e, como consequência, eu fiquei o final de semana ansiosa pela ligação a ponto de não largar o celular de jeito nenhum. 

 Eu não era uma pessoa muito religiosa, mas naquele final de semana eu orei a Deus para permitir que a senhora Lincoln me ligasse. Eu só não sabia se Ele iria me escutar, já que eu não era de orar ou conversar com Ele. Pode ser que Deus me achasse uma interesseira e não permitiria que o meu desejo se realizasse, afinal de contas, eu não era como meu pai era, um servo bom a Deus.

   Meu pai era o ser humano mais maravilhoso que eu já vi, e não estou exagerando. Ele sempre estava disposto a ajudar o seu próximo e não fazia por obrigação, fazia por amor. Seu João sempre levou à sério tudo o que a Bíblia diz. 

 Eu me lembro de todos os domingos pela manhã que ele me levava para a igreja. Lembro-me de como eu amava ir com o papai. Era um momento só nosso, pois minha mãe e Amanda nunca gostaram. Íamos de mãos dadas até o metrô e no caminho ele me contava o quanto Deus era bom o tempo todo. Ele fazia tudo parecer mágico, lindo e simples. Eram cativantes as histórias que me contava.

Uma vez ele contou como Deus abriu o mar vermelho para o povo atravessar em terras secas e do outro lado cantar a vitória, por Deus tê-los salvado de seus inimigos. Ele sabia contar essas histórias como ninguém. Era tão divertido!

Com ele, eu era uma criança amada,

desejada. Falava que Deus tinha grandes coisas para fazer na minha vida, mas tudo isso perdeu o valor quando Deus o levou de mim de uma maneira tão inesperada. 

Eu tinha apenas treze anos, era uma garota que precisava do pai por perto. Ele era o meu porto seguro, era tudo que eu tinha. Agora eu era uma garota de vinte três anos, perdida nesse mundo. 

 Desde que ele morreu não sei como me achar. Com dezessete anos saí de casa porque não aguentava mais minha mãe sempre reclamando de mim, dizendo que era uma inútil e incompetente. Fiquei um bom tempo na casa de uma amiga. Era doloroso ouvir tais coisas da mulher que era para ser meu apoio nesse momento de perda. Dona Damares podia ser tudo, menos meu apoio.

Enfim, a vida não para. Temos que buscar forças para enfrentar a vida como ela é. Eu estava buscando essa força, ainda não a encontrei, mas sei que iria encontrar. Quando e onde exatamente não sei, mas eu iria.

Eu fiquei encarregada de arrumar a casa e fazer o almoço já que minha irmã estava no tal "curso" e mamãe foi levar Elias para escola, de lá iria em uma feira de orquídea. Mesmo que ela não comprasse as mudas, ela iria para admirá-las. 

A nossa casa era repleta de flores e plantas. Dentro e fora tinha sempre vasos. Uma vez Amanda quebrou um vaso de rosas brancas, ela ficou tão brava que colocou minha irmã e eu de castigo por uma semana e eu nem tinha culpa, mas ela falou que por ser a mais velha tinha que prestar atenção na caçula. Eu fiquei tão brava com a Amanda, que não falar com ela o dia inteiro. 

Por volta das 11hs meu celular tocou e eu logo atendi com esperança de ser a sra. Lincoln. Claro que essa não foi a primeira vez no dia que ele tocou e eu desesperada foi até ele pensando sempre que poderia ser ela.

O ser humano vive de esperança, não é mesmo? 

Vi um nome desconhecido e a esperança dentro de mim cresce mais um pouco. Atendi e quando escuto a voz suave e mansa que desejei ouvir o final de semana inteiro, senti uma alegria imensa no meu coração. 

Finalmente consegui um emprego! 

Ela falou que o seu filho me escolheu para vaga e que era para eu levar todos os meus documentos amanhã cedo pois já começaria. Eu agradeci tanto que a mesma ficou sem jeito. Falou que eu não precisava agradecer, pois o mérito era meu. 

Quando eu desliguei o celular estava tão alegre que não conseguia me controlar. Eu cantei, pulei e gritei de felicidade e, por último agradeci a Deus por Ele ter se lembrado de mim e ter me dado uma chance de recomeçar.

Talvez aquela seria a força que tanto eu buscava.

                            ✧✧✧

ESTAVA A PONTO DE APERTAR A campainha da casa Lincoln para finalmente conhecer o meu chefe.

Como será que ele era pessoalmente? 

Eu estava tão feliz por conseguir emprego, principalmente para eu ter paz com a minha mãe. Quando eu falei para ela que consegui, tudo que ela me disse foi: "Agora vê se consegue manter esse emprego por um tempo bom, pois incompetente como você é, seria bem capaz de ser demitida antes mesmo de começar." 

Nossa! Era cada tapa sem mão que ela me dava que eu ficava até desorientada. Não entendo porque eu espero algo bom vindo dela. Era mais fácil chover canivete do céu do que a Damares me elogiar.

Elias ficou tão feliz que me abraçou para comemorar, claro que depois falou que não era para eu esquecer de comprar sua bicicleta na cor azul e branco. Interesseiro o moleque! 

Amanda me deu os parabéns e mandou jogar charme para o meu chefe, porque ele era muito gato gostoso para deixar passar. Claro que ignorei e revirei os meus olhos com isso. Ela pode ter tudo, menos noção.

Não iria negar que ele era um homem muito atraente, mas eu estava ali para trabalhar e não para paquerar. E também, com certeza ele não iria me achar uma garota bonita. Eu não me acho feia, não era isso, apenas a beleza dele era de ator de Hollywood. Ele até me lembra aquele ator Ryan Gosling.

Eu sou magra, de estatura média, cabelos na altura dos ombros, ondulados na cor ruivos acobreados e olhos cor de mel. Eu me pareço muito com a família do meu pai.

Quando apertei a campainha da casa, mais uma vez quem me atendeu foi a sra. Lincoln com o seu sorriso simpático como da última vez. Eu retribuí o sorriso na mesma medida.

— Bom dia, Alice! Fiquei tão feliz por meu filho ter escolhido você. — Ela me abraçou de surpresa e eu, claro, retribui o seu abraço um pouco desajeitada por causa da timidez.

Que bom que ela gostou de mim, pois eu também gostei dela. Ao desfazer o abraço, respiro forte. Meu coração estava a mil por horas.

A Sra. Lincoln olhou para o relógio e sorri como se estivesse aliviada.

— Foi muito bom você chegar na hora marcada, meu filho gosta de tudo conforme o combinado. Pontualidade para ele é essencial. — Vi um olhar carinhoso nela ao falar do seu filho. A vontade de conhecê-lo crescia a cada segundo.

— Certo! — Murmurei tentando, em vão, conter meu pânico crescente. Eu esperava que desse tudo certo nesse meu emprego, não queria dar o gostinho à minha mãe de estar certa.

— Não precisa ficar nervosa! Vai dar tudo certo, você vai ver. Além do mais, é só me chamar se precisar. Eu realmente gostei de você. As outras eu não sei... pareceu-me que não iriam dar certo. Fiquei tão aliviada quando ele a escolheu. 

Eu esperava que ela estivesse certa. Nunca fiquei tão nervosa para conhecer um homem em toda minha vida.

Ele era apenas um homem, Alice. Tem a compostura! 

— Vamos entrar? — falou me dando passagem.

— Claro. — Ao entrar vi que a casa estava do mesmo jeito que me lembro, tudo impecável.

— Querido, a senhorita Alice Andrade chegou.

Sentir a palpitação em meu coração junto com ansiedade enquanto esperava ele aparecer na sala. Ajeitei várias vezes a minha bolsa laranja no meu ombro. 

Que aflição toda era aquela? Que droga! 

Ele apareceu sorrateiramente na sala. Era bem mais alto do que aparenta nas fotos e mais lindo também. Liu estava com uma blusa social branca por baixo do suéter verde-lodo e com a calça esporte fino na cor creme. Ele estava com suas duas mãos enfiadas nos bolsos da frente da calça. Percebi que ele, assim como eu, estava um pouco nervoso. Meu chefe me olhou de cima a baixo como se estivesse me avaliando, enquanto eu não consigo tirar os meus olhos do seu rosto. Ele era jovem e atraente, muito atraente. Fiquei tão hipnotizada com sua beleza que demorei para me apresentar. Ver ele pessoalmente foi diferente de tudo que eu imaginava. Eu não sabia explicar, mas achei que ele me conquistou no momento em que me olhou de um jeito que me pareceu único.

Dou um sorriso dócil, enquanto ele me olhava sem realmente encarar os meus olhos. 

— Alice Andrade, muito prazer! — Estendi minha mão para cumprimentá-lo.  

Ele, porém, no momento hesitou e ficou olhando para minha mão estendida no ar. Estava em dúvida se deveria abaixar minha mão ou esperar. Quando eu estava prestes a desistir, percebi que ele tirava sua mão do bolso lentamente para me cumprimentar. O contato foi rápido, mas o suficiente para me fazer sentir a maciez dos seus dedos compridos apertando a minha mão.

— Liu Lincoln! — Murmurou enquanto colocava sua mão de volta no bolso.

— Agora eu vou deixar vocês à sós. Qualquer coisa é só me chamar. 

— Não é melhor a senhora ficar? Para orientar a senhorita Alice? — sugeriu ele, parecendo um pouco aflito. Percebi que eles se dirigem às pessoas de maneira muito formal. Talvez seja coisa dos Ingleses.

— Querido, ela é a sua funcionária. — A Sra. Lincoln foi até ele e colocou uma de suas mãos no seu peito. Foi então que naquele momento reparei o quanto seu peito era largo. Lincoln apertou os seus lábios severamente, parecendo um pouco zangado.

— Tudo bem, a senhora está certa! — Ele se rendeu e me olhou por debaixo dos olhos, desconfortável com a minha presença.

— Eu sempre estou, filho — afirmou ela sorrindo com afeto, virando-se para mim e piscou antes de sair nos deixando à sós.

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