Valentim
— Está se divertindo muito, Fábio? — perguntei, cruzando meus braços assim que fiquei diante dele. O homem de meia-idade, alto, moreno e de olhos castanhos escuros, virou-se para mim como quem não quer nada, e isso só aumentou minha irritação, mesmo que tentasse não demonstrar.— O suficiente para uma semana toda, como você vê — falou, docemente. Revirei meus olhos, lembrando que Fábio era um empresário de uma empresa ligada a produção de vinho e que gostava de agir como um maldito de um ricaço mesmo em boates assim.— Não me diga — falei, sarcástico. Ele voltou seu corpo todo para mim, entregando sua bebida para um dos caras que haviam próximo a si.— Você está aqui pela minha ligação, não é?— Não, eu só vim curtir um pouco mesmo tendo muito a resolver — ironizei, revirando meus olhos. Ele balançou sua cabeça de um lado para o outro, logo seguindo com sua fala como se a minha nunca tivesse sido dita:— O que eu tenho qLauraO som que meus sapatos de salto alto fizeram no piso de porcelanato da casa de Valentim assim que entrei, não foi a coisa que mais atraiu minha atenção quando pude visualizar com calma o local que seria minha morada nos próximos meses.Diante de uma sala ampla, com teto rebaixado e luzes indiretas, não consegui esconder minha surpresa e euforia. Todo aquele luxo, que ia de uma cozinha com eletrodomésticos de primeira linha em aço escovado, mesas de vidro e passa pratos giratórios, era a última coisa que eu imaginava ver em uma casa na Rocinha, embora a fachada já fosse, por si só, chamativa o suficiente comparada a qualquer outra construção que havia ao seu redor.Pela localização, aquele lugar estava bem longe de ser simples ou modesto. Nos poucos minutos que fiquei zanzando de cômodo em cômodo, vi que havia não só amplos quartos, banheiros com hidromassagem, aparelhos de ar-condicionado e TVs de LCD em quase todos os cômodos, como também uma piscin
Laura— Eu sei quem é você — a irmã de Valentim afirmou, agora indo até ele. — Henrique, não é?Ao ouvir seu primeiro nome, o rosto do meu amigo se contorceu em uma careta de desaprovação. Lopes não gostava de ser chamado pelo seu primeiro nome, que lhe foi dado por sua mãe um ano antes de lhe deixar nas mãos de seu pai — ainda bebê —, um homem que morrera injustamente pela bala de um PM quando meu amigo tinha míseros quatorze anos.— Me chame de Lopes, por favor — pediu, educado. Mas ela simplesmente ignorou.— Henrique Lopes… Eu sabia! — disse, vitoriosamente. Voltou-se em minha direção, como quem quer confirmar algo. — Então, você é mesmo a filha do Antônio e ele é o cachorrinho fiel dele — constatou, batendo uma mão na outra. Apesar do movimento e da alegria demonstrada em sua voz, ela não se esforçou em aparentar estar feliz diante de nós.— Eu te peço de novo, não me chame pelo meu primeiro nome — Lopes pediu novamente, ignorando a
ValentimO relógio marcava duas horas da manhã quando finalmente pisei no chão marmorizado da minha casa. Estava exausto, boa parte sendo pela energia gasta com discussões e acordos que firmei — ou pelo menos tentei firmar — com as pessoas mais importantes presentes naquela boate; um lugar muito badalado, que funcionava quase vinte e quatro horas por dia.Não podia afirmar que eu estava no meu juízo completo, afinal, a bebida que eu havia ingerido na presença de Fábio ainda parecia vívida demais na minha boca, me fazendo questionar o motivo de tê-la bebido apenas uma vez.Não era como se houvesse alguém para me impedir de ficar bêbedo, embora eu soubesse, bem lá no fundo, que se arriscasse perder minha capacidade de impor respeito a qualquer um que me visse, os boatos que se formariam sobre mim acabariam sendo algo terrível demais para eu simplesmente ignorar, o que poderia resultar em mais pessoas mortas ou feridas do que eu estava realmente disposto a pr
ValentimAntes do meu celular marcar sete da manhã eu já estava sentado em volta de uma das mesas de vidro que haviam na cozinha, saboreando as maravilhas que minha irmã havia preparado para mim naquele dia — já que Dona Heloísa, nossa empregada doméstica, estava de férias por tempo indeterminado.Laura e seu capacho, que durante a conversa com Isabel eu descobri se chamar Henrique, vulgo Lopes, ainda permaneciam em seus respectivos quartos — o dele no início do corredor e o dela bem próximo ao meu, por coincidência, talvez — sem nem dar um mísero sinal de vida, quase me levando a acreditar que haviam fugido depois do sono não muito prolongado que tive após chegar daquela festa onde me encontrei com Fábio no dia anterior.Suspirei, já não gostando daquela mordomia que os dois estavam tendo em meu lar. Depois, quando os visse, expulsaria o homem para que situações como a que havia acontecido horas antes não pudessem se repetir de novo, e, acima de tudo, inf
LauraEu não sabia o que pensar.A partir do momento que pisei naquela casa, tudo que eu considerava certo sobre minha curta estadia no morro havia se tornado obsoleto e irrelevante. Tinha, para começo de conversa e para meu desprazer, encontrado um fantasma do passado há muito tempo esquecido. Algo que, sobretudo, havia balançando minhas estruturas e me deixado à beira de um colapso iminente.Por isso, não consegui dormir e tive que vagar pela casa à noite. Tive que me banhar na água gelada da piscina por tempo considerável e, por fim, tive que tentar encontrar algo para me distrair. E quem seria uma melhor distração do que aquele que me queria presa a ele?Sim, eu fui até Valentim com a desculpa de que queria apenas provocá-lo, mas não era isso. Eu queria achar uma fuga, queria descobrir se a irmã dele já contara tudo que sabia sobre meu passado — algo que conclui que ela não fizera, para minha total confusão.E isso nem era a ponta do
LauraEra por volta das quatro da tarde quando uma mulher negra, alta, de cabelos cacheados invadiu meu quarto com uma alegria que não condizia com meu estado de espírito naquele momento. Eu não sabia quem ela era, de onde tinha vindo e o que pretendia fazer ali, na área que tecnicamente deveria ser minha e somente minha. No entanto, uma parte de mim imaginava que tinha dedo daquele fodido do Valentim; o desgraçado só poderia querer me provocar depois de tudo aquilo que aconteceu entre nós depois do café da manhã.— Olá, bela adormecida! — cumprimentou, puxando os lençóis finos que eu usava para me cobrir. Não sei se minha expressão denunciou a irritação que sentia com a invasão dela ou se já estava óbvio desde o começo, mas ela parou por alguns segundos, ponderando, e começou a falar: — Eu já peço desculpas por invadir seu cantinho privado, mas é necessário. Valentim quer que você esteja pronta para o jantar de hoje a noite na casa de um importante parceiro comerc
ValentimEra por volta do meio-dia quando recebi uma ligação de Marcelo dizendo que Fábio queria se encontrar com a filha do Antônio em um jantar após descobrir que ela já estava em minha casa, sob os meus cuidados. Eu não sei se posso dizer o que se passava na cabeça dele quando decidiu que queria vê-la antes do evento na boate. Muito menos se eu poderia dizer que gostava disso. Não, eu não gostava. Havia algo pairando sobre esta situação toda que estava me deixando com os nervos à flor da pele. E olha que, enquanto pensava nisso tudo, estava desconsiderando tudo que havia acontecido entre mim e Laura depois do café da manhã.Suspirei, frustrado por ter tido que aceitar tal "ordem" vindo de alguém que eu não — na teoria, pelo menos — precisava obedecer. Mas não tinha o que ser feito. Minha cabeça estava cheia demais por ter sacado minha arma e atirado com ela somente por uma provocação barata da minha principal inimiga; o que só me fez repensar se valia
ValentimLinda não era a palavra que definia a mulher à minha frente. Não, estava bem longe de ser. Laura parecia uma musa grega, ou até mesmo as mais badaladas sambistas das escolas de samba que desfilavam com toda elegância no carnaval. Ela estava deslumbrante, um encanto igual às sereias da mitologia grega; bela e feroz, pronta para arrancar a língua de quem quer que a incomodasse. E isso não era de todo ruim para mim.O vestido preto, de mangas longas e colado parecia se encaixar perfeitamente em seu corpo esbelto, realçando cada curva e cada traço seu. Em contrapartida, a maquiagem não muito forte tornava seu rosto mais angelical, mais leve, como se ela não tivesse nenhuma preocupação tirando sua paz; como se aquilo que aconteceu entre nós de manhã não tivesse lhe atingido de verdade e tudo não passou de um delírio da minha mente perturbada.Se seu vestido não fosse de mangas longas e seus olhos não tivessem hesitado ao me ver, eu até poderia ter acre