ONLY HOPE

                              5♡

  FICAMOS BEM DESCONFORTÁVEL com a situação. Não sabíamos muito bem como agir. Eu tinha um pouco de receio de falar algo que ele não gostasse, por isso achei melhor esperar pelo Sr. Lincoln

— Vamos para a minha sala. Lá têm as agendas e algumas coisas que você vai precisar para o trabalho. — Assim que ele terminou de falar, entrou no lado direito da sala que tem um corredor enorme com algumas portas. 

Eu não sabia o porquê, mas não conseguia ficar com as mãos quietas, mexia direto na alça da bolsa que estava em meu ombro. Logo que parou no fim do corredor em frente a uma porta de madeira maciça, alta e larga, Liu entrou e deixou a porta aberta. Devagar, entrei e dei de cara com uma sala ampla com piano de cauda na cor marrom escuro muito bonito. As paredes da sala são pintadas na cor areia e o piso é de madeira. Fiquei encantada com cada detalhe do ambiente. Vi duas janelas grandes com cortinas cinzas. A sala em si não tem muita decoração, mas o ambiente transmitia tranquilidade. No cantinho tinha uma mesa de escritório de madeira e uma estante enorme com vários livros, porta-retratos da família e alguns objetos de decoração.

Eu procurei e vi Lincoln que já estava sentado em um banco em frente ao piano. Fiquei hipnotizada com a cena, nunca vi uma pessoa pertencer tanto a um lugar como o Sr. Lincoln pertencia àquele. Parecia um anjo de tão perfeito. O seu mundo era aqui e eu estava dentro dele, e o seu mundo pareceu ser o meu. Eu me senti tão leve.

Fechei os olhos e pela primeira vez desde que papai morreu eu não me sentia perdida. Eu queria dançar de um lado para o outro, mas me contive, não queria que meu chefe me achasse uma maluca logo de cara. 

— Só de vez em quando é que você encontra alguém com uma presença e eletricidade que combina com a tua no ato. Charles Bukowski

 Sou despertada dos meus pensamentos com a sua voz.

— O quê? — lhe interroguei, pois estava um pouco distraída e não entendi direito o que falou.

Eu não sei se ele realmente me escutou, mas se escutou, não deu atenção, pois continuou olhando para mim de uma forma estranha. Era como se ele estivesse olhando para mim, mas com o pensamento em outro lugar.

— Eu preciso que você marque um encontro para mim com o senhor Antônio Rufino essa semana ainda. — Ele fala tão de repente que eu fico um pouco deslocada. Eu nem sabia quem era esse homem, como que eu iria marcar o encontro entre eles?

Lincoln me pareceu bem nervoso quando levantou do banco e foi até a mesa.

— Aqui. — Ele me mostrou duas agendas nas cores prateada e azul.

— Pegue-as, uma é a minha agenda pessoal, é onde você vai encontrar o nome e o número de Antônio Rufino. A outra tem anotações importantes, os meus compromissos e os concertos que terei. Viagens e tudo que você precisa saber estão nessas duas agendas. Minha mãe vai lhe fornecer um tablet e uma agenda eletrônica, fale com ela. — Nossa ele falou tão rápido, foi tanta informação que eu fiquei um pouco tonta. Ele foi da água para o vinho de repente.

— Agora, por favor, pode sair, eu quero ficar um pouco só. — diz ele voltando para o piano. 

Sai da sala deixando-o sozinho. Ao fechar a porta escutei as notas que ele começou a tocar em seu piano.

                           ✧✧✧

  ACHEI QUE ELE IRIA ME DAR mais instruções, o que foi aquilo que ele falou do nada? Estava tão perdida em meus pensamentos que não ouvi direito. Tinha alguma coisa a ver com presença, eu acho. 

   Não importa! Vou procurar a Sra. Lincoln para me ajudar.

 Ao procurá-la, deparei-me com uma cozinha muito sofisticada e com uma senhora em frente ao fogão.

 — Oi. — falei baixo me sentindo tímida. A senhora se virou para mim com um sorriso simpático, e com um avental xadrez amarrado na cintura. Seus cabelos eram grisalhos. Deveria estar no seus conquista e cinco anos.

 — Oi! Você é a garota que vai trabalhar para o menino Liu, certo? 

 — Sou eu sim. A senhora sabe onde está a mãe dele? 

 — Deve estar na biblioteca. Ela fica no segundo andar — me respondeu enquanto voltava para o fogão. 

 — Desculpe-me, querida, por não poder lhe dar atenção. Estou fazendo o almoço. 

 — Não se preocupe. Eu vou procurar a senhora Lincoln. Muito obrigada pela ajuda! — Saí da cozinha deixando-a com os seus afazeres.

 Quando encontrei a biblioteca, bati na porta delicadamente. Queria poder não perturbar, mas eu não sabia muito bem o que fazer direito, Lincoln não me deu informação suficiente. Escutei quando ela falou para eu entrar. Devagar, abri a porta e entrei. A biblioteca era bem espaçosa com estante do teto ao chão repleto de livros. Eu levaria uma vida inteira para ler todos eles.

 — Oi, Alice! Meu filho já a dispensou, não foi? — Ela diz colocando seu óculos de leitura numa mesa ao lado da poltrona que está sentada.

 — Sim. Ele me deu essas duas agendas, e disse que tudo que eu preciso estaria nelas. — Ela me lançou um sorriso de desculpa.

 — Você é algo novo para ele, e mesmo Liu sabendo que é necessário você aqui, ainda fica um pouco desconfortável. Mas não se preocupe! Logo, logo ele se acostuma! Só lhe peço um pouco de paciência. 

 Paciência era o que eu tinha de sobra. Se não fosse assim, eu não estaria morando na casa da minha mãe.

 — Ele me falou que a senhora me daria uma agenda eletrônica. — Falei me aproximando dela.

 — Ah! É verdade! Eu já estava me esquecendo, que cabeça a minha! Liu gosta mais das coisas escritas, então, essas agendas são mais para ele do que pra você — Levantando ela foi até uma mesa e pegou uma caixa fina de dentro da gaveta. A caixa era azul e branca. Ela me estendeu e peguei percebendo que era a agenda eletrônica. 

 — Essa é antiga, é a agenda que a outra garota usava. Já está pronta para uso, só precisa colocar alguns compromissos nela que estão nos cadernos. Não é difícil de usar, você vai ver. Também te darei um notebook e um celular para você poder pesquisar algumas coisas para ele. 

 — Ele me pediu para marcar um encontro com o Senhor Rufino. — Ao escutar isso ela me olhou de um jeito estranho.

 — Antônio Rufino? 

 — Sim. A senhora conhece?

 — Se conheço? Ele é o único amigo que meu filho realmente considera. Trabalha no Teatro Municipal de São Paulo como zelador. Liu o conheceu quando fazia parte da Orquestra Sinfônica. Ainda era muito jovem, mas, desde então, eles formaram um laço de amizade bem sólido que dura até hoje. 

 — Então é para ele que eu devo ligar o mais rápido possível. Exigência do seu filho!

 — O meu filho mudou muito depois que o conheceu! Eu não sei como, mas o senhor Rufino consegue entender Liu de uma forma que nem eu, que sou mãe, consigo. — Ela me lançou um olhar um pouco triste. Era como se ela estivesse decepcionada por não entender o seu filho tão bem quanto este homem.

 — Eu acredito que é raro uma mãe entender o filho. E principalmente porque nós sempre queremos esconder algo dos nossos pais. 

 — Pode ser. 

 — Além do mais, somos jovens, não fomos feitos para sermos compreendidos. Eu acredito que, às vezes, nem nós mesmos nos compreendemos. — Senhora Lincoln me deu um sorriso sem mostrar os dentes. Era uma senhora muito bonita, mesmo quando estava com um olhar triste.

 — Se o meu filho quer falar com ele urgentemente, marque esse encontro o quanto antes. Ele provavelmente quer esclarecer alguma dúvida que surgiu. Sempre é assim que acontece. Se alguma dúvida surge em sua mente, ele vai para o Senhor Antônio. — Eu concordei me despedindo dela, e quando estava prestes a sair ela me chamou. 

 — Alice! Na agenda de compromisso do Liu, tem uma viagem marcada para esse fim de semana. Dê uma olhada e veja o que necessita ser organizado.

 — Eu farei isso logo após marcar o encontro com o senhor Antônio Rufino.

 Estava em um cômodo no andar de cima. Sentada em uma cadeira com as agendas de Lincoln. Eu tinha acabado de ligar para o senhor Rufino marcando o encontro para segunda-feira. Ele me pareceu um senhor muito simpático e falou que ficaria imensamente feliz de encontrar com Liu. Estava olhando as últimas folhas da agenda dele de compromissos e, quando vi para onde ele iria esse fim de semana, fico pasma.

 — Ele vai para Paris! Meu Deus! — Fiquei de boca aberta sem acreditar no que li. Eu nunca saí do estado, imagina ir à Paris, na França. Nossa seria um sonho! Ele vai fazer um concerto na Ópera Bastille. Aqui diz que o concerto começará às 20hs e terminará às 22hs. 

 Peguei sua agenda pessoal para ver sua rotina e vejo que não é muito agitada. Todas as manhãs ele sai para uma corrida pelo menos uma hora. Ele também, todas as quartas vai ao Teatro aqui em Higienópolis pela tarde, e todos os domingos pela manhã vai à igreja com toda sua família. Eu não sabia que eles eram religiosos. Confesso que fiquei um pouco surpresa. 

 Anotei na minha agenda tudo o que era necessário. Vi que ele sempre vai num jatinho particular com a equipe. Eles realmente têm uma boa condição financeira. 

 Voltei para a sala de música, onde ele se encontra ainda tocando as notas em seu piano. Escutei a melodia suave que saía das teclas. Bati na porta de uma maneira um pouco forte para que ele pudesse me escutar mas falhei miseravelmente, pois ele continuou tocando o seu piano. 

 Mesmo com receio, entrei na sala, deparando-me com ele tocando a melodia de olhos fechados. Decidi me aproximar sem fazer barulho. A visão que tinha era muito linda. Eu nunca vi ao vivo uma pessoa tocando piano de cauda. Eu posso afirmar que Lincoln tocando o piano era uma das sete maravilhas do mundo, com certeza. Os seus dedos compridos são tão ágeis tocando as teclas de uma maneira precisa. Os seus ombros faziam movimentos delicados acompanhando a melodia com o rosto sereno. Sinto-me hipnotizada pela cena em minha frente. Cada vez que eu o via, me encantava um pouco mais. Continuei quieta até que ele tocou a última nota da melodia. Lincoln parou por alguns segundos e quando eu percebi que ele voltaria a tocar, me pronunciei.

 — Senhor Lincoln? — Ele me olhou com uma expressão de surpresa. Eu achei, porém não tinha certeza. Ele não fazia muito expressões faciais.

 — Sim? — Ele diz voltando o olhar para as teclas à sua frente.

 Eu me aproximei um pouco, ficando sem jeito em sua presença, não sabia bem como agir. Ele me intimidava muito.

 — Eu já marquei o seu encontro com António Rufino, como me pediu.

 — Para quando? — Pergunta sem olhar para mim. 

 — Segunda-feira — Falei um pouco receosa. 

— NÃO! — O grito dele repetindo me assustou

 Nós dois ficamos em silêncio. Eu por não entender a sua voz altiva e ele, sinceramente, eu não sei, talvez por vergonha.

 — Daqui a sete dias? Não tinha como marcar antes? Eu quero muito falar com ele. — Agora ele falou de maneira suave.

 — Eu sinto muito, ele disse que só estaria disponível na próxima segunda — Sr. Lincoln fechou os olhos por alguns segundos e depois os abriu.

 — Está certo, tudo bem — Ele se rende.

 — O seu concerto na França já está tudo em ordem. Vocês vão sair na sexta à tarde e voltam no domingo.

 — Eu não posso voltar no domingo, tenho compromisso. Por favor, veja se dá para voltar no sábado mesmo. — Ele passou a mão na cabeça várias vezes.

 — Eu não sei se isso seria possível, o concerto começa às 20hs e termina às 22hs da noite.

 — Veja se consegue. Eu não posso ficar todo esse tempo. Se você não conseguir, cancela o conserto. — Eu olhei para ele assustada. Ele queria cancelar um compromisso desse porte? Só porque não poderia estar aqui no domingo para ir à igreja? Eu não acredito!

 — Tem certeza? É um concerto em Paris, senhor. — me remexi de maneira desconfortável.

 — Eu não me importo onde é, o que me importa na verdade é eu estar aqui no domingo, para ir ao meu compromisso de sempre. — fala ele, rápido as palavras. Aparenta estar um pouco nervoso. Ele se levantou e começou a andar pela sala de um lado para o outro. Isso me deixa apreensiva. Por que ele está tão agitado assim? 

 — Você tem que fazer com que voltemos no sábado! — O pianista repete isso várias vezes enquanto ficava andando de um lado para o outro. Percebi que ele abria e fechava as mãos inúmeras vezes. Ele ficou estressado. E agora, o que deveria fazer?

 — Sr. Lincoln! — falei alto para que ele possa me ouvir, mas não adiantou, ele continuou agitado andando de um lado para o outro.

 — Eu tenho que estar aqui no sábado — repete mais uma vez.

 O que eu tinha que fazer nesses momentos? Ficar apenas aqui olhando? Ou concordar que ele tem que estar aqui no sábado? Ele quer voltar no sábado, então eu posso tentar fazer isso. Vou falar com seu empresário.

 — Eu vou fazer você voltar no sábado, escutou? — parou ele de repente e me olhou um pouco desconfiado.

 — Verdade? — o seu rosto estava sério. Eu balancei a cabeça confirmando. E voltamos para o mesmo silêncio de antes. Era um silêncio constrangedor.

 — Que música o senhor estava tocando? — Perguntei para tentar distraí-lo. — A melodia era muito bonita — Voltei a falar.

 — Você gostou? Quer que eu a toque para você? Porque eu posso tocar se quiser. — Eu lhe ofereci um sorriso cheio de dentes. 

 É claro que eu queria que ele toque para mim! Na verdade... Seria uma grande honra ter Liu Lincoln tocando apenas para mim. 

 — Sim! — Confirmei e ele logo voltou a sentar novamente no banco à frente do piano.

— O nome da música é ONLY HOPE! — Então ele começou a tocar a melodia e ela era maravilhosa. Foi levada mais uma vez para o seu mundo. Era algo que eu não conseguia explicar com palavras, o que sentir.

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